sar, impaciência, angústia; não se pode, ao que parece, ir mais
longe; é preciso admitir, a título de resíduo da análise regres
siva, que a negação proferida, elaborada em tôrno da idéia de
outrem, de alteridadc,
exibanegativo em certas "tonalidades"
vividas; êsse negativo, inscrito mais abaixo que qualquer dis�
curso, Spinoza o denominava "tristeza". "Por tristeza, dizia êle,
entendo uma paixão pela qual a alma passa a uma perfeição
menor". Essa
diminuição de existênciaque afeta o próprio es-
fôrço pelo qual a alma se esfor�a- em pe:�everar no seu ser, pode bem denominar-se uma af01çao pnmtl!va.
Dêsse modo, venho eu a forma� a idéia de ��a falha
�
e subsistência, ou contigência, que a �aracte:1stica on�o�
? gica de minha existência enquanto � lambem u:ol:' tdeta que tomo de empréstim? .à esfera das coisas onde d:stmgo o necessário do não-necessano na ordem das determmaçoes com preendidas· eu a retomo e aplico a êsse obscuro abalo de todo0 meu ser' a essa vaga vertigem que se origina de meditação
simultânea' do nascimento e da morte, da carência e do esque cimento, do envelhecimento e do inconsciente. Falta-me o ser necessário, posso não ter sido, posso não ser mais. Sou a não-necessidade vivente do existir.
É, pois, dessa negação primordial, que agora denomino con tingência ou insnbsistência, que o ato de transcendência se faz a negação segunda. A denegação é negação de negação. Com mais exatidão, o pensamento que visa ao sentido para além da perspectiva finita, a tomada de posição que visa à validez para além do ponto de vista do próprio querer, encontram-se face à negação de limitação em uma relação específica que se enun cia bastante bem em expressão como esta: penso, quero, a des
peito de minha limitação. A despeito de . . . tal me par�ce. ser
a relação mais concreta entre a negação como transcende_nci� e a negação como limitação, entre a denegação e o amqmla mento.
Que nos valeu esta análise? Isto: a negatividade que nossa reflexão sôbre o sentido e o ponto de vista, sôbre o querer e o querer-viver, tinha pôsto em evidência não é uma nega�ão imediata, mas uma negação de negação. É portanto posstvel
reconhecer ali uma afirmação que se recupera resistmdo à re sistência, como diria Bergson.
4 . DENEGAÇÃO E AFIRMAÇÃO
É agora tarefa da análise reflexiva mostrar que a alma da recusa, da recriminação, da contestação e finalmente da inter rogação e da dúvida, é fundamentalmente afirmação; que a denegação não é jamais senão o reverso de uma afirmação mais originária e, se assim se pode dizer, só a metade de um ato. Dizer que a transcendência humana é negação a título pri mário, é autorizar a passagem da redução do nada ao próprio
f
i
nada. É tal passagem que precisamos examinar aqui. Ora, tôda a filosofia de Sartre repousa sôbre o direito de chamar "nada" aquilo que as análises anteriores só nos permitiam denominar "atos conduzindo ao nada". 4
Parte Sartre dessa observação, assestada contra Hegel, que o ser e o nada não são logicamente contemporâneos e que não existe passagem de um ao outro; o ser não passa ao nada e o nada ao ser; o ser é o ser e jamais a negação terá pé nêle, pois é preciso negá-lo para pensar em têrmos de não-ser. A plena e inteira positividade do ser é portanto inatacável. Resta pois, se desejamos dar contas da "origem da negação", que o nada surja "no próprio seio do ser, em seu coração, como um ver me" (pág.
57).
Em outras palavras, é preciso que o nada seja "de certo modo dado, dado no coração do ser" (pág. 58); secom efeito o ser exclui o nada e até se apresenta sem relação com êle, é preciso que exista um ser que tenha por propriedade "aniqüilar o nada, sustê-lo pelo seu ser, apoiá-lo perpetua mente pela sua própria existência, um ser pelo qual o nada vem às coisas". Parodiando e retomando uma expressão conhe cida de Heidegger, chama-o Sartre: "um ser no qual em seu ser está em questão o nada de seu ser" (pág.
59).
