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CAPÍTULO III Prevenção e Intervenção nos Conflitos Sociais e Escolares

3. Justiça Restaurativa

A educação das crianças e dos jovens, tendo em vista o seu desenvolvimento pessoal e social, é um aspeto da maior importância ética e social. Neste sentido é importante compreender as razões das suas dificuldades, nomeadamente de inserção social, escolar e vitimação.

A criminalidade violenta nalgumas escolas, em várias regiões do mundo tem sido noticiada pela comunicação social e pelas redes sociais. Nos Estados Unidos da América, alguns incidentes de violência escolar têm chocado a opinião pública global. Referem-se dois exemplos com contornos dramáticos, nomeadamente na Escola Primária de Sandy Hook em Newtown, em Outubro 2012, com vinte e seis vítimas mortais e um massacre no Instituto Columbine, ilustrado no filme “Bowling for Columbine” (2002). A mediatização sobre a violência escolar cria algum “ruído” que alerta a opinião pública para este problema. No entanto passado algum tempo verifica-se um certo esquecimento. As escolas deviam promover um debate com os alunos sobre a violência escolar, nomeadamente mostrando alguns filmes e notícias. As crianças e os jovens assistem diariamente a filmes, documentários e notícias, nomeadamente na televisão, na internet e no telemóvel, sem qualquer explicação de um adulto responsável. Neste âmbito “habituam-se” a ver a violência fazendo os seus próprios juízos, com uma possível banalização dos atos de violência. Neste âmbito, os pais, os professores, educadores e os media têm um papel fundamental, na educação das crianças e dos jovens, na atualidade e na sensibilização pedagógica e crítica sobre os atos de violência.

A justiça restaurativa constitui um novo movimento, no âmbito da vitimologia e da criminologia. Consiste num processo que tem em vista uma reparação dos danos causados por um delinquente, em relação a uma vítima ou comunidade. É um procedimento onde todos podem participar, de forma a se encontrar uma solução, um acordo entre as partes, com a finalidade, por um lado de uma compensação ou indeminização da vítima e, por outro uma responsabilização do delinquente. Sendo um processo que tem um lugar central na justiça penal, distingue-se desta, em vários aspetos: acentua a conceção de prejuízo causado à vítima, à comunidade e à própria pessoa; promove um envolvimento das partes, no sentido de se encontrar uma resposta reparadora; tem um enfoque nos danos reparados, mais do que na importância da sanção aplicada. Deste modo, pode ser considerada como um instrumento de pacificação social. Não tendo como objetivo uma substituição da justiça penal, pode ser uma

forma de a complementar, na medida em que em certos casos poderá haver uma mediação penal. Em Portugal, a mediação penal está limitada à fase do inquérito, sendo um ato de natureza jurisdicional, em que o papel do juiz e de todos os intervenientes é de grande importância (Ferreira 2011).

A justiça restaurativa assenta numa nova filosofia jurídico-política, baseada em novos conceitos, nomeadamente na democracia participativa, na cidadania ativa e numa maior clareza nos processos investigados. A justiça penal tem por base a ideia de punição, no entanto esta conceção tem vindo a ser completada com a de reabilitação. Esta perspetiva aponta um caminho para o futuro em que as sociedades deverão investir na prevenção dos

comportamentos desviantes e na reabilitação e integração das pessoas. Neste âmbito poder-

se-á considerar como uma forma de prevenção dos conflitos e dos comportamentos violentos, evitando-se a sua reincidência. Algumas das características da mediação restaurativa são as seguintes: a participação, um encontro “face a face”, a cooperação e a resolução. A mediação restaurativa promove às partes em conflito as seguintes atitudes: saber ouvir, respeito, diálogo, interação, reflexão, compreensão, necessidades, pensamentos, sentimentos e ações. Alguns dos resultados são os seguintes: a empatia, sentido de responsabilidade, capacidade, cidadania ativa e social skills. O Estado deve promover a formação dos técnicos e operadores judiciais e a publicidade, para que se possa avançar na concretização destes processos.

A Lei de Mediação Penal Portuguesa, nº 21/2007, adaptada da Decisão Quadro nº 10

2001/220/JAI, do Conselho Europeu de 15 de Março, relativa ao estatuto da vítima em

processo penal estabelece algumas restrições na sua aplicação, em determinados casos (ponto nº 3).47

A justiça restaurativa pode ser utilizada na resolução dos conflitos escolares. É uma abordagem adequada nos conflitos de bullying. Na Finlândia foram intervencionadas quatrocentas escolas utilizando-se esta abordagem (Gmurzyska 2012). O processo de mediação que foi utilizado nessas escolas é normalmente entre duas pessoas. No entanto, também podem participar entre cinco ou seis pessoas. As conversas informais em grupo são excelentes na comunicação e prevenção dos conflitos. Por vezes, uma criança ou jovem pode ser mediador com os seus pares. Esta aprendizagem dos alunos nas escolas poderá ter reflexos

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nas suas famílias, uma vez que as crianças e jovens podem transmitir estes saberes em casa, aos pais. Algumas das técnicas, quando são utilizadas antes da mediação podem ser úteis na prevenção dos conflitos escolares.

