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A ESCRITA NO 1.º CICLO DO ENSINO BÁSICO

CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3. Componentes da Produção Textual

A partir da década de setenta foram desenvolvidos diversos modelos com o objetivo de explicar o processo da escrita. Esses modelos basearam-se em “[…] investigações centradas na análise das operações e estratégias cognitivas presentes no processo da escrita […]” (Martins e Niza 1998:162).

Um dos modelos atualmente mais aceite é o modelo de John Hayes e Linda Flower (1980) que considera que no processo de escrita deve-se ter em conta os conhecimentos de quem escreve sobre determinado assunto, os conhecimentos sobre como se organiza um texto e aquilo que se sabe sobre as caraterísticas de diferentes tipos de texto (Martins e Niza 1998). Este modelo dá “[…] um maior relevo à aprendizagem por parte do sujeito das tarefas que é chamado a desempenhar [e incide no] estudo sobre a expressão escrita encarada como processo e não apenas sobre os seus produtos […]” (Barbeiro 1999:59).

A realização de uma tarefa escrita não envolve apenas o sujeito, está integrada numa determinada situação que envolve variados fatores, como, o tempo disponível para a realização da tarefa, o acesso à informação, os instrumentos de escrita disponíveis, o tipo de texto, quem desencadeia a tarefa – indicações externas ou internas –, o tópico a tratar, o destinatário, os objetivos pretendidos, etc. (Barbeiro 1999).

Durante o processo de escrita, o indivíduo efetua as ações como a reflexão sobre o que sabe acerca de determinado tema, pensa como irá executar a tarefa e o registo de informações, para posterior seleção e organização, redação do texto e avaliação do que escreveu.

Através dos passos anteriores, é possível distinguirem-se as três componentes que integram o processo de escrita – a planificação, a revisão e a textualização. De seguida, fazemos uma abordagem a cada uma delas.

 Planificação

Amor (1994) diz-nos que a planificação ajuda o aprendente a identificar o tipo de comunicação a fazer, assim como o seu objetivo, e a adequá-la às caraterísticas do público a abranger.

Segundo Serafini (1986), citado por Barbeiro (1999) “[…] a planificação «inclui todos os tipos de exercício, experiência ou actividade entendidos para encorajar a criação, a recolha e a organização de factos e ideias antes de iniciar a escrita do rascunho» […]” (Barbeiro 1999:63). A planificação consiste na ativação de conhecimentos sobre o tópico e sobre o

género de texto, no programar a forma como se vai organizar a tarefa, são as pesquisas e consultas, é o anotar de informação para posterior utilização, o selecionar e o organizar de informação viável, o elaborar de planos que projetem a organização do texto, ou de capítulos, parágrafos ou grupos de frases. A planificação é utilizada antes da redação ou textualização e serve para organizar informação em relação ao assunto a tratar no texto, selecionar conteúdos, determinar objetivos e antecipar efeitos (Barbeiro e Pereira 2007).

Segundo Martins e Niza (1998), a planificação consiste “[…] na procura de informação relevante para o texto que se vai escrever, no seu registo numa só palavra, em segmentos de frases ou em frases completas. Corresponde à tomada de notas que precede a escrita do texto […]” (Martins e Niza 1998:165). Esse registo deve, de seguida, ser organizado, colocando-se apenas o que é fundamental de forma hierárquica, de acordo com a importância que tem para quem escreve (Martins e Niza 1998).

Na planificação pode-se incluir a recolha de dados, “[…] as respectivas organização e selecção, a partir dos conhecimentos relativos à organização textual, às vias de realização da tarefa, ao próprio destinatário […]” (Barbeiro 1999:60).

Através desta componente, podemos considerar os alunos que possuem o domínio da escrita e os que ainda estão em desenvolvimento, por isso, torna-se indispensável que os discentes trabalhem as competências relacionadas com a planificação desde cedo por meio da escrita colaborativa, da reflexão ligada à vertente metadiscursiva, dando tempo à própria aprendizagem da planificação, em especial da planificação inicial. Na planificação há várias atividades que se podem desenvolver através da facilitação processual, da escrita colaborativa e da reflexão sobre a escrita (Barbeiro e Pereira 2007).

Quanto à facilitação processual, o professor deve desenvolver atividades, de forma a que os alunos ativem os conteúdos, registando no papel as ideias ou informações a colocar no texto (brainstoring ou chuva de ideias), ou comparando as suas ideias com um texto expositivo acerca do mesmo tema; selecionem os termos mais relevantes, sublinhando-os; organizem os conteúdos, agrupando-os por categorias, ou elaborando esquemas e mapas de ideias (Barbeiro e Pereira 2007).

