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CAPÍTULO II Os Principais Conceitos da Investigação

8. O Bullying: conceitos, especificidades e caracterização do fenómeno

8.1 O conceito de bullying escolar

O interesse social acerca do fenómeno de agressão e “vitimação” de bullying começou na Suécia, no final de 1960 e início de 1970, sob a designação de “mobbing” ou “mobing”. O termo foi introduzido no debate público sueco por um físico P. P. Heinemann no contexto da descriminação racial (P.P. Heinemann 1969, 1972; Olweus 1973 cit. in Olweus 2010:9). Este físico retirou a palavra “mobbing” da versão sueca de um livro sobre a agressão escrito pelo etólogo Austríaco Konrad Lorenz (1963, 1968). Em etologia, a palavra “mobbing” é usada para descrever um ataque coletivo de um grupo de animais a um animal de outra espécie, sendo normalmente maior e um inimigo natural do grupo. No livro de Lorenz (1968), a

palavra “mobbing” foi, também utilizada para caracterizar a ação de uma turma escolar ou de um grupo de soldados contra um desvio individual.

Otermo “mob” foi utilizado durante algum tempo na psicologia social (Lindzey 1954 in op. cit.) e pelo público em geral, nos países de expressão inglesa para descrever um grupo, relativamente grande de indivíduos – uma multidão ou uma massa de pessoas empenhados numa atividade comum ou objetivo (Olweus 2010).

Segundo Olweus (2010), os conceitos “mobbing” e “mob” não exprimiam a totalidade dos comportamentos agressivos entre os alunos nas escolas, nomeadamente entre os grupos, entre um grupo e um indivíduo e entre dois estudantes. Por outro lado havia uma lacuna, no que respeita à identificação do número de vezes ou frequência destes comportamentos. Naquela altura não havia estudos empíricos sobre estes comportamentos, pelo que se considerava que surgiam pontualmente. Em 1970, Olweus iniciou vários estudos empíricos, no sentido de clarificar a agressão entre estudantes. Em 1973 sistematizou os resultados, num primeiro livro que foi traduzido, em 1978, nos Estados Unidos da América intitulado Agression in the

Schools: Bullies and Whipping Boys. O estudo evidenciou que a agressividade entre os alunos

nas turmas tinha vários níveis, os comportamentos individuais tendem a ser estáveis ao longo do tempo e, muitas vezes duram vários anos se não houver qualquer intervenção (Olweus 1977, 1979 cit in Olweus 2010:10). Nos países do norte da europa, Suécia, Noruega e Dinamarca, o termo bullying adquiriu um maior significado, relativamente ao termo “mobbing”. Segundo Olweus (2010), o conceito de bullying tem três características principais: intencionalidade; repetição; desigualdade de poder ou força. Deste modo, um estudante é vítima de bullying, quando ele ou ela está exposto, repetidamente e ao longo do tempo, a uma ação negativa ou agressiva, por parte de um ou mais estudantes.

Um aspeto importante na clarificação do conceito de bullying, diz respeito à maneira como os alunos se envolvem nestes comportamentos. Neste âmbito, como se pode caracterizar o

bullying, quanto ao número de pessoas envolvidas e ao tipo de relação conflituosa? Alguns

estudos desenvolvidos por Olweus (1993, 2001 cit in Olweus 2010) possibilitam uma melhor compreensão sobre esta questão. No que respeita ao número de estudantes envolvidos nos comportamentos de bullying verificou-se que numa turma, apenas um pequeno grupo de estudantes estava mais diretamente envolvido em comportamentos de bullying, enquanto os

outros não estavam, de todo envolvidos ou marginalmente. Os relatos dos estudantes vítimas de bullying mostraram que os agressores pertenciam a um grupo pequeno, de dois ou três estudantes, muitas vezes com um líder com atitudes negativas (Olweus & Solberg 1998 cit in Olweus 2010). Verificou-se, ainda que uma percentagem considerável de vítimas de bullying (25%-35%) referiram que eram agredidos por um só estudante (Olweus 1988, Olweus & Solberg 1998 cit in Olweus 2010). Neste âmbito pode-se considerar que apenas uma parte dos estudantes numa turma e numa escola adotam comportamentos de bullying e que os agressores podem agir individualmente ou em grupo, normalmente com um líder.