Devemos bem compreender aquilo que Sartre espera de sua análise: não só um conjunto de atos que conduzem ao nada e que, êle próprio o reconhece, requeririam por sua vez um fundamento no ser, mas "uma característica ontológica do ser requerido" (pág.
59).
Em suma, um nada e não apenasum ato conduzindo ao nada. A questão está exatamente nisso:
acaso os numerosos atos que conduzem ao nada descritos por Sartre com extraordinária virtuosidade - desde a interrogação, a dúvida, a ausência, a angústia, até a resposta petrificante ao olhar petrificante de outrem - postulam um tal nada de ser como característica ontológica?
Ésse nada, fonte dos atos que conduzem ao nada, Sartre pensa detectá-lo na liberdade: "essa possibilidade para a rea lidade humana de secretar um nada que a isola, Descartes, de pois dos estóicos, deu-lhe um nome, é a liberdade" (pág. 61 ) .
A que faz Sartre alusão? A ligação que o próprio Descar tes estabeleceu entre a dúvida e a liberdade. É verdade que
4 Cf. J. P. SARTRE, L'Etre et /e Néant, Paris, 1948.
Sartre se esquece de notar que, no J:rór:rio
J?
escar,t,es, .a lib.er dade na qual a dúvida desemboca nao e. senao o mms. baiXo grau da liberdade" por êle denommado hberdade de mdiferen ça. Seja como fôr�
n�
ssa��
berdade de d�
.vida, e�c�
,ntra�
artre a recordação da brox� est01ca, ,--;- essa suspensao�
o_ JUlga mento que liberta a alma d� sab10 do tumulto das paiXo<;s - e 0 anúncio da brox0 husserhana, pela qual o eu que medita se retira do todo natural, do todo feito. Êsse gesto de retirada, de arrancamento, de extração, êsse "remo q�e leva ao nada", Sartre volta a encontrá-la em todo ato autêntJCamente humano; retoma suas antigas análises da imaginação que o aniqüila todo o real em proveito da ausência e do irreal; reinterpreta o tempo para reencontrar, entre o passado e o presente, �ssa censur� que não é um obstáculo mas nada na verdade; esse nada e precisamente minha liberdade; quer dizer que nada em meu passado me obriga nem me justifica: "a li
berdade é o ser hu mano que põe seu passado fora de questao ao secretar o seu próprio não-ser" (pág. 66).Tendo dêsse modo centrado sôbre o nada enquanto liber dade todos os atos que ao nada conduzem, êle reconhece na angústia a consciência de ser assim o nada de seu próprio pas sado enquanto liberdade: "é precisamente a consciência de ser seu próprio futuro segundo o modo do não ser que cha_mamos angústia" (pág. 69) . Conhecemos o belo exemplo do Jogador
que a si mesmo prometera não mais jogar e que, em face do pano verde, descobre a inanidad_e de u�a decisão passa�a e superada; que nada o impeça de Jogar, msso consiste sua l!ber dade· é êsse nada que o angustia, dêsse modo recupera-se para a co
�
sciência do nada como liberdade e angústia que Kierhe gaard vinculava ao pecado e que Heidegger descobria na senda do ser enquanto ser.Enfim, o conceito de não-ser aclara a tese famosa da ante rioridade da essência sôbre a existência; se minha essência é aquilo que "sou sido" - conforme expressivo barbarismo que traduz a expressão de Hegel - Wesenist, was gewsen ist - o
nada que separa a liberdade de todo passado, de todo adquirido, é também o nada que situa a existência além de tôda essência; "a essência é tudo aquilo que a realidade humana apreende por si mesma como tendo sido" e a angústia é a "apreensão da sua natureza enquanto ela existe como modo perpétuo de liberta ção daquilo que é".
Não temos a opor a Sartre objeções de ordem especulativa mas, se possível, uma descrição melhor, - reservando-nos 0 direito de oportunamente verificar que pressupostos vêm inter ferir com a descrição e impedir o aflorar de seu verdadeiro sentido, para nós.
A questão que se me apresenta é esta: uma recusa é para
si mesma sua própria origem? Uma negação poderá começar em si mesma? Vamos fazer incidir a descrição sôbre dois pon tos: sôbre a relação da decisão aos respectivos motivos de certo modo para trás dela, e sôbre o movimento do projeto para a frente dela.
