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A ESCRITA NO 1.º CICLO DO ENSINO BÁSICO

CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1. O que é a Escrita?

Começando pela palavra central do nosso trabalho – a escrita –, o PPEB (Reis et al. 2009) diz-nos que é

[…] o resultado, dotado de significado e conforme à gramática da língua, de um processo de fixação linguística que convoca o conhecimento do sistema de representação gráfica adoptado, bem como processos cognitivos e translinguísticos complexos (planeamento, textualização, revisão, correcção e reformulação do texto) […] (Reis et al. 2009:16).

Baptista et al. (2001) referem na sua obra O Ensino da Escrita: Dimensões Gráfica e

Ortográfica que

[…] a escrita […] serve públicos muito vastos e permite a transmissão de informações e emoções sobre o mundo real e ficcional com funções de entretenimento e difusão do conhecimento, de forma literária e/ou científica e deve, por isso mesmo, apresentar-se como um produto acabado que respeita as regras específicas do código escrito […] (Baptista et al. 2011:9-10).

Escrever, de acordo com Rebelo (1990), é a comunicação de pensamentos e de sentimentos através de signos visíveis e percetíveis pelos outros, por parte de um indivíduo. A escrita é valorizada nos programas escolares por ser a linguagem dos que dominam a sociedade. A forte densidade de signos que possui, incorpora a aprendizagem da ortografia – aspeto mais elementar e menos importante – e a própria língua escrita – uma vez que é a produção de alguém, que a utiliza para comunicar e transmitir o pensamento (Rebelo 1990).

A língua é um instrumento essencial de acesso a todos os saberes. Se não for corretamente dominada, tanto no plano oral como no da escrita, esses outros saberes não são representados de forma apropriada (Reis et al. 2009). A língua escrita não é a transcrição da língua oral, tratando-se de um novo fenómeno linguístico e cultural (Hágège 1990, cit. por Baptista et al. 2001). “[…] É uma actividade de comunicação que desempenha funções sociais de acordo com as necessidades e finalidades de quem escreve e de quem lê […]” (Martins e Niza 1998:160).

A expressão através da escrita é uma necessidade que nos surge em muitas e variadas situações da vida quotidiana. É um instrumento de participação ativa do sujeito na sociedade e um poderoso meio de criação estética (Barbeiro 1999). Mas “[…] a aprendizagem da escrita não se faz de um dia para o outro, […] tem de ser integrada no conjunto das aprendizagens, dos interesses, das motivações, das aquisições da criança […]” (Rebelo 1990:93).

1.1. Outros conceitos

Dada a definição de escrita é importante seguir-se a de leitura. De acordo com Reis et

al. (2009) a leitura é “[…] o processo interactivo que se estabelece entre o leitor e o texto, em

que o primeiro apreende e reconstrói o significado ou os significados do segundo […]” (Reis

et al. 2009:16). Diz-nos ainda que existem vários processos entre os dois que têm que ser

tidos em conta, como a decifração de sequências grafemáticas, o acesso a informação semântica, a construção do conhecimento, entre outros. Já Rebelo (1990) diz-nos que a leitura não pode ser vista como o simples ato de receber uma mensagem. Acredita que o ato de ler é um processo mental, realizável a vários níveis e que contribui para o desenvolvimento do intelecto. Fala-nos também de processos exigidos aceitando ser um fenómeno complexo. Primeiramente, é necessário que o leitor reconheça os símbolos, e posteriormente, que seja capaz de fazer a transferência desses símbolos para os conceitos intelectuais. Este trabalho mental é também um processo de pensamento, à medida que as ideias se vão combinando em frases e em unidades mais amplas da linguagem (Rebelo 1990).

Passando para outros conceitos, linguagem escrita, segundo Blanche-Benveniste (1982), é a linguagem que se escreve. Esta linguagem pode ser apresentada de forma escrita ou oral, dispondo destas duas manifestações (Teberosky 1990). As mesmas autoras, completam esta ideia dizendo que “[…] linguagem escrita não é só a escrita da linguagem, mas também a linguagem que pode ser escrita […]” (Teberosky 1990:34).

