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CAPÍTULO II Os Principais Conceitos da Investigação

7. Violência Escolar e Mudança Social

7.3 A violência escolar existe em Portugal?

Uma outra etapa, igualmente importante, no âmbito da presente investigação sobre a violência escolar e da intervenção em política social, diz respeito à necessidade de se quantificarem os problemas em análise. Neste âmbito, através de uma análise quantitativa procura-se comprender se a violência escolar existe na sociedade portuguesa. Para tal consultaram-se vários estudos, relatórios e estatísticas de várias entidades oficiais nacionais, tais como: do Ministério da Educação e Ciência (MEC, GEPE, DGEEC, Avaliação Externa das Escolas - 2010-2011), do Instituto Nacional de Estatística (INE), do Ministério da Administração Interna (Programa Escola Segura, GNR, PSP, PJ, Relatório de Segurança Interna), do Conselho Nacional de Educação (CNE) e da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ). Consultaram-se, também estudos, estatísticas e relatórios de outros países, nomeadamente no contexto europeu e da OCDE, no sentido de se compreender a dimensão do problema da violência escolar ao nível nacional, tendo em conta outras realidades.

Pese embora, a existência de um conjunto de dados estatísticos de várias fontes, nomeadamente oficiais, sobre a violência escolar encontraram-se várias dificuldades, no que respeita a obter uma visão integrada, clara e coerente sobre este problema social, na sociedade portuguesa. As dificuldades são, principalmente em três domínios: a primeira diz respeito a haver uma dispersão dos dados estatísticos sobre a violência escolar, por várias entidades e relatórios, normalmente de periodicidade anual; a segunda, prende-se com a nomenclatura utilizada nas várias entidades e os conceitos serem diferenciados; a terceira refere-se à metodologia adotada pelas várias instâncias ser, também diferente. As dificuldades, não se limitam aos motivos mencionados, nem representam um caso único. Segundo Bryman (2012:221), uma análise quantitativa, das estatísticas oficiais de âmbito nacional e comparativa, denominada análise secundária poderá enfrentar vários problemas, nomeadamente no controle da qualidade dos dados e comparabilidade. Refere-se, ainda que na década de 60, houve um certo criticismo em Inglaterra, relativamente a várias espécies de estatísticas oficiais, particularmente na área do crime. Neste âmbito desaconselharam-se as generalizações sobre os comportamentos desviantes através das estatísticas oficiais, na medida em que se revelam mais os processos organizacionais, do que os comportamentos.

Algumas das dificuldades na comparação dos dados estatísticos sobre a violência escolar são, também referidas no Observatório Europeu de Violência Escolar (European Observatory of

Violence in Schools). Numa publicação da UNESCO com a contribuição de dez países

(Debarbieux & Blaya 2002) refere-se, a este respeito que os principais obstáculos que surgem neste domínio, se devem a vários fatores, nomeadamente utilizarem-se diferentes conceitos sobre a violência, adotarem-se diversas teorias e metodologias no processo de recolha e tratamento dos dados, entre outros.

No sentido de se ultrapassar, alguns destes problemas considera-se desejável que a informação sobre a violência escolar seja analisada e divulgada por uma entidade nacional, independente e credível que coordene e analise a informação das entidades oficiais. A segurança das crianças e jovens em contexto escolar é uma matéria da maior importância ética, social e de saúde pública. Sendo menores de idade necessitam de proteção social, porque muitas vítimas não conseguem defender os seus direitos e sofrem, por vezes em silêncio. Neste âmbito, as entidades oficiais, nomeadamente o Ministério da Educação, as Forças de Segurança e as escolas devem desenvolver esforços em conjunto para uma melhor

monitorização das ocorrências disciplinares. A informação sobre as ocorrências nas escolas deve ser publicitada, regularmente, por uma fonte credível e integrar toda a informação das entidades oficiais. Este aspeto é da maior importância, no que respeita à consciencialização dos cidadãos, na investigação, na intervenção social e política.

