cultural, e que nos permitiria�, por conseguinte, Ir
ao ideológico; devo, ao oontráno, colocar-me na obra
a situação, como aquilo mesmo que que ela exibiu. Sartre mostrou-o de maneira seu artigo dos Temps modernes intitulado:
méthode: é sempre do artista que é preciso partir, para brir qual a situação que êle fêz ao produzir tal obra.
Tentemos precisar mais o argumento: é coisa mais fácil com o filósofo do que com o artista. De que modo manifesta o filósofo sua situação? É deveras notável que a situação social, política, de um grande filósofo não surge de modo algum clara em seu texto; não é referida, não é declarada em lugar algum;
é, entretanto, manifestada. É manifestada de certa maneira, muito indireta, através dos problemas propostos pelo filósofo;
em -outras palavras, sua situação sofreu uma espécie de trans mutação, de "transvaliação"_; de situação vivida, tornou-se pr-o� blema declarado, problema pronunciado, enunciado. Que quer isto dizer? Façamos uma primeira observação, à primeira vista anódina, mas, na realidade, absolutamente decisiva: é num . discurso, e unicamente num discurso que o filósofo pode fazer surgir sua época. A obra do filósofo é obra de expressão e uni camente de expressão, de tal forma que nosso problema apre senta o aspecto mais extremo, e talvez mais claro, da relação que pode existir entre a história efetiva e o discurso, a história efetiva produzida pelos homens e o discurso que êles consti tuem. Parece evidente que a filosofia é expressão, mas isto basta para que se escape à relação causa-e-efeito e realidade-re flexo. Nenhum discurs-o, nessa qualidade, pode ser reflexo. Se o vocábulo tem sentido, o reflexo é uma coisà, um objetO!, o - reflexo num espelho, por exemplo; não conhecemos reflexos que sejam discursos. Há algo de especifico na relação entre uma situação e um discurso, e essa relação é simplesmente signifi cada. É nesse sentido que o caso do filósofo é mais esclarei cedor que qualquer outro, porque o discurso ao qual visa exige que se proponham questões universais. Coisa que nos introduz no centro da dificuldade e do paradoxo, pois uma filosofia sin gular, ao surgir, manifesta sua época, exprimindo-a no elemento do universal: é fazendo a pergunta: "Que é um julgamento sin tético a priori?", que Kant inaugura sua filosofia, e a pergunta
que faz, é questão universal; e é nessa questão universal, qué êle
�
az aparecer a estreiteza de sua situação singular, que a manifesta.74
A obra filosófica dá, de início, forma à questão de que procede; ora, a forma universal da questão é o problema. O filósofo exprime propondo de modo universal, em forma de . problema, a dificuldade que lhe é própria e que o constitui. Exprime dando forma.
Vê-se ao mesmo tempo quão difícil é encontrar uma rela ção direta entre uma filosofia e um ambiente econômico, social e político; é preciso, dizíamos, reencontrar essa situação na pró pria obra, mas é típico da obra filosófica a transposição de todos êsses problemas muito singulares, vividos pelo filósofo, numa questão universal. Chega-se a dizer que a obra filosófica dissi mula sua situação social e política. Apenas dissimular uão quer absolutamente dizer mentir. Tal dissimulação só seria falsidade se justamente pretendesse enunciar sua situação. · Ela "dissi
mula", por não querer dizer em que época nasceu! qual o meio social que exprime; o que quer dizer é outra cmsa. Sua per gunta é: que é real? que é a physis? que é uma idéia? que .é a transcendência? Nisso a filosofia emudece a respeito de sua si tuação, e é o mutismo do filósofo sôbre sua própria situação - de classe ou outra - que constitui o desinterêsse de sua ques tão. É porque sua situação foi como que transmudada em ques tão desinteressada, que sua questão lhe dissimula a situação. Ela dissimula por ultrapassar, por transcender.
Por conseqüência, é sempre de maneira indireta que se pode estabelecer a relação que vincula uma obra filosófica à sua época, de vez que essa relação só pode ser procurada na própria obra, e que a obra mais perfeita é a que mais dissimula. Se existe um problema de falsa consciência, no sentido de Marx e de Lukàcs, é porque uma relação inverídica pode vir inse- rir-se nessa relação fundamental de tôda obra de expressão re ferida a uma situação, porque uma obra de expressão supera
· a própria situação e a dissimula, superando-a: é essa dissimu
. primitiva que pode se tornar falsa consciência, mentira, ao reconhecimento de sua situação: partilhará o filósofo me:nti.ra de sua época quando, amparando-se no discurso uni- que tem uma classe, pretender ter feito sem gran- o movimento da história, de manumissão e de quando era apenas na intenção que êle superava sua s_ttUa•;ã<>: continua, no entanto, a ser verdade que, pela sua ma- formular as questões, êle efetivamente superava sua ainda que apenas em intenção.
