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CAPÍTULO II Os Principais Conceitos da Investigação

1. Perspetiva Psicossociológica Sobre a Perceção

A educação e formação das crianças e dos jovens, na atualidade constituem um desafio cada vez maior para os investigadores. Quando se procura investigar e compreender a educação escolar em estudo empíricos, nomeadamente sobre a aprendizagem, o insucesso escolar e os comportamentos anti-sociais existe uma grande complexidade, relativamente a estabelecer-se um consenso sobre as causas e consequências destes fenómenos sociais. Esta situação deve- se, em parte à existência de um elevado número de variáveis que se podem considerar nos estudos, em várias áreas do conhecimento e de haver um grande número de abordagens diferenciadas sobre estes temas. Neste âmbito, cada estudo particular constitui um pequeno contributo, para uma melhor compreensão sobre uma determinada problemática.

Neste estudo analisam-se as perceções de alunos e professores sobre vários aspetos relacionados com o quotidiano escolar, com um enfoque nos comportamentos disciplinares, nomeadamente de indisciplina e violência (bullying). Neste âmbito, o conceito de perceção constitui um dos conceitos-chave da investigação que possibilita uma melhor compreensão dos vários processos.

Os estudos no âmbito da psicologia têm contribuído para uma melhor conhecimento sobre os grupos sociais, comportamentos humanos, a personalidade, a perceção, o funcionamento do sistema nervoso, a aprendizagem, a memória, a inteligência, entre outros aspetos. No entanto não existe, ainda uma explicação completa acerca dos mecanismos da perceção.

No início do século XX foram feitos vários estudos, principalmente ligados à Universidade de Harvard, nos Estados Unidos da América, tendo-se desenvolvido três atitudes perante os fenómenos percetivos: fisiológica, gestaltista e behaviorista. Segundo Osgood (1982: 231), estes três pontos de vista, não se podem considerar teorias na verdadeira aceção do termo, nem se excluem mutuamente, antes pelo contrário contribuem para uma compreensão do tema. Estas perspetivas têm em comum, um enfoque sobre a primazia dos estímulos sensoriais, principalmente nos fenómenos percetivos da visão.

No que respeita à perspetiva fisiológica, defende-se que a perceção é um processo neurológico que ocorre numa região do córtex cerebral (17) que recebe os sinais e os estímulos do exterior através da visão, sendo processados em termos de imagem, luz e forma. Segundo esta perspetiva, a organização percetiva tem por base o campo visual.

Segundo Osgood (1982:238), os teóricos do gestaltismo não explicaram as forças dinâmicas da atividade cerebral e do tecido nervoso, nem os locais onde se dão as conexões (por exemplo na área 17, na área 18). O contributo de Kohler (1940 in op. cit.) foi o mais importante referindo-se que é possível que as perceções estejam associadas às correntes eléctricas no sistema nervoso, através de um processo de estimulação de substâncias químicas provenientes das fibras que envolvem as ramificações nervosas. Estas associações estão na base do princípio do isomorfismo «igualdade de forma». Este princípio levanta a questão do papel da consciência e do inconsciente nas perceções (op. cit:239).

O behaviorismo surge num contexto de cientificação da psicologia experimental, nomeadamente dos processos mentais e dos comportamentos. Neste âmbito procurou demarcar-se da psicologia tradicional. Doravante, o psicólogo estuda, diretamente o comportamento observável (behavior) ou seja, a resposta de um indivíduo a um determinado estímulo. O behaviorismo teve as suas origens na British Association que na sua fase inicial (1930, 1940) tinha em conta os estímulos e respostas, em vez dos significados ou ideias. É semelhante ao positivismo lógico, na medida em que consiste num sistema teórico hipotético- dedutivo modelado explicitamente pela física: antecedente (input) e subsquente (output), em eventos observados numa situação experimental natural. Neste âmbito foram identificados constructos abstratos (Ss ou Rs) em que foram expressos alguns dos seus princípios ou postulados. Estes postulados, particularmente na sua dinâmica intencional deram origem a certas deduções (explicações, predições) que puderam ter uma forma prelinguística, através da adaptação dos comportamentos a entidades percecionadas, em diversas ações e relações.

Esta orientação sustenta alguma teorização anterior, nomeadamente desenvolvida por Pavlov (1849-1936) que se dedicou ao estudo da atividade nervosa superior do cérebro. Neste âmbito é na região do córtex cerebral que se formam, modificam e desaparecem os reflexos condicionados. As experiências desenvolvidas com os animais são uma parte essencial do estudo dos reflexos inatos e condicionados do ser humano a estímulos provenientes do meio.