A quantificação oficial da violência escolar no nosso país é feita, sobretudo através do Ministério da Educação e Ciência e do Ministério da Administração Interna. O primeiro tem uma Plataforma de Registo de Ocorrências de Segurança Escolar (criado em 2006-2007) que serve de base ao Relatório Anual de Segurança Escolar. O segundo regista as participações de violência escolar feitas às entidades de segurança, nomeadamente à Polícia de Segurança Pública (PSP), à Guarda Nacional Republicana (GNR), no âmbito do Programa Escola Segura. Os dados são divulgados no Relatório Anual de Segurança Interna, conjuntamente com outras estatísticas da criminalidade ao nível nacional13. As participações de violência escolar são feitas, ainda a outras entidades, nomeadamente ao Tribunal de Família e Menores e às Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ).

O Programa Escola Segura14 é um dos principais programas de segurança escolar na sociedade portuguesa. Consiste numa ação conjunta do Ministério da Administração Interna e do Ministério da Educação, para garantir a segurança, prevenir e reduzir a violência e os comportamentos de risco ou ilícitos registados nas escolas ou nas suas áreas envolventes. O Ministério da Educação atua no interior das escolas, através dos vigilantes afetos ao Gabinete Coordenador de Segurança Escolar, enquanto o Ministério da Administração Interna age na área envolvente, através das equipas do Programa Escola Segura. Nas escolas, as duas entidades são representadas por agentes (ou ex-agentes, no caso do Gabinete Coordenador de Segurança Escolar), das forças de segurança que fazem um acompanhamento permanente e personalizado das escolas e da comunidade. É um programa de âmbito nacional incluindo todos os estabelecimentos de educação e ensino não superiores, públicos, privados e cooperativos. Procura-se, ainda fomentar iniciativas e projetos dirigidos à promoção de valores de cidadania e de civismo no meio escolar, tendo em vista um desenvolvimento harmonioso

13 Disponível em: http://www.portugal.gov.pt/pt/documentos-oficiais/20140401-rasi-2013.aspx (Consultado:

20/11/2012).

14 Disponível em:

das crianças e jovens. Ao fomentar o civismo e a cidadania, procura-se contribuir para a afirmação da comunidade escolar, enquanto espaço privilegiado de integração e socialização.

Em Portugal, o Observatório da Segurança em Meio Escolar, sendo uma unidade responsável que fazia um tratamento estatístico dos dados oficiais sobre a violência escolar, foi suspenso em 31 de Dezembro de 2011, segundo uma fonte da comunicação social15 deixando de revelar as informações sobre a violência escolar. Tendo em conta esta situação considera-se que a extinção desta entidade constitui uma perda e uma lacuna, relativamente à informação disponível sobre este problema social. Por outro lado, noutros países europeus e não europeus existem entidades desta natureza, nomeadamente o International Juvenile Justice Observatory (IJJO), o International Observatory of Violence in School (IOVS), European Observatory of

Violence in Schools (EOVS) sob a égide da UNESCO, pelo que se constitui, também como

uma medida de retrocesso do nosso país, nesta matéria.

Na análise dos dados oficiais sobre a violência escolar, em Portugal verificou-se uma dificuldade em se obter uma visão global e esclarecedora sobre este problema. Numa primeira pesquisa na internet verificou-se uma dificuldade em se encontrarem, alguns dos relatórios que se pretendiam. Por vezes, os relatórios e dados, não estão disponíveis nos sites das instituições oficiais. Quando se faz, por exemplo uma pesquisa com as palavras-chave (violência escolar, programa escola segura, relatório de segurança escolar) surgem notícias da comunicação social e de bloogs com alguns dados que são difíceis de confirmar, nos relatórios mencionados 16.