Essa relação entre uma época histórica e uma obra filosó fica - essa relação de manifestação-dissimulação, - é a forma extrema do estatuto da linguagem no mundo. A linguagem com pretensão à maior universalidade revela o que sucede a tôda expressão, a todo discurso em uma sociedade: desde que uma época se represente a si mesma por intermédio de suas obras, é que ela já saiu da estreiteza de sua situação. É exatamente
por isso que não se pode jamais reduzir as obras literárias, e, de modo geral, obra alguma a uma simples camada de apa rência, à franja de escuma da vaga que se ergue numa praia.
É uma realidade nova, que tem uma história própria, a história
do discurso, que postula uma compreensão própria, e que só se vincula à sua situação, superando-a. Nesse sentido, a signi ficação da expressão excede sempre a função de reflexo. Lem bremo-nos do sonho de Constantinopla, entre os muçulmanos, que recentemente se discutiu. Pode-se só ver ali ambição polí tica. Mas, uma vez que tal sonho fora "dito" num mito, êle ultrapassava Constantinopla e podia tornar-se um símbolo esca tológico; e isto é !auto mais verdadeiro quanto êsse tema da tomada da cidade volta a surgir na mística cristã, no "castelo" de Santa Teresa, e finalmente em O Castelo de Kafka. Volta
mos a encontrar no tema do Graal, üU na busca do "tesouro", a mesma riqueza de harmônicos míticos e místicos; existe assim um acréscimo de significação na obra, no mito, que excede seu suporte histórico, embora se possa sempre discernir tal suporte histórico, social, econômico; mas, uma vez "dito", sofre êle uma transformação no elemento do Lagos, e essa expressão poderá ser reassumida a partir de entras situações históricas, poderá ser compreendida.
3 . A contradição de tôda historicidade.
Procuremos condensar. Numa primeira parte, tentei mos trar que a história da filosofia comportava um estilo estranho de compreensão, de vez que nos propunha dois modelos de ver dade, um, que tendia para o sistema e, outro, para a obra sin gular. Ora, meu problema era saber o que essa contradição nos ensina sôbre a história em geral. Introduzi, para resolvê-la, uma questão intermediária: de que modo a história da filosofia se refere à história? Vimos que tal referência não se fazia à ma-
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neira de eieito ou reflexo, mas j)ela consti�ui�ão de ull?- univer.so significativo, que sempre excedm sua propna causahdade his-
tórica. .
� .
É pelo fato de haver "mais" no discurso flios�üco, que a
história da filosofia pode revelar aspectos da h1stona que de outro modo não apareceriam:
1 . Em primeiro lugar, essa dupla leitura da história, da filosofia revela um duplo aspecto, virtualmen�e presente em to
�
a história. Tôda história pode ser compreend1da como e�altaça_o de um sentido e emergência de singularidades. Essas smgul�r.l dades são, ou acontecimentos, ou obras: ou pessoas. A h1stona hesita entre um tipo estrutural e um tipo_ baseado em ac.ont� cimentos. Mas é unicamente na clanücaçao do d1scurso füoso fico que essas duas possibilidades se separam e se mamfesta?.'.Em que sentido comporta a história essa dupla poss!b!h dade? De um lado, empregamos históri� no singular e atestar:'os que existe uma única história, uma úmca Humamdade: "Toda a série dos homens, escreve Pascal, no fragmento de um Tra
tado do vácuo, deve ser considerada como um mesmo homem
que subsiste sempre e está de contínuo a ap;ender." Temos a convicção que, sempre que se nos .d�para um smal humano,. pode êle, a priori ser referido a um umco c.an;po de Humamd�d�.
Isto eu 0 sei antes mesmo de produzir h1stona, por uma espec1e de compreensão antepredicativa do campo histórico.
�
as dessa compreensão não pode o h1stonador exphcar o mol!vo. , Para êle, ela permanece "pré-conceito", no _sen�
i?o fort� do termo. fl.sse preconceito do historiador não se JUSI!flca, senao p�la ten tativa do filósofo de recuperar, num único discurso, os d1scursos parciais. Mesmo sem ser hegelianos e mesmo sem _ser absolutamente filósofos temos o sentimento de que tudo 1sso que os filósofos dissera
�
, sempre e por tôda a part;o, deve P.oder co?stituir um continente, uma realidade, uma so ��ntmmda
�
e: e a palavra humana, é o discurso, é o Lagos. Duta eu, po1s, que é o sistema, a possibilidade-limite do. sistema, que revel� ser a história potencialmente una (voltare! dentro em breve a ex-pressão "potencial"). . ...