Em 2007, Olweus desenvolveu um questionário sobre o bullying escolar (OBQ), reforçando a sua tese de que os estudos empíricos são imprescindíveis na definição e quantificação deste problema social. Algumas das questões do inquérito referem-se à agressão verbal, agressão física, exclusão do grupo, injúrias, mentira, difamação e sobre o bullying digital ou cyber

bullying. Este questionário tem sido adaptado por investigadores de vários países.

Segundo Olweus (2010), quando as vítimas respondem às provocações dos agressores pode- se desencadear uma resposta agressiva. Nestes casos é necessário fazer uma distinção conceptual acerca do poder desigual (power imbalance), entre os agressores e as vítimas de

bullying. Os estudantes que iniciam uma agressão, tendo um poder superior às vítimas são vítimas provocativas/agressivas (provocative victims/bully-victims) e os que sofrem uma

agressão inicial são vítimas submissas/passivas (submissive/passive victim/victims). Os comportamentos agressivos dos estudantes têm consequências negativas, principalmente para as vítimas. As vítimas passivas (submissive/passive victim/victims) apresentam sintomas de ansiedade, depressão com uma visão negativa de si, são socialmente isolados e geralmente não agressivos. Os estudantes que provocam as vítimas (provocative victims/bully-victims) se forem afetados regularmente por bullying revelam elevados níveis de internalização e externalização de problemas e isolamento social. Segundo Cook et al. (2010), durante bastante tempo considerou-se que os jovens que se envolviam em comportamentos de

bullying pertenciam a dois grupos distintos, nomeadamente os agressores (bullies) e as

vítimas (victims). No entanto segundo uma distinção de Olweus (2010) consideram-se três grupos ou seja os agressores, as vítimas e os agressores-vítimas, uma vez que uma relação agressiva pode desencaderar uma resposta da vítima, sendo o fenómeno de agressão nos dois sentidos.

O conceito original de bullying (Olweus 2010) é uma referência teórica e empírica nas investigações realizadas em vários países, principalmente no ocidente. No entanto, noutras regiões, nomeadamente na região da Costa do Pacífico, Japão, Austrália, Coreia, China, Canadá e Estados Unidos da América utilizam-se outros termos. Num estudo transcultural sobre o bullying verificou-se que no Japão se utiliza a palavra “ijime”, na Coreia “Wang-ta” e na China “nifu”ou“qiwu”. Nos dois primeiros países, os termos têm um significado diferente do conceito de bullying na cultura ocidental, enquanto na China tem o mesmo significado. O termo bullying, numa perspetiva ocidental refere-se aos comportamentos dos alunos com os seus pares, tais como: tapa, soco, bater, ameaçar, extorquir, isolar, entre outros. (Murray- Harvey et al. 2010). Noutros países pode ter vários significados, consoante as características particulares dos comportamentos dos alunos, em cada cultura.

Segundo Maharaj, Tie na Ryba (2000 cit in Murray-Harvey et al. 2010:37), a perspetiva ocidental sobre o bullying baseia-se numa abordagem psicológica e comportamental. Neste âmbito, não se reconhece que este fenómeno é um processo de construção social nas relações entre os estudantes, num contexto social. Alguns investigadores (Yoneyama e Naito 2003, cit in Murray-Harvey et al. 2010) referem que na investigação sobre o bullying se devem considerar vários aspetos ou variáveis do contexto social, incluindo a natureza da aprendizagem, a gestão do ambiente na sala de aula, a disciplina e a natureza das interações sociais. Esta perspetiva social ou sociológica é adequada ao presente estudo, na medida em que se consideram algumas relações entre as variáveis do bullying escolar e as variáveis de vários temas e contextos sociais, nomeadamente da aprendizagem, da satisfação dos alunos com a escola, do insucesso escolar, da indisciplina e da caracterização sociocultural e socioeconómica das famílias.