Deste modo há três aspetos essenciais do comportamento humano: o estímulo, situação e resposta. A teoria desenvolvida por Watson (op.cit.) é, neste contexto, um momento revolucionário em três aspetos fundamentais: em primeiro lugar, por dar à psicologia o estatuto de ciência; em segundo lugar, por ter como objeto de estudo o comportamento humano; em terceiro, por se assumir como um método experimental. O behaviorismo surge neste contexto procurando-se uma interpretação do comportamento humano, segundo a fórmula: Estímulo →Resposta.

Segundo Osgood (1982) os behavioristas contribuíram, sobretudo para uma explicação dos mecanismos de aprendizagem e motivação, em vez de uma compreensão sobre os fenómenos percetivos. A principal razão que explica esta ideia consiste na dificuldade em se analisarem os fenómenos percetivos no campo experimental. Os fenómenos percetivos não dependem exclusivamente dos estímulos que o experimentador manipula, não sendo as respostas fáceis de interpretar. Neste âmbito há duas insuficiências nas teorias de mediação “medational” do behaviorismo clássico. A primeira diz respeito à incapacidade de lidar com o fenómeno da organização percetiva “perceptual organization”, amplamente documentada na literatura da Psicologia Gestaltista (como por exemplo o fenómeno da “perceptual closure”). A segunda insuficiência consiste na inabilidade de lidar com o fenómeno “behavioral organization”, a formação do motor central dos comportamentos complexos, tal como tocar piano e falar (Osgood 1982: 252). A perspetiva behaviorista, não explicou cabalmente os princípios que desenvolveu, no entanto foi o contributo de Hull que melhor desenvolveu esta conceção, embora o tenha feito de uma forma não completamente esclarecedora (Osgood 1980: 27).

Os fenómenos percetivos são processos de mediação entre os estímulos e as respostas. Neste âmbito estudou, também a motivação nomeadamente “determinantes de motivação” considerando que os processos percetivos se moldam às necessidades dos indivíduos, concluindo que existe uma associação entre a motivação e a perceção. Neste âmbito, o termo perceção refere-se a uma série de variáveis que se interpõem entre a estimulação sensorial e a consciência, enquanto o último estado é indicado pela resposta verbal ou outra modalidade de resposta (op. cit:230-239).

Um terceiro movimento de cientificação da psicologia foi desenvolvido por volta dos anos 50, pela conceção do neobehaviorismo, considerando-se como uma fase subsequente ao

behaviorismo. Esta conceção introduziu o conceito de mediador no processo de perceção e procurou-se conhecer o contributo da “caixa escura biológica” ou Little Black Egg, nas respostas dos sujeitos às situações. Neste âmbito, as respostas são processadas em algumas regiões do cérebro, sendo a seção 17 do córtex onde se processa a visão, uma área fundamental do organismo para as respostas humanas aos estímulos e às situações. O neobehaviorismo é uma conceção contemporânea do comportamento humano. Neste âmbito, o comportamento humano é a manifestação da personalidade numa dada situação. Com o reconhecimento do papel que os fatores centrais desempenham no comportamento, tem-se manifestado uma tendência crescente para conceber a perceção, em relação a outros fenómenos, nomeadamente a formação de conceitos e a significação.

Neste âmbito, a relação entre a perceção e a significação constitui uma matéria complexa, tendo-se feito uma distinção entre sensibilização percetiva e dessensabilização percetiva que são processos de sensibilização seletivos que os indivíduos utilizam, respetivamente quando os motivos, valores e atitudes são favoráveis e quando as atitudes são desfavoráveis, por exemplo quando há ansiedade e frustração – defesa percetiva e, deste modo elevar o limiar de recognição dos objetos relevantes e dos seus sinais (op. cit: 345). O conceito de mediação constitui o elo de ligação entre os dois, sendo indispensável para a singularidade individual dos fenómenos percetivos.

Tendo desenvolvido uma profunda e detalhada reflexão e análise sobre a perceção, do ponto de vista fisiológico, nomeadamente no domínio da visão e da audição Osgood (op. cit: 334) considerou que aquilo que nós percecionamos, não depende exclusivamente das sensações e dos estímulos visuais, mas que existem outros acontecimentos, totalmente fora do sistema sensorial que contribuem para isso. Neste âmbito, as variações de motivos, atitudes, valores, significações podem, em certa medida alterar as características da perceção dos objetos no campo visual.