Reflitamos sôbre êsse nada que assinala a insuficiência de
todo motivo que me vincula, isto é, que me livra de minha res ponsabilidade, e que me fornece uma desculpa, um alibi. l;;sse "nada" sempre foi reconhecido: os clássicos o introduziam na própria definição dos motivos, quando diziam que êles incluí
ram sem compelir. Que quer isso dizer? De modo algum, pa
rece-me, que a decisão "extrai-se" no decorrer da motivação; não encontro em parte alguma ato que rompa com a totalidade das incitações e das solicitações da consciência; não rompo com o poder de solicitação de um grupo de motivos senão por que concordo com outros motivos; a relação da decisão dos motivos não é uma relação de ruptura mas de apoio; não rompe aqm senão porque se apóia lá; decidir-se é sempre decidir-se porque. . . A idéia de recusa não é, portanto, a chave dêsse
"nada", que dá origem à insuficiência dos motivos. E então? l;;sse nada só aparece se eu projetar meus motivos sôbre o fundo
das coisas e os interpretar em linguagem de coisa, isto é, em têrmos de causalidade física; digo então: um motivo não é uma
causa. Mas então o não-ser não está em meu ato, entre mo tivo e decisão, mas em minha reflexão entre causa e motivo. E
a motivação que decide sem hesitar a causalidade das coisas, mas não a decisão que se livra da motivação psicológica, quando pois insisto no aspecto negativo da liberdade, quero simples mente dizer que a determinação própria por si mesmo é deter minação por motivos e não por causas; é o sentido do: "incli
nar sem compelir", a negação acha-se apenas na definição e não no ato.
Objetar-se-á que as decisões autênticas não se ap01am em . . . , que elas são ao contrário brotar de ato, inovação que "reduz a nada" o passado enquanto dado. Tentar-se-á portanto
fazer das decisões subversivas no sentido próprio, decisões-mo dêlo decisões canônicas. Admitamo-lo e verifiquemos em que condições poderemos aniquilar nosso passado enquanto dado. Tomemos o caso mais extremo, o da conversão que aos olhos de meus amigos assumirá figura de abjuração em face de
tudo que havia até então crido e afirmado. Em que condições as negações que oponho às minhas antigas convicções e ao con junto de razões em que repousavam, poderão elas surgir aos meus próprios olhos como denegação, como ato de me dejulgar,
mas não pràpriamente de me renegar? Se não penso ter-me
renegado, é que minha decisão não é a universal redução a nada de meu passado; uma conversão; por mais radical que a possamos imaginar, não poderia reduzir a nada um passado morto, a não ser para encontrar-se e suscitar para trás de si um passado vivo que a "crise" pôs em evidência; a inovação opera uma como que mutação de figura em meu passado, fa zendo da forma o fundo, do fundo a forma; e assim só denego uma parte de mim mesmo pelo fato de assumir uma outra. Nem essa expressão "assumir" é estranha ao vocabulário existencia lista; assinala a volta à plenitude da afirmação em uma filoso fia da negação; por essa assunção, eu próprio me continuo atra vés das "crises" mais radicais da existência; uma conversão não é uma consciência de amputação; ao contrário, tendo consciên cia de liberar em mim aquilo que permanecia inibido, renegado, impedido; só me recusei a certos obstáculos, neguei-me apenas às negações; assim, à fôrça de negações e mais profundamente que tôdas as minhas recusas, eu julguei, ao converter-me, que estava a firmar uma melhor continuidade de mim mesmo, uma seqüência mais plenamente afirmativa.
Aquilo que acabamos de dizer da denegação em relação com o passado, nos conduz a um voltar-nos para o futuro e a considerar a decisão como projeto. É aqui que a primazia da negação na liberdade parece tirar tôda a sua fôrça. Pois que é um projeto? não é acaso um evento que falta às coisas? Como
ser de projeto, uão sou eu aquêle que, conforme a percuciente imagem de Sartre, procede a nma sorte de expansão no cerne das coisas? Não é o valor essa falta, êsse buraco, que escavo para diante de mim mesmo, para preenchê-lo por meio de atos, no sentido em que se diz que se cumpre um voto, que se cum
pre um programa, que se cumpre uma promessa?