A composição, segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, é encarada como “[…] preparação, disposição, arranjo, arrumação, disposição das palavras na frase […]” (Capela 2001:7). De acordo com Abel Guerra (1966), a composição literária conta com técnicas que têm por objetivo buscar ideias, ordená-las e exprimi-las por meio da linguagem, de forma a desenvolver um tema (Capela 2001).

De acordo com Massaud Moisés, redação consiste num sistema de palavras escritas, nas quais exprimimos o nosso pensamento, emoções, sentimentos, etc.. O mesmo autor afirma que na redação, o importante é «escrever correto e claro» e não «escrever bonito». (Capela 2001).

O ato de escrita requer regras e o domínio de vários conhecimentos, a transferência de procedimentos e a expressão em contexto, sendo um ato dinâmico e espontâneo. O texto é igualmente construído com regras que regem a organização dos discursos, não sendo somente, uma simples adição de frases (Capela 2001). Ingedore Kock (2002) partilhava esta opinião, acrescentando ainda que o texto constitui uma unidade linguística com propriedades estruturais específicas (Moura 2012). Duarte (2008) citando Koch e Elias (2006) também nos diz que “[…] um texto não é qualquer conjunto de frases, como sabemos. Não é o resultado da soma de palavras, frases ou de outros textos, mas de um projeto de dizer constituído numa dada situação comunicativa, para alguém, com certa finalidade e de determinado modo […]” (Duarte 2008:4). Capela (2001) comentando o PPEB (1991) diz-nos que o aluno deve guiar-se por operações elementares de forma a compor um escrito e a aceder a uma estratégia de produção de textos. Assim, a noção de texto resume-se a uma

[…] construção dinâmica sujeita a fases – o pré-desenvolvimento (conjunto de operações de planificação referentes à concepção, organização e adequação), o desenvolvimento (operações de textualização, as críticas e comentários que propõem soluções de melhoramento), a integração das propostas (operações de revisão), a redacção e, finalmente, a avaliação […] (Capela 2001:33).

Ainda em relação à produção textual, Sophie Moirand (1990) enumerou quatro operações de textualização, sendo elas, a operação de referência (léxico), a operação de caraterização, a operação de predicação (sintaxe) e a operação de enunciação (Capela 2001). Barros (1990) partilha esta opinião afirmando que o texto detém duas formas que se complementam: através da sua organização ou estruturação, fazendo dele um «todo de sentido» e como objeto de comunicação que se estabelece entre o destinador e o destinatário.

Literacia de acordo com Pires (2002) é o “[…] neologismo que pretende transmitir a capacidade que o ser humano possui de compreender, utilizar e reflectir quotidianamente

sobre as formas da linguagem escrita requeridas pela sociedade e valorizadas individualmente […]” (Pires 2002:9).

1.2. A Escrita e a Escola

Nos dias de hoje, temos perfeita consciência de que raras são as crianças de seis anos que entram na escola com um completo desconhecimento sobre a linguagem escrita, como nos diz Ferreira (1990) em Martins e Niza (1998). Embora normalmente a aprendizagem sistemática da escrita seja feita em situação de escolarização formal, nas sociedades alfabetizadas, a relação entre a criança e a escrita começa bem mais cedo, através do acesso a “[…] produtos escritos, visíveis, rasgáveis, desenháveis, manipuláveis […]” (Barbeiro 1999:11), que tornam a criança cognitivamente consciente das caraterísticas da linguagem escrita (Barbeiro 1999).

O interesse pela escrita poderá ser suscitado através da frequência e do valor das atividades da escrita desenvolvidas pelos que convivem diretamente com as crianças (Martins e Niza 1998). Elas próprias interrogam-se e põem hipóteses sobre aquilo que os pais, os irmãos, os educadores escrevem, sobre as funções desses escritos, as suas caraterísticas formais e as suas relações com a linguagem oral – conceções precoces sobre a linguagem escrita (Martins e Niza 1998). Estas experiências às quais as crianças vão estando expostas “[…] permitem-lhes construir e desenvolver algumas concepções relativas aos aspectos figurativos e conceptuais da linguagem escrita: a direccionalidade, a diferença entre escrever e desenhar, etc. […]” (Reis et al. 2009:22).