Através da escrita colaborativa podem ser desenvolvidas atividades como elaboração de planos do texto – planificação de um texto por toda a turma, em pares ou em pequeno grupo; comparações de listas que contém a chuva de ideias – em pares ou em pequeno grupo; e elaboração de esquemas em conjunto (Barbeiro e Pereira 2007).

A reflexão sobre a escrita na planificação acontece, por exemplo, nas atividades desenvolvidas em grupos, já que os mesmos têm que refletir sobre o que escreveram, têm que dar as suas opiniões e têm que tomar decisões. Podem ser desenvolvidas atividades como conferências com o professor – que permite falar sobre o que o aluno pretende colocar no texto – e a apresentação à turma do que se planificou (Barbeiro e Pereira 2007).

 Textualização

A textualização é a redação do próprio texto, de acordo com o que foi planificado anteriormente. É o redigir do texto, o selecionar vocabulário procurando as palavras certas para o formar. São expressões linguísticas que organizadas em frases e parágrafos fazem surgir o texto (Reis et al. 2009).

Segundo Martins e Niza (1998), a textualização “[…] consiste na transformação do plano de escrita previamente estabelecido em frases escritas, organizadas gramaticalmente de modo a serem perceptíveis por quem o for ler […]” (Martins e Niza 1998:165).

É na textualização que, no geral, os professores «perdem mais tempo», ou seja, mais se costumam ocupar (Amor 1994).

Aqui, é exigida a explicitação da linguagem interior de forma a adequar a linguagem comunicativa. Na linguagem interior as representações existem apenas para o sujeito e há muita abreviação e predição. Então, na passagem para a linguagem comunicativa, tem que haver uma enorme explicitação do que se pretende comunicar. Essa explicitação faz com que tenham que existir mecanismos de coesão textual que assegurem a progressão sequencial do texto para que seja de fácil compreensão (Barbeiro 1999). Amor (1994) afirma que um dos conceitos fundamentais para a textualização é o de coesão. Este deve-se a M. A. K. Halliday e R. Hasan e que, segundo Mateus et al. (1989) “[…] recobre «todos os processos de sequencialização que asseguram (ou tornam recuperável) uma ligação linguística significativa entre os elementos que ocorrem na superfície textual» […]” (Amor 1994:116). Ainda para Amor (1994) tornar um texto coeso, implica, entre outras ações,

[…]

 seleccionar elementos articuladores intra e interfrásicos;  utilizar substitutos pronominais e gerar cadeias de anáforas;  estruturar as referências (nominais, temporais/espaciais);  realizar operações de determinação;

 proceder a substituições lexicais;

 realizar apagamentos, elipses; repetições oportunas; precisões, explicitações, restrições de sentido;

[…]

 hierarquizar os tópicos discursivos (instalar, prosseguir ou mudar de tema);

Estes aspetos situam-se, no geral, na ordem micro-estrutural, com exceção de, por exemplo, algumas repetições e articulações. Amor (1994) também dá importância à coerência, afirmando que a coesão de um texto também se relaciona com o plano macro- estrutural, traduzindo-se numa coerência global de sentido. M. Charolles (1991) ostenta quatro regras de boa formação textual – a regra da repetição, a regra da progressão, a regra da não-contradição e a regra da relação (Amor 1994). Amor (1994) apresenta-nos as seguintes caraterísticas de forma a tornar um texto coerente, de acordo com as regras anunciadas anteriormente

[…]

1. Regra da repetição: para que um texto seja coerente, deve comportar, no seu desenvolvimento linear, elementos em estreita recorrência.

2. Regra da progressão: para que um texto seja coerente, é necessário que o seu desenvolvimento seja acompanhado de um acréscimo semântico constantemente renovado. 3. Regra da não-contradição: para que um texto seja coerente, é necessário que o seu desenvolvimento não introduza nenhum elemento semântico contradizendo um conteúdo posto em pressuposto por uma ocorrência anterior, ou dedutível por inferência.

4. Regra da relação: para que uma sequência ou um texto sejam coerentes, é necessário que os factos que eles denotam, no mundo representado, sejam articulados, isto é, sejam percebidos como congruentes, no tipo de mundo reconhecido por aquele que avalia o texto […] (Amor 1994:118).

Quando se passa à textualização, temos de dar resposta a tarefas sendo elas: a explicitação de conteúdo – mesmo com a realização de uma planificação inicial, há ideias que surgem de forma genérica, que devem ser explicitadas para uma melhor compreensão do leitor; a formulação linguística – “[…] a explicitação de conteúdo deverá ser feita em ligação à sua expressão, tal como figurará o texto […]” (Barbeiro e Pereira 2007:18) e, por fim, a articulação linguística – o texto é criado por um conjunto de frases interligadas entre si, existindo assim, relações de coesão linguística e de coerência lógica (Barbeiro e Pereira 2007).