330
Que o projeto tenha êsse sentido negativo que v 1 ·
f lt d d . . . , o a ar seJa
� que a. a ao a o, e:_s cmsa perfeitamente verdadeira e a aná-
lise sartnana postula nao uma refutação mas um t d
d 't' · . . ' a sor e e reto-
ma a cn 1ca que a JUstifica superando-a.
Parece-me ser possível mostrar que, em tôda contestação do real pelo _qual surge no mundo um valor, acha-se envolvida uma af1rmaç�': de ser. �arece-me que isto pode ser mostrado por um� anahse .da.� alltD:des q�e valorizam e que aparente mente sao as ma�s . an�quilantes ', por exemplo, a indignação, o protesto, a recnmmaçao, a revolta.
Q�e é .revo�ar-se? É dizer não, sem dúvida: não, não
tolerarei mais, nao posso mais suportar. Mas o escravo que se revolta contra o senhor não se nega apenas ao senhor afmn'
t �r razao; como. JUSt�men!e ? dizia Camus; sem poder perceber .... . ' a todas as respectivas mferenc1as metafísicas: "Ao mesmo tempo �ue. a re�ulsa f�ce ao intruso, há em tôda revolta uma adesão mtena e mstantanea do homem a uma certa parte de si mesmo"
t " d '
e ac;escen ava: nem to o valor acarreta a revolta mas todo �ov1me!llo de ,revolta invoca tàcitamente um valor;,. Adesão, m�ocaçao, voc�bul?s sup.remamente p.ositivos. Dir-se-á que 0
objeto da adesao e precisamente aqmlo que não é pois que aguela parte de si mesmo que o escravo ergue peran
t
e o senhor nao tem lugar neste mundo? Essa parte não tem lugar no dado, no ser fora de mnn, mas a adesão que fomenta a revolta é a satisfação de um "eu sou" para além do ser-dado um "eu sou" estritamente igual a um "eu valho". A adesão;
ai diretamente à existência-valor, à dignidade, a qual não é só ausência face ao mu�do, mas tensão d? ser; o voto que "outrem seja" aí se acha simplesmente abreviado em um "isto deve ser feito"· as sim1 o "deve ser feito" do valor e o "que êle seja" da existê
ncia de outrem são estritamente recíprocos.Parece�me, por conseguinte, que não podemos mais ter o valor por snnples falha, se êle é a formulação ativa de exis tência alheia, enquanto correlativa da minha. Pelo valor eu m,e sup�ro no outro . . Ac:ito que êle seja, a fim de que eu
i
ambem seja, que. e� seja nao apenas como um querer-viver, mas �orno uma eXIstencm-�alor_: Não direi, portanto, que o valor e falha, mas que a s1tnaçao, enquanto escandalosa, é carente de valor, falta ao valor. São as coisas que não têm valor e não
ai- '
os v ores que carecem de ser.
Esta discussão não foi vã: se o existencialismo confere pri vilégio ao momento da recusa, do desafio, do ato de arrancar ao dado, é que de um lado o momento de redução do dado ao
nada é sempre obscurecido por uma vontade culposa de ani
quilação de outrem; mas a reflexão filosófica é purificadora na
medida em que discerue o núcleo da afirmação atrás da cólera, e a generosidade atrás da vontade implícita de assassinar; por outro lado, o momento de existência-valor de outrem, que é a alma do respeito, é sempre obscurecido por uma tendência mis tificadora a ocultar essa afirmação sob o manto das solenes abstrações: justiça, liberdade . . . Mas, a posição da existência pela existência, da existência do outro como condição de minha existência plena e inteira, não me condena a uma filosofia das essências mas orienta-me a uma filosofia do ato de existir. A ilusão do existencialismo é dupla: infunde a denegação umas paixões que a têm encerrada no negativo, crê que a alternativa face à liberdade-nada é o ser petrificado na essência.