Quando acontece um comportamento desviante, em contexto escolar deve-se ter em conta que as relações sociais são postas em causa ou mesmo danificadas e alguém é prejudicado. Muitas escolas reconhecem que após um processo que utiliza a justiça restaurativa há menos conflitos e comportamentos desadequados dos alunos. As escolas que trabalham com estes processos reconhecem que é necessário envolver toda a comunidade educativa e não apenas os professores e os alunos. Pretende-se uma abordagem ecológica sustentada na comunidade.48 Os casos de conflitos escolares que podem ser objeto de uma aproximação restaurativa são casos considerados com alguma gravidade, tais como: bullying, vandalismo, reparação das relações entre as famílias e as escolas, conflitos culturais (racismo, xenofobia), conflitos entre pares e conflitos na sala de aula. A justiça restaurativa é uma prática inexistente nas escolas portuguesas, mesmo no âmbito da educação tutelar de menores. A justiça restaurativa inclui a informalidade e uma procura ativa na compreensão dos sentimentos e motivações que as pessoas apresentam quando cometem delitos.

Alguns países têm desenvolvido programas de prevenção dos conflitos escolares. Nos Estados Unidos da América, a organização Peace Education Foundation49 tem um programa de aconselhamento para os pais, professores, trabalhadores de serviço social e advogados que ajuda a criar um ambiente de paz nas escolas e nas comunidades. Os alunos vão com os professores a um Centro de Aconselhamento para aprenderem a prevenir os conflitos e, por vezes, os técnicos do Centro dão continuidade ao programa visitando as escolas. Neste programa, os alunos aprendem técnicas não violentas, tais como: a ter responsabilidade controlando as suas emoções nas situações de conflito; aprendem social skills, de defesa através de artes marciais; aprendem os exemplos de figuras de referência a nível mundial, como a Madre Teresa de Calcutá, Mahatma Gandhi, Dr. Martin Luther King, onde se demonstra o poder da não-violência para dissipar alguns equívocos acerca da necessidade da violência; os estudantes são ensinados sobre a importância das necessidades básicas de

48http://www.restorativesolutions.org.uk/images/RAiS_Guidance_Updated.pdf . (Consultado: 10/12/2012).

alimentação, ar, água, saúde, higiene para todas as pessoas, mesmo para os seus vizinhos; através de experiências interativas com os profissionais de teatro, são apresentadas algumas cenas de situações de conflito que podem ser resolvidas, através da aplicação dos social skills ensinados. Neste programa estabelecem-se, ainda algumas regras de prevenção dos conflitos, promovendo algumas atitudes, tais como: 1) “Diz o que te está incomodando”; 2) “Ataca o problema e não as pessoas”; 3) “Houve as pessoas, uma de cada vez”; 4) “Continua a trabalhar para uma solução justa”.

Para terminar, uma outra estratégia de prevenção do problema da indisciplina e violência escolar consiste na educação cívica dos jovens (Lorrain 1999; Gonzalez-Pérez & Bozo 2007). Esta não deve ser exclusiva das escolas, mas também pode existir noutros contextos, nomeadamente na família, coletividade, instituições religiosas e associações cívicas. Neste âmbito, tem particular destaque a educação para os direitos humanos (direitos civis e políticos, direitos económicos e sociais e de solidariedade), como uma exigência e um recurso do sistema político (inputs), em particular dos designados direitos de terceira geração (Carmo 2011:115).

A vida em sociedade tem regras e códigos de conduta social para o seu bom funcionamento. O respeito pelas regras contribui para a coesão social e pacificação social. Quando se ignoram as regras, as consequências individuais e sociais são nefastas. É necessário sensibilizar e mobilizar os jovens, a opinião pública, as escolas e as famílias, no sentido de se “repensar” o civismo no presente e no futuro, através de várias iniciativas, nas comunidades e nas cidades, com aspetos lúdicos. Aprender a comunicar, se exprimir e dialogar reduz os riscos de violência, na medida em que se pode olhar e compreender os outros pontos de vista com serenidade.

CAPÍTULO IV – METODOLOGIA

No estudo empírico formularam-se algumas questões de investigação, os objetivos do estudo e as hipóteses, no sentido de se analisar a realidade social nas escolas. Para tal desenvolve-se uma metodologia de estudo de caso, em duas escolas da Região da Grande Lisboa. Utiliza-se um método misto, quantitativo e qualitativo, pelo que se construiram dois instrumentos de análise diferenciados: um inquérito por questionário para inquirir os alunos do 9º ano de escolaridade; um guião de entrevista para entrevistar os respetivos diretores de turma.