Tal como na planificação, durante o processo de textualização há atividades que podem ser desenvolvidas a partir da facilitação processual, da escrita colaborativa e da reflexão sobre a escrita.

Em relação à primeira estratégia, a facilitação processual, o professor pode desenvolver atividades como o banco de palavras – colocar as palavras da chuva de ideias num saco e retirar as palavras, uma de cada vez; ver se são ou não adequadas para utilizar na frase que estão a organizar; exposição prévia oral – apresentação ao professor e aos colegas do que irá escrever no texto; e transformação de respostas a questionários em texto –

respondem a questionários e depois elaboram o texto seguindo as respostas dadas no questionário (Barbeiro e Pereira 2007).

Quanto à escrita colaborativa, o professor pode sugerir atividades de textualização, como versão conjunta, a partir de textos individuais e projeção da continuação do texto – exposição oral do que já escreveu e do que irá continuar a escrever (Barbeiro e Pereira 2007). No que concerne à reflexão sobre a escrita, na textualização podem ser desenvolvidas atividades como rascunhos e memória do processo – exposição oral do primeiro processo de textualização; e palavras em relevo – selecionar as palavras mais importantes do texto escrito e justificar a sua utilização (Barbeiro e Pereira 2007).

 Revisão

A revisão tem como intenção melhorar a qualidade do texto. Esta componente realiza-se através da leitura, da avaliação e uma possível reformulação do texto, ou seja, o aluno tem que ler o que escreveu, tem que verificar a coerência entre os segmentos de texto que se sucedem e corrigir as falhas detetadas (Martins e Niza 1998). Isto é, a revisão tem como principal objetivo reformular o que se escreveu, relendo, riscando, apagando e corrigindo.

Amor (1994) alerta-nos para as exigências que a revisão implica, afirmando que tem de exercer nos vários planos de estruturação do texto, sendo necessária, desta forma, uma maior atenção e mobilização dos conhecimentos.

Segundo Barbeiro (1999), na revisão podem ser consideradas as componentes de leitura e de correção. A leitura verifica a conformidade com o código e com o que se planificou inicialmente, para se decidir se se deve ou não continuar o processo de escrita ou se se termina. Na avaliação, o sujeito decide se mantém a forma já escrita ou se altera. A alteração pode ser de várias ordens: reordenação, abandono, substituição ou inserção de elementos. Estas alterações podem levar a uma alteração do texto para adequar a linguagem ou poderá ser necessária uma reformulação da mensagem (Barbeiro 1999).

A revisão estabelece uma comparação em relação à componente de planificação, confrontando objetivos e a organização estabelecidos no início, no entanto, não tem «necessariamente» de se encontrar “[…] limitada ao plano inicial, devido ao carácter transformador do próprio processo […]” (Barbeiro e Pereira 2007:19). Assim, a revisão “[…] pode modificar os processos de planificação ou de [textualização] já desencadeados para a produção do texto […]” (Martins e Niza 1998:166). Esta componente deve ser aproveitada

para corrigir e reformular textos, reforçar a descoberta de outras possibilidades que podem ser exploradas na reescrita e construção de novos textos (Barbeiro e Pereira 2007).

No processo de revisão, as atividades a serem desenvolvidas tendo em conta a facilitação processual poderão ser a revisão no final do processo – reler, corrigir, reformular; revisão distanciada – rever após algum tempo de ter sido escrito o texto; listas de verificação e de correção – correção da ortografia, pontuação, extensão da construção frásica, organização do texto (Barbeiro e Pereira 2007).

Na escrita colaborativa, o professor pode desenvolver atividades como hetero-revisão dos textos e operações de reformulação por parte dos colegas (Barbeiro e Pereira 2007).

Quanto à reflexão sobre a escrita, na revisão podem ser realizadas atividades do tipo de apreciação pessoal sobre o escrito que desenvolveu – através de exposição oral; e porta aberta para a reescrita – reflexão sobre se escreveriam da mesma forma, ou não, o texto (Barbeiro e Pereira 2007).

Em suma, Capela (2001) expõe as principais operações atribuídas ao saber escrever, de acordo com Pereira:

[…] a planificação do texto de acordo com os parâmetros do contexto, a organização dos conteúdos e o género de texto apropriado; a textualização ou actividade mediante a qual se materializa o plano do texto segundo uma estrutura convencional numa sucessão de enunciados coesos, com a modelização exigida pelos factores contextuais e mediante orações gramaticalmente aceitáveis e a revisão do texto nas diferentes fases da sua produção para identificar problemas e para encontrar soluções alternativas […] (Capela 2001:38).