Detenhamo-nos, nesta fase de nossa reflexão recuperadora de afirmação, no próprio cerne da reflexão aniquilante. Disse mos de início: o poder de denegação da consciência é uma ne gação de segunda linha; é uma negação de negação, pois que o não-ser de limitação é o não-ser de primeiro grau. A possi
bilidade de tornar a encontrar uma afirmação na denegação
achava-se dêsse modo aberta por essa análise. Dissemos depois: pode-se de fato tornar a encontrar sempre uma afirmação im
plícita às negações mais virulentas da consciência: ruptura com o passado, ingresso no futuro pela revolta. Será preciso ir mais longe? Poder-se-á mostrar a necessária subordinação da nega
ção à afirmação? Em outras palavras terá a afirmação valor de fundamento?
5 . A AFIRMAÇÃO "ORIGINÁRIA"
., É, p�is, o caráter originário da afirmação que está em
Jogo. Creio que se esta via parece tantas vêzes bloqueada, é porqu.e de início se atribui ao ser uma idéia pobre e estreita, reduzido ao estatuto de ' . coisa, de dado bruto - ou de ' es-
sencza, que por sua vez é grosseiramente identificada a certo
paradigma imutável e sem relações, como a Idéia platônica in terpretada pelos "Amigos das Formas" que Platão precisamente
332
i
combate no Sofista. 1lste ponto é claro em Sartre: é sua noção
de ser en: si que s�':"e de base à su_a. noção de não-ser, que é por demais _pobre, Ja se ac�ando reificada; a partir dêsse mo mento, o nao-ser que a realidade humana é em si mesma, não é não-ser de todo ser, mas da reificação que invade meu corpo, meu pa�sado, graças a um.a espécie de vazio, de sedimentação,
de recaJ
�
a. no s�n� do mmeral; �e Sartre pôde assim praticar uma especJe de h1potese do ato amqmlante em um não-ser atual é que êle previamente rebateu o ser sôbre o dado, sôbre o mun: dano fora de mim e em mim; desde então tudo quanto êle de monstrou é que para ser-se livre, é preciso que nos tornemos não-coisa; mas não-coisa não é não-ser; nothing is not not-being; é aqui, ao meu ver, o ponto difícil de sua filosofia; sua
filosofia do nada é a conseqüência de uma insuficiente filosofia do ser; em particular, tôda a sua teoria do valor é onerada por essa deficiente concepção do ser; se o ser é o dado bruto, o valor que de certo modo areja o dado, que introduz no ser um
dever-ser, não pode mais senão lacuna e falha; exclui-se tôda possibilidade de fundamentar numa afirmação superior os atos que conduzem ao nada, sob pena de recair-se na cilada inicial; o ser não pode mais constituir recurso; é armadilha; é visgo, e não impulso e fundamento; o valor deve extrair o ser de sua exigência, e não a exigência de seu ser e só lhe fica o recurso de reportar-se ao não-ser da liberdade para fazer existir o va lor como valor, "pelo simples fato de reconhecê-lo como tal"
(pág. 76) ; "na qualidade de ser pelo qual os valôres existem, sou
injustificável" e minha liberdade se angustia de ser "o funda mento sem fundamento dos valôres" (ibidem) .
Por conseguinte, não seria conveniente caminhar em senti do contrário? Em lugar de obstruir de início nossa idéia do ser, de fechá-la em tôrno de uma noção do em-si construída por inteiro pelo modêlo da coisa, perguntemo-nos ao contrário aquilo que deve ser o ente para constituir a alma da denegação, da dúvida e da revolta, da interrogação e da contestação.
O benefício de uma meditação sôbre o negativo não é
construir uma filosofia do não-ser, mas de referir nossa idéia do ser para além de uma fenomenologia da coisa ou uma me tafísica da essência, até êsse ato de existir do qual indiferen temente se pode dizer que é sem essência, ou que tôda sua essência está no existir. Mas tal afirmação é acaso necessária?
Nasceu a filosofia com os pré-socráticos, com aquela imen sa descoberta de que pensar é pensar o ser, e que pensar o ser,
é pensar a &px� segundo o duplo sentido de comêço e de fun damento de tudo quanto podemos estabelecer e deixar de es tabelecer crer e duvidar. Foi o Anaximandro, a acreditar nos