• Nenhum resultado encontrado

vra, Isto e, um publico que tenha opiniões e uma opinião que

No documento Historia e Verdade Paul Ricoeur (páginas 137-153)

disponha de expressão pública. Vê-se �quilo que_ tal coiEsa t�.

igc: a ue p"'rtença a seus lcttores c nao ao s a o e

uma 1mprens q ' - ·

f d cons

. rb dade de informação C expreSSaO SCJU111 garan I as - -

����

i�n

��

e econômicamente; Stálin foi poss,ívc

; . porq�c . ne-·

· · -

'blica havia p3.ra dar com�ço a CI Itica. E amd:1

nhuma opmtao pu ' ' c

A .1 d' st:lin

Unicamente o Estado pós-staliniano que püL e tzer que . a

era mau e não o povo.

f - . d

o

xercício independente da justiça e a ormaçao ��� e-

d nte da opinião são os dois pulmões de um Estado pohl!ca-

pen e . .

1 . .

mente sadio. Fora disso, e a as IXIa.

Essas duas noções são tão importantes, que �é sôbr� e

as

que se fêz a ruptura do stalinismo; é sôbre a noçao. de JUstrça

e de verdade que se cristalizou a re:olta; o que exphca -� parte

tomada pelos intelectuais na revoluçao . falhada c

a HungtJ� e na

revo1ução vitoriosa da Polônia; se os .n�tclectuaJs, os es

:,

n.tores,

os artistas desempenharam pape1 dccJSJVO nesses acont-.,.,cnncn­

tos é porque 0 que estava em jôgo �ão era, a.lgo de econ

mic.o

c s

cial, malgrad� .a misér.ia e os b�uxos snlan

s;, a q�estao er,a

prOpriamente poht1ca; ma1s exatamente, a qL�cs.tao er

a no: a

"alienação" política que infectava o poder socmlista; ma, o .p�o.­

blema da alienação política, como o sabemos desde o

qm

gw.s,

é 0 problema da não-verdade; n

?

s o apren

em�s t�I.nbe

pela

crítica marxista do Estado burgues que se stt.ua mteu�n�-':'.nte !lo

terreno da nela-verdade, do ser c da aparêncm,. da nustlftcaçao,

da mentira. É muito exatamente aqui que o n:tclectual com�

tal se acha envolvido na política; o intelectual. v�-sc colocado a

frente de uma revolução, e não apenas nas

fileiras, �

esdc que

0 motivo dessa revolução é mais político que ecoaônuco, desde

que ela diz respeito à relação do poder com a verdade c a

justiça.

c) Parece-me em seguida que a democracia do trabalho

requer uma certa dialética e�trc ? Estado e os conselhos ope­

rários; conforme vimos, os mteresses a .lon�o alc_ance . de. um Estado mesmo subtraído à pressão do dmheJro, r�ao comc1dcm

imcdia

Í

amente com 0 dos trabalhadores; isto é e.vtdeJ�te em pe­

ríodo socialista, no sentido preciso ch� 1:ala�ra, rsto. e: em fase

de desigualdade dos salários c especwlizaçao proftss!On.al que

opõe trabalhadores manuais, contrame;tres, d1r�tores: .. n�tel

..,..c­

tuais; islo também é evidente em pcnoJo . de mdust1 mhza�,�o

rápida, e mesmo forçada.: Só, por c�ns�gumte, um

� ��

�antza··

ção das tensões entre o Estado e os s111d1catos que teprc:scntam

274

os interêsses diversos dos trabalhadores pode assegurar a pes� quis� h�sitante de um, equilíbrio viável, isto é, ao ;nesmo tempo econonucamente rentavel e humanamente suportavel o direito de greve, particularmente, me parece ser o único recurso dos

operários contra o Estado, mesmo contra o Estado dos ope­

rários. O postulado da coincidência imediata da vontade do

Estado socialista com todos os interêsses de todos os trabalha­ dores me parece ser uma perniciosa ilusão e um perigoso alibi para o abuso do poder do Estado.

d) Enfim, o problema-chave é o do contrôle do Estado

pelo povo, pela base democràticamente organizada. É aqui que

as reflexões e as experiências dos comunistas iugoslavos e polo­ n_eses devem ser seguid�s e analisadas de perto. Será uma ques­tao de saber se o pluralismo dos partidos, a técnica das "eleições livres", o regime parlamentar, derivam dêsse "universalismo, do Es,tado liberal on pertencem irremediàvelmente ao período burgues do Estado liberal. Não se deve ter idéia preconcebida: nem pró, nem contra; nem em prol do costume ocidental, nem em prol da _crítica radical; não se deve ter pressa demais de

responder. E certo que as técnicas de planificação exigem que

a forma socJahsta da produção não seja mais entregue ao acaso

de uma consulta eleitoral e seja irrevoa-ável como o é a forma

rep�blicana de n�sso govêrno; a execuç

ã

o do Plano exige plenos

poderes, um governo de longa duração, um orçamento a lona-o

tênno; ora, nossas técnicas parlamentares, nossa maneira

d

e

fazer alternar as maiorias no poder, parecem pouco compatíveis com as tarefas da nova racionalidade estatal. Por outro lado

não é menos certo que a discussão é necessidade vital para

Esta

o; é a discu�são .que lhe dá orientação e impulso; é

a dis­ cussao que podera frcmr-lhe os abusos. Democracia é discussão.