No sentido de apoiar a sua tese, Osgood (1980: 34) refere o conceito desenvolvido por Bruner e Goodman (1947) de determinantes de valor das perceções que por sua vez estabelece uma distinção entre: «determinantes autóctones» que reflitam as propriedades electroquímicas características dos órgãos sensitivos terminais e do tecido nervoso; «determinantes de comportamento», como sendo funções ativas e de adaptação do organismo que conduzem ao

governo e ao controlo de todas as funções de nível superior. Refere-se, ainda Postman, Bruner e McGimnes (1948) que ventilaram a hipótese dos sistemas de valores pessoais, conforme se encontram definidos nas escalas de Allport-Vernon (teóricos, económicos, estéticos, sociais, políticos, religiosos) estarem entre os determinantes de comportamento que atuam sobre a perceção (op. cit: 342). Deste modo, poder-se-á referir que as perceções constituem comportamentos apreendidos que devem seguir os mesmos princípios das outras respostas – devem revelar a formação de hábitos, generalização, inibição, entre outros (op. cit: 247).

O conceito de perceção pode ter alguma proximidade ao conceito de estereótipo, nomeadamente no que respeita à interpretação que os indivíduos fazem das pessoas e da sociedade com referência a um sistema de valores, pelos quais orientam as suas ações e se adaptam às mudanças sociais. Ambos têm uma natureza psicológica, subjetiva e social. No processo avaliativo, por vezes o estereótipo pode ter uma conotação negativa e traduzir-se num preconceito, em relação a certas categorias que têm origem na cultura onde o indivíduo se insere e nas normas e valores do grupo de pertença (Amâncio 1994:40).

O conceito de estereótipo, segundo Osggod (1982:334) tem uma explicação particular, nomeadamente tendo em conta a sua teoria sobre as perceções. Neste âmbito é visto como um fenómeno percetivo tendo em conta um conjunto de estímulos que os indivíduos associam a um determinado grupo. Estes estímulos são sujeitos a um processo de mediação percetiva que possibilita reações comuns e a formação de um conceito. As perceções associam-se a um padrão de comportamento (como por exemplo a significação específica de «judeu»). Este fenómeno percetivo revela uma certa “constância percetiva” baseada numa série de sistemas sensoriais variáveis (como sinais) que têm de associar-se a um processo comum de mediação

percetiva que represente de modo adequado o objeto que está a ser estudado (a coisa significada).

Esta teorização é importante, no sentido de se compreenderem os motivos que estão na base da conceptualização dos objetos (significação) e que se traduz numa constância percetiva, nomeadamente a respeito de um determinado grupo social, tendo em conta, por exemplo as suas características culturais. Neste âmbito, o organismo humano tem um comportamento relacionado com os objetos reais, com os valores de sinalização (sign values) equivalentes. Os brilhos, cores, formas, tamanhos que são percecionados na retina surgem como dados

sensoriais que servem ao organismo, como sinais que representam ou significam objetos conceptualizados. Desta maneira se compreende que os sentidos tenham um papel importante quando percecionamos uma pessoa, um grupo social, bem como outros objetos isolados ou num contexto social. Depreende-se desta análise que os “valores pessoais”, nomeadamente estéticos que os indivíduos atribuem às pessoas, grupos sociais, coisas e situações da vida real possam ter uma sensibilização percetiva negativa, podendo os sujeitos terem reações, também negativas. É neste contexto que se considera o conceito de estereótipo que na verdade é, também uma atitude negativa que os indivíduos revelam perante certas pessoas, grupos e situações. O conceito de atitude utilizado pela psicologia social é um exemplo, do modo como os indivíduos mobilizam aspetos da personalidade e da cultura com a qual se identificam e, deste modo se comportam, nas interações que estabelecem, com as outras pesssoas em sociedade. O processo de categorização, no quadro do sistema de valores do indivíduo, transforma-se num conhecimento operatório, nas interações sociais que possibilita uma comparação, com vista à preservação desse sistema de valores.

Esta teorização sobre a perceção reforça a ideia de que a comunicação ordinária está sempre dependente de um contexto. A teorização desenvolvida por Osggod constitui uma referência na análise qualitativa (análise de conteúdo) dos discursos nas ciências sociais. No entanto, a sua aplicação em estudos empíricos, nomeadamente na análise dos grupos sociais não se revela uma tarefa fácil. No estudo empírico, sobre as perceções de alunos e professores em duas escolas da região de Lisboa utiliza-se uma metodologia de análise de conteúdo dos discursos dos alunos, em algumas perguntas (abertas) do inquérito por questionário e dos professores, nas entrevistas. No que respeita aos alunos faz-se uma análise de conteúdo temática (Bardin 1994) e no que respeita aos professores utiliza-se uma análise de conteúdo, também temática consistindo numa adaptação original da teorização desenvolvida por Osggod (1980). Neste âmbito estabelece-se uma análise estrutural da relação entre a perceção, a linguagem e as atitudes.