Tenho sàmente diante de mim uma outra conv!Cçao, que
a
primeira não pode extirpar. Se digo "história", no si?gula;,a
história é também a história dos homens no plural, 1st? . e,não apenas dos indivíduos, mas das comunidades e das c�v!l!
zações. Acha-se, pois, igualmente inscrito um certo pluralismo
na preconcepção do drama hist6rico e do trabalho hist6rico. Não somente coloco os homens no plural, como também coloco no plural os acontecimentos; se existe um acontecimento, exis tem acontecimentos. f! a história necessàriamente uma diversi dade, uma multiplicidade: existe isto, e depois aquilo. f! o "de pois", "e depois então", "e depois ainda", que faz com que haja história. Se não houvesse rupturas, novações, também não ha veria história. Onde, pois, se torna perfeitamente manifesto êste outro aspecto latente da história? Na singularidade das obras.
f! lá que o historiador atesta seu caráter, se se pode dizer gra nular, seu caráter quântico. Não conhecemos o espírito senão nas obras do espírito, nas obras culturais, que postulam cada qual nossa amizade, e, quanto mais progredimos nessa amizade pelas obras, mais reduzimos as generalidades que a mascaram, mais avançamos na direção do singular e do único.
Assim se manifesta, pelo discurso filosófico, na medida em que êle não é reflexo mas constituição de sentido, o duplo cará ter de tôda história, que é ser ao mesmo tempo estrutural e conduzida pelos acontecimentos, de ser unidade da história e multiplicidade dos acontecimentos, das obras e dos homens. Tal é nossa prhneira conclusão: a história da filosofia manifesta a dualidade latente de tôda história; quando ela própria se sub divide em dois modelos de inteligibilidade, revela aquilo que se acha subjacente à história.
2 . Essa primeira conclusão invoca uma outra. Essa de composição do estrutural e da parte referida aos acontecimentos, operada na compreensão das obras, e singularmente das obras filosóficas, é, de certa maneira, uma destruição da história. Esta segunda conclusão é talvez ainda mais paradoxal que a pri meira. Ora, é a dupla· destruição da história que revela a his tória como história.
f! da maior importância que os dois modelos-limite da com preensão em história da filosofia, o sistema e a singularidade, representem uma certa supressão da história. Antes de mais nada, desde que haje sistema, não há mais história. Na Feno menologia do Espírito ainda se encontra uma certa história, aliás "ideal", constituída pelas "figuras" do Espírito; ora, quando se passa à Lógica de Hegel, não há mais "figuras", mas "catego rias", não há mais história de nenhum modo. O limite da com preensão histórica é, portanto, a ·supressão da história no sis tema. Vê-se a mesma coisa na obra de Eric Weil, que muito
admiro : as atitudes ainda estão na história, as categoria� não compõem mais uma história, e sim uma Lógica da filosofza. A passagem da história à ló!>ica_ sigu
�
fic� a �or�
e. da história. Pc:r outro lado na segunda direçao, nao e a histona menos destrui da. Quand
o se pratica a história da filosofia .confo�e '? se gundo método, chega-se a uma espécie de esqmzofrema, VIven do-se num filósofo, depois noutro, sem haver passagem dum ao outro; pode-se mesmo dizer 9ue ês�es filósofos não pertencem mais a qualquer época, são smgul�r�dade� que flut�am fora da história, essências singulares anacromcas, m,temporais., T?rna-se a obra uma espécie de absoluto que contem seu pr�pno pas sado, mas seu passado essencializado.J:.
obra de Spm�za, tem tal passado, mas êsse passado, nela inclmdo, torna-se essencia, e esta, por sua ve:i, não pertence a nenhum J?IOmento; pod�
:�; dizer dessa obra singular, assim compreendida, que ela e , que ela é "assim"� e, sob êsse título, irrefutável. D�
zia Ni�tzsche: "Um som não pode ser refutado", nem com matar razao umapalavra assim absolutizada. ,
Conforme se vê a história da filosofia não revela o carater fundamental de tôd
;
história, de ser ao mesmo tempo referida aos acontechnentos e estrutural, senão por seu pró�ri? trabal�
o, que suprimiu a hist�ricid�de. Se;ia êsse !aly�z o u,mco .senti�
o que se poderia dar a noçao de fim da h1stona. Toda fil?sofia é de certa maneira, o fim da história. O sistema é o fim dah
istória, porque ela se anula na Lógica: a singul�ridad� bém é o fhn da história, de vez que nela se nega toda·. Chega-se a êsse resultado, absolutàmente paradoxal, que é sem -: pre na fronteira da história, do fim da história, que se com- . os traços gerais da historicidade.
3 . Chego assim à minha últhna· conclusão: ' se a hist
�
ria revela como história na medida em que é superada, na drredo discurso ou da obra singular, será preciso dizer que a história não é história senão na medida em que ela não atingiu, o discurso absoluto . nem a singularidade absoluta, na me em que seu sentid
d
permanece con!'
uso, enredado. A h_i
s-·a história feita, é tudo aqmlo que se passa aquem e dessa supressão. Aquém des�a decompo é a história essencialmente equívoca, no sentido de achar
referida aos acontecimentos e ser virtualmente es A história é de fato o reino da inexatidão. Não é vã descoberta; ela justifica o historiador. Justifica-o de todos