Na análise do Relatório Anual de Segurança Interna de 2013 foram abrangidos 4.456 estabelecimentos de ensino17 e 934.708 alunos de todos ao graus de ensino. Na categoria programas de policiamento – Programa Escola Segura, as forças de segurança realizaram 14.950 ações dirigidas à comunidade escolar. As ações consistiam em sessões de sensibilização e informação, demonstrações, exercícios de prevenção e visitas às Forças de Segurança (op. cit:148). Em 2013 foram realizadas 8.211 ações de sensibilização sobre várias

15 Jornal Público de 12.01.2012 [Em linha] Disponível em:

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/observatorio-que-monitoriza-a-violencia-nas-escolas-esta-com- actividade-suspensa-1528725 (Consultado: 10/04/2012).

16 Jornal Público, 29 de Janeiro de 2014. Disponível em: http://www.publico.pt/sociedade/noticia/violencia-

diminui-mas-ministerio-da-educacao-quer-intervir-nas-escolas-com-mais-ocorrencias-1621629.(Consultado: 01/02/2014).

temáticas, nomeadamente prevenção rodoviária, segurança na rua, prevenção do consumo de estupefacientes, educação ambiental, prevenção da delinquência, maus-tratos, bullying, e

ciberbullying.

No ano letivo 2012/2013, no âmbito do programa escola segura registaram-se 6.35618 ocorrências em contexto escolar (no interior, nas imediações dos estabelecimentos de ensino e no percurso casa-escola)19. Destas ocorrências, 4.489 foram de natureza criminal20. Em relação ao ano anterior 2011/2012, houve um aumento do número de participações (+632) o que representou uma variação de +11,04%. No interior das escolas verificaram-se 2.999 ocorrências de natureza criminal ou seja, + 209 ocorrências -7,49%, do que no ano letivo anterior. No exterior das escolas registaram-se 1.490 ocorrências ou seja + 89 ocorrências – 6,35%, do que no ano letivo anterior. No que respeita ao tipo de ocorrência, 21as ofensas à integridade física (292) e o furto (256) foram os crimes mais participados. Por outro lado, o uso/porte de arma (26) e ameaça de bomba (7) foram os crimes menos participados. No que respeita às ocorrências no exterior dos estabelecimentos de ensino (num perímetro envolvente de 50 metros), a ofensa à integridade física foi o ato ilícito mais frequente (50). No percurso casa-escola a ofensa à integridade física, também foi o ato ilícito mais frequente (31), seguido das ofensas sexuais (17). Analisando, ainda as ocorrências participadas por distrito, pelas Forças de Segurança, verifica-se que no conjunto, Lisboa (2.595) e Porto (1.143) obtiveram mais de metade dos ilícitos registados no âmbito do Programa Escola Segura (op. cit:137). Segundo, ainda o Relatório da Segurança Interna, os jovens na faixa etária dos 11 aos 15 anos registaram o maior número de ocorrências. Alguns estudos sobre o bullying (Carvalhosa et al. 2001; Carvalhosa, Moleiro & Sales 2009; Health Behaviour in School-aged Children - HBSC”, 2009-2010) confirmam que os adolescentes nesta faixa etária têm uma maior percentagem de se envolverem nestas situações, tanto como agressores, como vítimas À medida que a idade dos jovens aumenta, tornam-se mais responsáveis e estes comportamentos diminuem.

18 Dados da GNR e PSP.

19 Abrangendo o ensino público em todos os graus, incluindo o Superior e também o Ensino Particular e

Cooperativo.

20 “O conceito de delinquência juvenil, visa representar a prática, por indivíduo comprovadamente menor e com

idade compreendida entre os 12 e os 16 anos, de um facto qualificado pela lei como crime, nos termos previstos pela Lei Tutelar Educativa”. Disponível em: Relatório Anual de Segurança Interna 2015:75.

http://www.ansr.pt/InstrumentosDeGestao/Documents/Relat%C3%B3rio%20Anual%20de%20Seguran%C3%A 7a%20Interna%20(RASI)/RASI%202015.pdf. (Consultado: 20/12/2016).