No estudo empírico utilizam-se os conceitos de perceção e atitude em termos operatórios. O conceito de perceção tem um sentido mais abrangente, na medida em que significa uma tomada de consciência e uma posição que os sujeitos (alunos e professores) adotam, tanto através dos sentidos, como dos valores presentes no grupo de pertença, sobre os temas abordados; o conceito de atitude tem um significado, também avaliativo, mas acrescenta um

sentido na ação, no comportamento adotado pelos sujeitos, com referência aos valores. Os resultados destas análises constam no Capítulo V.

O estudo da perceção desenvolvido por Osgood (1980,1982) tem o mérito de considerar a importância da perceção, tendo em conta as estruturas cognitivas que interpretam as frases que são proferidas através da linguagem humana fazendo parte de uma experiência objetiva. Neste âmbito torna-se uma experiência de compreensão de análise linguística e semântica da linguagem humana que pode propiciar a compreensão das perceções, das atitudes e do comportamento humano, em situações concretas.

Na análise da linguagem humana através dos estímulos e respostas num contexto parte-se de três princípios fundamentais: 1) que o sistema cognitivo tem uma natureza essencialmente semântica e que a síntaxe envolvida é o resultado de uma transformação entre a estrutura semântica e as formas de sentenças que são produzidas e recebidas; 2) que o sistema cognitivo é partilhado, tanto por perceções (não linguísticas) como linguísticas; 3) a produção e compreensão das frases numa comunicação ordinária (comum) estão sempre dependentes de um contexto influenciado probabilisticamente pela linguística contemporânea (conversas, discursos) e fatores não linguísticos (situações sociais).

A análise do comportamento humano através das significações expressas na linguagem humana engloba as conceções fisiológica, gestaltista e behaviorista. No entanto, a sua teoria distingue-se das três conceções, na medida em que se procurou dar uma resposta às insuficiências nas suas explicações. Deste modo Osgood (1980:28) procurou explicar o modo como o sistema nervoso integra as sensações e as projeta na linguagem humana, sendo a hipótese de funcionamento do sistema nervoso denominada “The Mirrors of Reality”. Neste âmbito desenvolve uma análise detalhada dos vários “espelhos”, tendo em conta vários “icons” que são entidades abstratas (SSS, S-S-S, R-R-R, R’,R’,R’, SM) que têm como função um processo de descodificação da informação processada pelo sistema nervoso através das sensações.

A teoria desenvolvida por Osgood situa-se no neobehaviorismo que em virtude de se introduzir o carácter distintivo do “Mediator Components” difere do behaviorismo clássico. Embora se observe a linguagem humana através de constructos ou entidades abstractas e

inobserváveis em si mesmos, são necessários para a sua interpretação, assim como noutros comportamentos. Neste âmbito elaborou uma teoria funcional “equivalentes funcionais”, entre os sinais emitidos na linguagem e os comportamentos. As experiências conduzidas através de frases da linguagem humana através dos ícons (s-r-m) e seus derivados são uma forma de se distinguir os comportamentos que estão na base da produção das frases e uma forma de se analisarem as perceções humanas. Trata-se de uma análise da linguística e psicolinguística através de fonemas e distinções semânticas que permite distinguir as situações e experiências dos indivíduos.

O “Emic Principle”, segundo o qual o ambiente e o contexto, sendo diversificados e de mudança, podem variar muitos estímulos faz do neobehaviorismo uma ciência do comportamento, incluindo a linguagem do comportamento. Ao se estabelecer um equivalente funcional “functionally equivalent” entre classes e sinais que têm o mesmo significado e que exprimem a mesma intenção nos comportamentos pode-se dizer que há uma “syntax of behaving” tal como uma “syntax of talking”, sendo o primeiro que surge mais cedo (op.cit:35). Neste âmbito existe uma semântica da perceção, tal como existe uma semântica das palavras que se combinam numa frase. Um aspeto, ainda a salientar diz respeito às perceções incorporam uma dimensão representacional dos comportamentos, quando por exemplo se considera que os sinais, intenções são diferenciados, por exemplo tendo em conta as classes sociais. Um exemplo referido, das respostas fisiológicas do bebé, quando saliva ao ver o biberon, ou quando volta a cabeça para ver a imagem da mãe é uma resposta que articula a visão com a intenção (op. cit:33).