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Tráfico de pessoas sob a perspectiva dos Direitos Humanos

A partir da Segunda Guerra Mundial, o movimento de Direitos Humanos desenvolveu-se extraordinariamente. Dessa forma, passou a constituir um legítimo interesse e preocupação internacional.

Observa-se que a internacionalização dos Direitos Humanos é reflexo de um movimento extremamente recente na história, pois nasceu como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo. Nesse contexto, o Tribunal de Nuremberg472, nos anos de 1945 e 1946, constituiu impulso significativo no processo de internacionalização desses direitos.

Com a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembleia Geral da ONU, em 1948, reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993, constituiu-se um ímpeto decisivo no processo de generalização dos Direitos Humanos e permaneceu como fonte de inspiração e ponto de irradiação e convergência dos instrumentos de Direitos Humanos no sistema global e regional de proteção.473 Isto porque, trouxe em seu bojo a universalidade, a indivisibilidade e a interdependência dos Direitos Humanos como um sistema integrado de princípios e valores que devem ser reconhecidos e incorporados por toda a humanidade e a cada um dos seres humanos.

Na trilha desse entendimento Flávia Piovesan argumenta que:

Ao constituir tema de legítimo interesse internacional, os Direitos Humanos transcenderam e extrapolaram o domínio reservado do Estado ou a competência nacional exclusiva. São criados parâmetros globais de ação

472A competência para julgar os crimes cometidos durante o nazismo, bem como sua composição e

procedimentos, foram fixados pelo Acordo de Londres. Aplicou-se fundalmentalmente o costume internacional para a condenação criminal de indivíduos envolvidos na prática de crime contra a paz, crime de guerra e crime contra humanidade. Não obstante isso, advoga-se o entendimento de que ocorreu afronta ao princípio da legalidade, pois os atos punidos pelo Tribunal de Nuremberg não eram considerados crimes no momento em que foram perpetrados.

473TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos Direitos Humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 1.

estatal, que compõem um código comum de ação, ao qual os Estados devem se conformar, no que diz respeito à promoção e proteção dos Direitos Humanos.474

Nesse contexto, a Declaração de 1948 veio inovar a gramática do tema ao introduzir a chamada concepção contemporânea de Direitos Humanos, marcada pela universalidade e indivisibilidade desses direitos. Universalidade porque clama pela extensão universal dos Direitos Humanos, sob o alicerce de que a condição humana é o único requisito para ser titular de direitos, considerando o ser humano como ser essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e dignidade, sendo este valor intrínseco à condição humana. A ideia de indivisibilidade versa sobre a visão integral dos Direitos Humanos, ao conjugar o catálogo dos direitos civis e políticos com o dos direitos econômicos, sociais e culturais. Portanto, a concepção contemporânea de Direitos Humanos caracteriza-se pelos processos de universalização e internacionalização desses direitos, compreendidos sob o prisma da indivisibilidade.475

Na trilha desse entendimento, o tráfico de seres humanos é um delito que lesiona Direitos Humanos fundamentais, pois o traficante limita ou elimina todos os direitos inerentes ao ser humano e que estão consagrados na Declaração Universal de Direitos Humanos, pois a vítima converte-se em um objeto de comércio, sem liberdade física ou volitiva.476

Com relação ao tráfico de pessoas sob a perspectiva dos Direitos Humanos, fator determinante atualmente é a abordagem dicotômica do tema tráfico de seres humanos como um fenômeno concernente ao sistema de Justiça Penal, mas também relacionado à proteção dos Direitos Humanos. Assim, de um lado é possível

474PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Saraiva,

2010, p. 5. E complementa: “O desenvolvimento histórico da proteção internacional dos Direitos Humanos gradualmente superou barreiras do passado: compreendeu-se, pouco a pouco, que a proteção dos direitos básicos das pessoas humanas não se esgota, como não poderia esgotar-se na atuação do Estado, na pretensa e indemonstrável “competência nacional exclusiva”, afigurando-se como reflexo, manifestação ou particularização da própria noção de soberania, inteiramente inadequada ao plano das relações internacionais, porquanto originalmente concebida, tendo em mente o Estado in abstracto, e como expressão de um poder interno, de uma supremacia própria de um ordenamento de subordinação, claramente distinto do ordenamento internacional, de coordenação e cooperação, em que todos os Estados são, ademais de independentes, juridicamente iguais”. TRINDADE, 1991, p. 3 e 4.