O Relatório de Segurança nas Escolas, do Ministério da Educação e Ciência, no ano letivo 2012/2013 é referenciado por várias entidades22. A ausência de informação do Ministério da Educação sobre a segurança nas escolas é referenciada, também em várias notícias da comunicação social2324. Num outro documento da Federação Nacional da Educação (FNE) que resultou de um encontro com o Ministério da Educação – SEBBS, de 24 de Fevereiro de 2014 25 faz-se uma apreciação do “Relatório de Segurança na Escola – anos letivos de 2011- 2012 e 2012-2013 e medidas por um ambiente de respeito nas escolas”. Neste âmbito, a FNE refere que “Todos os testemunhos que recolhemos vão no sentido de considerar que o número de ocorrências registado e que acaba por se traduzir neste relatório é, por várias razões sobre as quais importa refletir, muito inferior à realidade do quotidiano das nossas escolas” (…) “Este relatório, pretendendo constituir um elemento de referência sobre o número e tipologia das incivilidades e dos episódios de insegurança que se verificam na comunidade escolar, não constitui, para nós, um referencial seguro, em função das múltiplas informações de que dispomos, de que muitos dos episódios com aquela natureza não são registados na referida Plataforma”.

Destas análises, sobre o referido Relatório do MEC resultam alguns aspetos que importa salientar, no âmbito da investigação26. A quantificação da violência escolar em Portugal, carece de uma melhor informação e compreensão salientando-se três aspetos principais: é difícil através das estatísticas oficiais compreender a dimensão do problema da violência escolar; evidencia uma necessidade de compreensão das razões que estão na base da disparidade de números que são apresentados; problematiza a implementação das políticas educativas e de segurança, nesta matéria. Estes aspetos são, particularmente pertinentes, no âmbito das políticas de prevenção da violência escolar, uma vez que para se implementarem

22 http://www.programaescolhas.pt/conteudos/noticias/ver-noticia/52effc6d5f55b/relatorio-seguranca-na-escola-

(http://www.portugal.gov.pt/pt/pagina-nao-encontrada.aspx).

23Jornal Público (29.10.2015), com o título “Desinvestimento total do Governo na segurança escolar é perigoso”. Disponível em: https://www.publico.pt/2015/10/29/sociedade/noticia/observatorio-que-alertou- para-aumento-claro-de-armas-nas-escolas-deixou-de-funcionar-em-2011-1712636. (Consultado: 20/12.2016).

24 RTP Notícias (06.01.2017, 13:33) “Forças de segurança registaram cinco mil ocorrências nas escolas” O

último relatório sobre segurança escolar, publicado pelo Ministério da Educação, reporta ao letivo de 2012/2013.

25 http://www.fne.pt/upload/Memorando_reuniao_com_SEEBS_26fev2014v_final.pdf

26 O trabalho de campo realizado nas escolas decorreu no ano letivo 2012/2013. No âmbito desta investigação

considera-se importante obter uma informação oficial das ocorrências disciplinares, nesse ano letivo. No entanto, numa pesquisa online só foi possível obter esses dados através de fontes, não oficiais. Deste modo é

medidas é necessário haver uma quantificação rigorosa do problema. Neste âmbito considera- se que algumas entidades, nomeadamente o Conselho Nacional de Educação poderia dedicar uma atenção particular, analisar e informar nos seus Relatórios Anuais acerca dos problemas da indisciplina e violência escolar.

Apesar das dificuldades mencionadas, nomeadamente do uso de estatísticas sobre os fenómenos de violência escolar ter algumas limitações, quando por exemplo se trata de corroborar, um aumento ou uma redução deste fenómeno, segundo Debarbieux & Blaya (2002:26), a melhor forma de o avaliar é através de estatísticas de “vitimação”, na medida em que se trata de factos concretos reportados pelas próprias vítimas. Pode-se, ainda considerar que existem muitos casos de violência que não são denunciados e, neste caso o problema pode ser, ainda maior. Tendo em conta os resultados de natureza criminal referidos pelo Ministério da Administração Interna conclui-se que a violência escolar é um problema na sociedade portuguesa.