A aceção ocidental do bullying está relacionada, particularmente com uma forma destrutiva de agressão, nomeadamente física, verbal ou um ataque psicológico de intimidação com o objetivo de causar medo, aflição ou dano às vítimas envolvendo um desequilíbrio de poder a favor do perpetrador. No Japão, por exemplo a definição é diferente da que é utilizada no ocidente, sendo este fenómeno visto como um comportamento socialmente manipulado num

processo de interação grupal, onde as pessoas numa posição dominante têm o objetivo de

tem a ver com dois aspetos principais: por um lado, não se considera a desigualdade entre o agressor e a vítima como um poder desigual, mas como uma posição dominante de um, em relação ao outro; por outro lado, os estudos empíricos desenvolvidos no Japão revelam que nos processos de interação entre os estudantes, os comportamentos mais comuns são de carácter mental, emocional, nomeadamente de angústia, em vez de força física. Segundo (Caravita & Cillessen 2012) o bullying, no início da adolescência e na adolescência, está relacionado com a perceção de popularidade e a manutenção do status do adolescente no grupo de pares.

O termo bullying é bastante consensual em vários países ocidentais, incluindo nos Estados Unidos da América. No entanto, conforme se referiu, nalguns países orientais, nomeadamente da região da Costa do Pacífico, cada cultura utiliza um termo específico quando se trata de fenómenos de intimidação e agressão entre os estudantes. Num estudo colaborativo desenvolvido pelo Japão e a Austrália, entre 2000 e 2001 “Your Life at School”, em escolas primárias e secundárias com uma amostra total de 8.663 estudantes verificou-se que a vitimização de bullying nos dois países tinha características diferentes. Na Austrália tem, essencialmente um carácter direto e físico, nomeadamente bater, ser puxado, chutado, enquanto no Japão tem um carácter mais indireto e emocional, nomeadamente isolar, chamar nomes e ignorar (Murray-Harvey et al. 2010:39). No Reino Unido, os xingamentos são a forma mais comum de intimidação, seguidos de agressões físicas, incluindo gestos ofensivos, extorsão e exclusão de uma criança ou jovem de um grupo de amizades e disseminação de boatos (Hayden & Blaya 2002: 72).

Na literatura adotam-se, principalmente três tipos de identificação dos comportamentos de

bullying, nomeadamente bullying direto (físico e verbal) e bullying indireto ou relacional.

Segundo Pereira (2008), a agressão direta física consiste em bater, empurrar, dar pontapés; a agressão direta verbal consiste em insultos, chamar nomes, tratar o outro sem respeito, gozar; a agressão indireta consiste em espalhar rumores, persuadir o outro a não brincar com um colega, dizer mal de outrem, entre outros. Esta classificação é partilhada por outros autores (Sharp & Smith 1994; Kim et al. 2006; Sourander, Jensen, Rönning, Niemelä et al. 2007 in op. cit.).

Este fenómeno da violência entre pares (bullying) não é novo, em muitas sociedades, nomeadamente na sociedade portuguesa (Carvalhosa et al. 2001; Pereira 2008; Matos et al 2009; Machado 2011). No entanto, a preocupação sobre como o prevenir, a intervenção dos educadores, nomeadamente dos professores e as novas formas que assume, nomeadamente o

ciber bullying são relativamente recentes (Olweus 2010; Murray-Harvey et al. 2010; Cook et

al. 2010).

Este problema comportamental tem, atualmente uma maior visibilidade social, nomeadamente pela divulgação feita na comunicação social e através da publicação de resultados das investigações científicas, nacionais e internacionais. Neste âmbito, numa investigação de meta-análise desenvolvida por Cook et al. (2010) refere-se que entre 1980 e 2000, ou seja durante 20 anos, o número de publicações científicas sobre o bullying foi bastante reduzido (190). No entanto, desde 2000 a 2009, este número aumentou substancialmente para 600 artigos. As investigações mostram que entre 10% e 30% dos jovens estão envolvidos em comportamentos de bullying, embora a prevalência varie significativamente, em função da maneira como o bullying é medido.

