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Entre os principais dilemas da penologia moderna está, sem dúvida, a decodificação e a recodificação.106

A codificação107 do direito foi um processo iniciado no século XVIII e totalmente desenvolvido no século XIX. Fundamentava-se nas seguintes ideias básicas: a) a possibilidade de se obter um direito materialmente justo, pela conformidade com uma razão universal; b) a ideia do sistema ou organização do direito baseado num plano lógico axiomático-dedutivo.108

Relacionados à codificação ou à não codificação, há aspectos negativos e positivos, a saber: “a codificação permite o desenvolvimento de um projeto político – criminal homogêneo, que deve obedecer a uma sistematização e estar em consonância com os princípios gerais atinentes ao Direito Penal”. Já a não codificação permite a adequação penal e atuação do legislador de maneira imediata, “não ficando à mercê de novas formas de criminalidade que não se adaptam ao Código Penal e ficam à espera de regulamentação, além de permitir um enfrentamento mais técnico da matéria.”109

Nesse rumo, verifica-se como tendência no âmbito cultural ibero-americano o forte apego ao princípio da codificação, em virtude do qual a matéria penal deve estar contida em corpos legais abrangentes, como os Códigos Penais e Processuais

106Nesse sentido: MANTOVANI, Ferrando. Sobre la Perene Necesidad de la Codificación.

Disponível em: < http: //criminet.urg.es/recpc/recpc_01-01.html>. Acesso em: 27.06.2011, p.1. Tradução livre realizada pela autora.

107Remonta-se ao século XIII a.C. o código mais antigo da humanidade, as Leis de Manu. Todavia,

compilação mais significativa refere-se ao período dos séculos III e VI da Era cristã, nos quais a profusão de leges e iura passou a atacar a clareza legislativa e a unidade.

108Nesse sentido: CRUZ BARNEY, Óscar. La codificación del derecho en el Estado de Tabasco durante El siglo XIX. Disponível em: < htpp: www.juridicas.unam.mx>. Acesso em: 17/08/2011, p.

199-200.

109PONTE, Antonio Carlos da. Crimes Eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 21. E complementa:

“É evidente que a não codificação atende melhor aos interesses dos governantes, que, por intermédio de medidas paliativas, sem maior relevo e desprovidas de qualquer compromisso com a efetiva solução do problema, procedem a constantes modificações na lei penal, fornecendo a falsa imagem de que a legislação penal acompanha pari passu as modificações do mundo globalizado. Infelizmente, não é o que acontece.”

Penais. Essa opção possui por excelência a racionalização do sistema repressivo e um óbice às legislações tendentes a abandonar os princípios fundamentais do Direito Penal, por razões resultantes de certos acontecimentos.110

Embora, de uma forma genérica, a codificação do sistema penal vigore sem exceção em todos os países da América do Sul, ao mesmo tempo, o referido princípio tem se enfraquecido em razão da proliferação de leis penais especiais, podendo ser vislumbrado mais claramente na Argentina, Brasil, Chile, Equador e Venezuela. Essa tendência concentra-se majoritariamente no conteúdo da Parte Especial, de modo que leis introduzem novos delitos que não estão previstos nos Códigos ou retiram delitos que já eram previstos, sendo reformulados e publicados em leis extravagantes.111

No Brasil, o Código Penal da República, conforme dito, sofreu diversas alterações, implementadas por inúmeras leis no decurso de sua vigência, assinalando pela primeira vez a ruptura com o princípio da codificação.

De modo que, historicamente, o país já passou por um processo de recodificação devido às tentativas frustradas de reforma do Código Penal. Por meio do Decreto nº. 22.213, de 14 de dezembro de 1932, foi adotada a “Consolidação das Leis Penais”, elaborada pelo Desembargador Vicente Piragibe, publicada sob o título “Código Penal Brasileiro”, em razão dos seguintes problemas enfrentados à época: o Código Penal da República sofreu inúmeras modificações, mormente na classificação dos delitos e intensidade das penas. Estas se deram em um grande número de leis esparsas, algumas das quais suportaram profundas alterações, posteriormente, dificultando o conhecimento e a aplicação da lei penal.112

Assinala-se que o Código Penal Brasileiro, de 1940, ao longo dos anos, sofreu sucessivas alterações que afetaram a sua originalidade, de modo que “o número de infrações penais definidas em leis especiais supera os tipos penais insertos no mencionado diploma legal.”113

110Nesse sentido: DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. MIR PUIG, Santiago (Director). La Política Legislativa Penal Iberoamericana a principios del siglo XXI. Derecho penal del siglo XXI. Madrid: Consejo

General del Poder Judicial. p, 155-190, 2008, p. 160. Tradução livre realizada pela autora.

111Nesse sentido: Idem. Ibidem, p. 160. Tradução livre realizada pela autora.

112Nesse sentido: BRASIL. Decreto nº. 22.213, de 14 de dezembro de 1932. Consolidação das Leis Penais. Disponível em: < http: www6. senado. gov.br/legislação/ListaPut>. Acesso em: 30/03/2011. 113CASTILHO. Ela Wiecko V.de. A legislação penal brasileira sobre tráfico de pessoas e imigração ilegal/irregular frente aos Protocolos Adicionais à Convenção de Palermo, p. 1.

Logo, os anos que se passaram foram abalizados pelo abuso da legislação penal extravagante, cada qual adotou uma forma de punição distinta, acompanhada, na maioria das vezes, de um empobrecimento técnico, provocando uma insegurança jurídica evidente.

Esse quadro revela que o Brasil não adota o princípio da codificação, o qual preconiza que todas as condutas tipificadas devem estar previstas no corpo do Código Penal, com o resguardo de todos os bens jurídicos penalmente relevantes, tendo como consequência um Direito Penal de ultima ratio ou minimalista.

Assim, patrocinou-se a ilusão de que há mais rigor aderindo-se a um modelo misto, composto por condutas codificadas, complementadas por leis extravagantes, criadoras de novos tipos, do que a utilização apenas dos delitos já tipificados no Código Penal, as quais refletem o simbolismo, e não a efetiva proteção de bens jurídicos dignos de amparo penal, repercutindo em uma das manifestações concretas do Direito Penal da “sociedade de risco.”

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