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Envio ilícito de crianças ou adolescentes ao exterior

3.6. Análise pontual do ordenamento jurídico brasileiro: considerações

3.6.2. Envio ilícito de crianças ou adolescentes ao exterior

O artigo 239,270 do Estatuto da Criança e do Adolescente, incluído pela Lei nº 10.764, de 12.11.2003, cuida do envio ilícito de crianças ou adolescentes ao exterior.271

É importante mencionar que para José Paulo Baltazar Júnior essa figura típica tem por objeto a repressão do tráfico internacional de crianças e adolescentes. Isto porque, na definição do Protocolo que versa sobre a repressão ao tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças é exigida apenas a ação, consistente em recrutar, transportar, transferir, alojar ou acolher pessoas; e a finalidade que inclui, no mínimo, a exploração da prostituição de terceiros, ou outras formas de exploração sexual, trabalho forçado ou serviços, escravidão ou práticas assemelhadas à escravidão, à servidão ou à remoção de órgãos.

No entanto, os verbos do tipo em comento não correspondem a nenhuma das ações contidas na definição inserta no artigo 3, alínea a do referido Protocolo, tampouco menciona a finalidade de exploração, apenas e tão somente o “fito de obter lucro”. Ademais, a conduta típica do delito de tráfico de pessoas articula-se sobre a base de um tríplice requerimento de ação, meios empregados e finalidade de exploração, devendo concorrer cumulativamente para poder se falar em tráfico de pessoas, sem que a exploração objetivamente se produza para a consumação do referido delito.

Deste modo, a conduta vem representada pelos verbos promover e auxiliar o envio de criança e adolescente ao exterior sem a observância das formalidades legais ou com a finalidade de obter lucro.

269Nesse sentido: BECHARA, 2010, p. 115.

270“Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente

para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro: Pena - reclusão de quatro a seis anos, e multa.

Parágrafo único. Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.”

Na primeira modalidade, “o sujeito ativo promove diretamente a saída e, na segunda, o agente auxilia, prestando alguma forma de cooperação material para o envio da criança ou do adolescente ao exterior”. Independentemente do efetivo envio ou se a motivação do crime não for econômica ou sequer haja promessa de pagamento, haverá o crime.272

O bem jurídico tutelado no crime em tela é a “proteção de crianças e adolescentes determinada pelo artigo 227 da Constituição Federal” 273, evitando “que a criança ou adolescente não saia do seu alcance, fique fora dos limites de sua Jurisdição” 274 e

colocadas em lar que não atenda suas necessidades 275 o que se procura evitar mediante atenção às formalidades estabelecidas pelo ECA, em seus arts. 52 a 52-D. Evita-se, ainda, que as crianças se tornem meio para o lucro de terceiros, sejam os intermediários de adoções ilegais ou pessoas que venham a explorar o trabalho da criança traficada em oficinas, bordéis ou na mendicância.276

O tipo penal em comento é aberto e têm sido reconhecidas pela jurisprudência pátria as condutas de quem:

a) falsifica o registro de nascimento com a finalidade específica de enviar ilicitamente crianças ou adolescentes ao exterior sem a observância das exigências legais ou com a finalidade de lucro; b) se vale do registro de nascimento de recém-nascido como meio para obter passaporte para deixar o País; c) requer, obtém ou auxilia na obtenção do passaporte; d) promove a saída do menor com passaporte falso.277

A elementar do tipo da “inobservância das formalidades legais trata-se de uma norma penal em branco”, assim, deve ser observada a legislação específica que elenca a previsão das regras próprias.278

A forma qualificada encontra-se prevista no parágrafo único, para os casos em que “o crime é cometido com violência, grave ameaça ou fraude, no que é

272BALTAZAR JUNIOR, 2011, p. 497-499.

273Idem. Ibidem. p. 496. STJ, CC 63/PR, Costa Lima, 3ª S., u., 17.8.89)

274WELTER, Antônio Carlos. Envio de filho pelos pais ao exterior para entregá-lo a terceiro sem

observância do processo de adoção – incidência do art. 239 da lei nº 8.069/90, Estatuto da

Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/id197.htm>.

Acesso em: 06.03.2012.

275BALTAZAR JUNIOR, op. cit., p. 496. TRF2, AC 20010201047193-5/RJ, França Neto, 2ª TE,

17.5.05)

276Idem. Ibidem, p. 497 apud. DOTTRIDGE, Mike. Kids as commodities? Child traffiking and what

to do about it. Lausanne: International Federation Terr dês Hommes, 2004, p. 16-27.

277BALTAZAR JUNIOR, op. cit., p. 498. 278BALTAZAR JUNIOR, loc.cit.

chamado internacionalmente de hard trafficking, em oposição ao soft traffiking, em que o crime ocorre com o consentimento do adolescente ou dos pais.”279

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. Como sujeito passivo, a criança e o adolescente levados para o exterior, sendo que nos termos do artigo 2º, do ECA, considera-se criança, pessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos, e adolescente aquele que tiver entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade.280

De outro modo é notório que muitos estrangeiros vêm ao Brasil em busca de crianças para adoção. Somado a isso, famílias ou mães que não podem ou não querem assumir de maneira responsável seu filho e redes de tráfico internacional encontram no comércio de bebês ou crianças uma fonte de renda significativa, ou ainda, permitem a exploração de adolescentes em troca de dinheiro. Esse mercado fértil fomenta a modalidade de tráfico internacional de crianças e adolescentes.

Como se vê, o Brasil não possui um tipo penal específico que verse sobre o tráfico internacional ou interno de crianças e adolescentes, para as finalidades de adoção ilegal, exploração da mendicância, exploração laboral ou extração de órgãos, tecidos ou células humanas.

No entanto, para atender aos compromissos assumidos internacionalmente com a ratificação e a respectiva promulgação dos tratados internacionais mencionados, bem como para o enfrentamento do tema de maneira satisfatória, seria oportuno que fosse adotado um tipo penal que incluísse à criminalização a conduta de tráfico de crianças para adoção ilegal, agregada a outras modalidades de exploração de seres humanos.

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