O bullying é um comportamento agressivo entre pares que tem repercussões muito negativas para os alunos, em particular para as vítimas. Vários estudos referem as consequências psicológicas negativas, no desenvolvimento psicossocial das crianças e dos jovens, nos três grupos (agressores, vítimas e agressores-vítimas). As investigações contribuem para uma maior consciencialização sobre este fenómeno, bem como sugerem a necessidade de se desenvolverem programas de prevenção.

No que respeita aos agressores refere-se que estão, significativamente mais envolvidos em ofensas criminais (Olweus 1997; Sourander et al. 2006, in Cook et al. 2010) e têm mais razões para apresentar problemas psiquiátricos (Kompulainen et al. 1998). Este grupo, também pode apresentar mais dificuldades de relacionamentos amorosos (Graig & Pepler 2003; Pepler et al. 2006 in op. cit) e de terem problemas de abuso de substâncias (Hourbe, Targuinio, Thuillier & Hergoit 2006 in op. cit).

No que respeita às vítimas evidenciam maiores transtornos de comportamentos e problemas psicológicos (Stein et al. 2007; Thornberg 2010). Refere-se, também que apresentam

problemas psiquiátricos ao longo do tempo, incluindo solidão, diminuição da auto-estima, problemas psicossomáticos e depressão (Hawker & Bolton 2000; Kaltiala-Heino, Rimpela Martunen, Rimpela & Rantanen, 1999; Rigby & Slee 1999 in op. cit.). Podem, também apresentar altos riscos de cometer suicídio e em casos extremos concretizam por termo à vida (Kaltiala-Heino, Rimpela Martunen, Rimpela & Rantanen 1999; Rigby & Slee 1999 in op. cit.). As vítimas de bullying podem, ainda ter medo de serem agredidas e viverem outras condições adversas na escola, pelo que têm tendência a abandoná-la (Sharp 1995). Verifica-se que as vítimas de bullying continuam, muitas vezes a ser vítimas no local de trabalho (Schafer et al. 2004, in op. cit.).

O bullying, não é um problema específico de uma determinada cultura, existe em todo o mundo como evidenciam muitas investigações internacionais (Carney & Merrell 2001; Cook et al. 2010; Guerra & Kim, 2009; Eslea et al 2004). Os dados divulgados em vários estudos, nomeadamente “The Health Behaviour in School-aged Childen – HBSC” (2009-2010), também evidenciam que é um fenómeno que existe em dezenas de países ao nível mundial. Na Europa, África, Ásia e América têm-se desenvolvido vários estudos com numerosos participantes, sendo os resultados da vitimação de bullying diferenciados em cada país. Deste modo, não é uma matéria consensual nos vários países, tanto no que respeita aos conceitos, como nas medidas de prevenção que se podem adotar.

Pelas razões apresentadas, este fenómeno tem uma complexidade teórica e analítica que exige que o investigador tenha que adotar alguns critérios, nomeadamente na elaboração dos instrumentos de investigação, na análise dos resultados e nas conclusões. Um aspeto da maior importância na investigação e na resolução dos problemas de bullying, diz respeito à identificação destes comportamentos. Desde logo salienta-se a necessidade de se fazer uma adequada distinção conceptual entre os conceitos de agressão, violência e bullying. Estes conceitos parecem sinónimos, no entanto segundo Olweus (1999:13), o conceito de agressão é mais abrangente e os conceitos de violência e o bullying podem ser considerados distintos e subcategorias do conceito de agressão.

As definições de bullying de vários autores, não se diferenciam substancialmente do conceito original de Olweus (2010), embora possam acentuar um ou outro aspeto particular. O fenómeno pode ser caracterizado, segundo três aspetos fundamentais: é um ato de agressão

individual ou em grupo dirigido a um colega com a intenção de o maltratar (Tattum & Herbert 1993 in op. cit; Pereira 2008); há uma repetição e continuidade da agressão, ao longo de um período de tempo, tendo uma duração variável; na relação entre o(s) agressor(es) e a(s) vítima(s) existe uma desigualdade de poder, em que o agressor tem uma posição de dominação (Smith & Sharp 1994 in op. cit; Rigby 2007; Stein 2007). Considera-se que na caracterização genérica do bullying se deve, também referir que é um comportamento agressivo que ocorre num contexto relacional e social, em particular nas escolas.