475Nesse sentido: PIOVESAN, op. cit., p. 141 e ss.

476Nesse sentido: Manual sobre la investigación del delito de trata de personas, p.11-12.

Disponível em: <http:// www.unodc.org/documents/human.../AUTO_APRENDIZAJE>. Acesso em 20.05.2012. Tradução livre realizada pela autora.

encontrar instrumentos internacionais e regionais que abordam o assunto sob a ótica fundamentalmente criminogênica, circunscrita à previsão delitiva, com o estabelecimento de demandas de incriminação aos Estados-Partes. Mas também, ao lado dessa abordagem, é crescente o entendimento relacionando o tráfico de pessoas como uma lesão aos Direitos Humanos, com um olhar especial, voltado para as vítimas.477

O Protocolo Adicional para Prevenir e Abolir o Tráfico de Pessoas foi elemento decisivo na luta contra o delito internacionalmente. Apesar de possuir um enfoque criminocêntrico, reconhecendo o tráfico de seres humanos como uma questão de Justiça Criminal, deu o primeiro passo na abordagem do tema, como algo ligado à proteção dos Direitos Humanos e, nesse sentido, pode ser considerado como impulsor da visão vitimocêntrica. Tal abordagem surge, fundamentalmente, para situar o tráfico de pessoas como marco da proteção histórica dos Direitos Humanos e na busca por salvaguardar os direitos das vítimas.

Sobre esse ponto, a Convenção do Conselho da Europa Relativa à luta contra o Tráfico de Seres Humanos 478, de 16 de maio de 2005, em seu Preâmbulo, declara expressamente que “o tráfico de pessoas consiste em uma violação aos Direitos Humanos e um atentado contra a dignidade e a integridade das pessoas, considerando que pode levar a uma situação de escravidão para as vítimas.”

Assim, é imprescindível a aproximação integral do fenômeno, sem se limitar apenas à incriminação das condutas, pois a adoção do paradigma vitimocêntrico não resulta incompatível com a persecução criminal. Ao contrário, devem estar associadas à efetiva harmonização das legislações penais e processuais penais, com ênfase na cooperação internacional, bem como na perseguição jurídico-penal dos autores e na salvaguarda dos direitos das vítimas.

Igualmente, é possível a constatação de que os Direitos Humanos possuem uma relação intrínseca com o Direito Penal e Processual Penal, uma vez que, simultaneamente, lutam pelos princípios da proporcionalidade e da legalidade, da mesma forma que dirigem desvelo às garantias dos acusados, sendo evidente a

477Nesse sentido: VILLACAMPA ESTIARTE, 2011, p. 157-158. Tradução livre realizada pela autora.

478Convenção do Conselho da Europa Relativa à luta contra o Tráfico de Seres Humanos.

Disponível em: <http://www.coe.int/T/E/human_rights/trafficking/PDF_conv_197_trafficking_e.pdf>. Acesso em: 14.02.2012. Tradução livre realizada pela autora.

existência de uma faceta punitiva que ordena que os Estados tipifiquem e punam, na esfera criminal, os autores de violações de Direitos Humanos.479

Ademais, entre os Direitos Humanos das vítimas de tráfico de pessoas que suportaram seus direitos violados, está o de exigir a investigação e penalização dos autores dos delitos contra elas perpetrados, além da tipificação eficiente,480 essencial à salvaguarda dos bens jurídicos em xeque.

6.2. A necessidade da proteção penal eficiente à luz do princípio da

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