Mas é no 1º CEB que formalmente todas as crianças tomam consciência das relações essenciais entre a língua falada e a língua escrita, descobrem que a linguagem escrita serve determinadas intenções comunicativas e que o sistema da escrita codifica a linguagem oral (Martins e Niza 1998). Cerca de metade do tempo que uma criança do 1º ano do Ensino Básico passará na escola será dedicado à aprendizagem da leitura e da escrita (Rebelo 1990).

No entanto, no passado não era assim. Ao longo dos tempos a escrita foi ganhando importância e é cada vez mais valorizada nas escolas, chegando ao ponto de, nos dias de hoje, não ser apenas um conteúdo ou área de prossecução no curriculum da disciplina de português, mas também um meio importante de registo e de avaliação em todas as disciplinas (Barbeiro 1999).

Anteriormente, a escrita não era considerada um objeto de estudo em si mesma e era abordada apenas através da transferência de outras competências como a leitura, a oralidade e

a gramática (Pereira e Azevedo 2003). Amor (1994) diz-nos que nesta época, a escrita era um dos principais problemas na escola visto que no término da escolaridade obrigatória ou mesmo em níveis superiores, os alunos continuavam a não respeitar aptidões básicas deste domínio. A mesma aponta que os alunos não gostavam de aprender a escrever e, com base em Fonseca (1992) parece oportuno sublinhar que “[…] cada vez menos se escreve e se lê, na nossa sociedade de audiovisual e do imediato; mas, apesar disso, continua alta a cotação social e simbólica do escrito […]” (Amor 1994:109).

Amor (1994) afirmava que o aluno era aconselhado a fazer um plano de escrita, no entanto raramente era instruído nos modos concretos de o realizar e de o desenvolver corretamente. Mesmo tendo ganho notoriedade, a escrita por parte dos alunos era utilizada quase exclusivamente para os avaliar e era avaliado apenas o seu produto final (Amor 1994). Capela (2001) também menciona o mesmo facto, afirmando que os alunos não estão habituados a planear o seu trabalho antes de iniciar a redação, não fazendo um plano daquilo que querem escrever. Desta forma, demonstram desconhecimento sobre as técnicas básicas de escrita. A mesma autora afirma que “[…] a maioria dos alunos, quando solicitados a escrever, revelam desconhecer esse trabalho faseado, parecendo deixar correr a pena ao sabor dos pensamentos espontâneos, como se de um discurso oral se tratasse […]” (Capela 2001:36).

O ensino da escrita só era iniciado após competências como a lateralização, a motricidade fina, a estruturação espacial e temporal estarem consolidadas. O treinamento para a escrita baseava-se na repetição de grafismos e de letras (Martins e Niza 1998).

Atualmente, estas ideias vão-se abolindo e começa-se a acreditar que se “[…] aprende a escrever, escrevendo […]” (Martins e Niza 1998:160). Pereira e Azevedo (2003) referem que a escrita se aprende através de exercícios de manipulação de frases, de parágrafos e de textos, através de processos de transformação, apagamento, substituição, inclusão ou supressão de elementos linguísticos e discursivos, sendo necessário desenvolver a capacidade de coordenação e integração de vários níveis e de diversos conhecimentos como linguísticos, cognitivos e sociais.

Duarte (2008) refere a importância do texto nas aulas de português e alerta-nos para o facto de muitos professores continuarem a fazer da frase a unidade a analisar e não o texto, como desejado. O facto de a morfossintaxe ser a parte mais trabalhada da gramática no ensino da língua materna também a preocupa. Deste modo, refere que como consequência disto, é frequente encontrar-se alunos com competências ortográficas e sintáticas satisfatórias mas que, no entanto não são capazes de ler compreendendo o que leem e de escrever um texto

organizado e orientado com um determinado fim. Barbeiro (1999) aponta este tipo de dificuldade como uma das causas do insucesso ou menor sucesso escolar, uma vez que a expressão escrita é necessária em todas as disciplinas.