B preciso, portanto, que duma maneira ou doutra essa discus­

são seja organizada; é aqui que se situa a questão dos partidos

ou do Partido único. Aquilo que pode militar em favor do plu­ rallsmo _dos partidos é que êsse sistema não tem apenas refletido as .tensoes entre grupos sociais, determinadas pela divisão da

soctedade em classes, tem também proporcionado à discussão

política como tal uma organização, tem portanto tido uma sioni­ ficação "universal" c não apenas "burguesa". Uma análiseb da noção de partido apenas segundo o critério econômico-social me �are�c, pois, perigosamente estreita e propícia a encorajar a tlrama. Eis por que é preciso julgar as noções de partidos múl-

ti los e de partido único não sômente do ponto

?

e vista d� d

nâ-

I' d 1 sscs mas também do ponto de vista das tecmcas

m1ca as c a • , , .

d · · ·

d e con r t O'le do Estado. So a cntica do po er em 1egm1e - l " - socm-1

lista poderia fazer progredir essa questao; ta cntica nao se ac 1a

avançada. . . . , 1• ·

d 1

Não sei se a expressão ''llberahsmo po lhco. po e. sa v ar-se

do descrédito; - talvez sua vizinhança co� o hberahsmo eco­

nômico a tenha definitivamente comprometido, - em

or.a, de

algum tempo para cá, a �tiquêt� "liberal" te;1

?

a a con;;tttmr um

delito aos olhos dos socwl-fasCistas de Algena e Pans e reen-

contre assim sua antiga juventude. . . .

Se se deve salvar a expressão, ela expnmma bastant�. ben;

aquilo que deve ser dito: que o problema central da pohtiC� e

a liberdade· seja o Estado fundando a liberdade pela sua racio­

nalidade, s

ja que a liberdade limita as paixões do poder pela

sua resistência.

276

CIVILIZAÇÃO UNIVERSAL E CULTURAS NACIONAIS *

O problema que aqui se evoca é comum tanto às nações altamente industrializadas e regidas por um Estado nacional antigo, quanto às nações que saem do subdesenvolvimento e de independência recente. O problema é êste:

A Humanidade, tomada como um corpo único, ingressa numa única civilização planetária que representa ao mesmo tem­ po um progresso gigantesco para todos c uma tarefa esmaga­ dora de sobrevivência e adaptação da herança cultural a êsse quadro nôvo. Sentimos todos, em graus diferentes e de manei­ ras variáveis, a tensão entre, ele um lado, a necessidade dessa ascensão e dêsse progresso, c, por outro lado, a exigência de salvaguardar o patrimônio que herdamos. Devo dizer de ime­ diato que minha reflexão não se origina de nenhum desprêzo em relação à civilização moderna universal; se existe um pro­ blema, é justamente porque sofremos a pressão de duas solici­ tações divergentes, mas igualmente imperiosas.

I

Como caracterizar essa civilização universal mundial? Tem-se dito, assaz apressadamente, que é uma civilização de caráter técnico. A técnica não é, entretanto, o fato decisivo e fundamental; o centro de difusão da técnica, é o próprio espí­ rito científico; é êle que primeiramente unifica a Humanidade em nível bastante abstrato, puramente racional, e que, nessa base, dá a civilização humana seu caráter universal.

* f:ste texto é especial para a segunda edição.

É eciso ter presente ao espírito que, se a ci�ncia é. grega

· · :- :pr etlle e depois européia através de Gallleu, Descar-

ongmanam , . d " .

N tol1 etc não é na qualtclad.: e grega c europ�ta, was

tes, ew . · •

1 d

t llumana que ela desenvolve esse poc er c congregar

enquan o ' . .

l . l· d 1 d" . ;t

• · j1,1n1ana· mamfesta uma especte c c umc <1 e c e ne. o

a especte ' ' '

. . . - Q

allda todos os outros caracteres clcssa ct\'thzaçao. uan-

que com '

"d · d 1 . · c1 d

d P o asc al escreve : "a Humam a ele to a poc e ser consl�._.era a

d d .,

Um So• lwmem que sem cessar, aprcn e e se recor a· ,

como '. "

"

t Posição sionifica stmph�smcnte que todo hom�m, posto

es a pro o

; · .

em presença de uma prova de caráter ge?metnco ou expenmen-

tal, é capaz de conclui: da mesma dc�dc que se �enha

beneficiado do aprendtz�do necessan� . . pms, uma um�1ade

puramente abstrata, . racw�al, da �sp�c1e _ humana. que arrasta tôdas as outras mamfestaçoes da ciVIltzaçao moderna.

Em segunda linha colocaríamos, b�1�1 entendido, o desen­

volvimento das técnicas. Êsse compr-ee�1de-se

como uma retomada do instrumental . a p�rtir .das

conseqüências c das aplicações dessa umca �1e:1�ta. Esse ms­

trumental, que pertence ao fund� �ul�ural J?nmttiVo da Huma­ nidade, tem, por si 1nesmo, uma mcrc1a. mmto grande; entregue às suas próprias fôrças, êle tende a sed1mentar-s� em m:1a tra­ dição invencível; não é por fôrça de um movunento mt;rno que um instrumental se modifica, m3s pelo contragolpe sobr� êle exercido pelo conhecimento científico; é pelo pensan:cnt.o que 0 instrumental se revoluciona e se transfor�a na� maqm­

nas. Tocamos aqui numa segunda fonte de umversahda

?

: : . a

Humanidade se desenvolve na natureza como 1�11 ser artiflCJal,

isto é, como um ser que cria tôdas as suas relaçoes c�m a natu­

reza por meio ele �m !l:strumental sem� cessar re\�o

ucwnad� p�­

lo conhecimento cJentJfJco; o home�1 c uma csp�ct� de artthcw

universal; pode-se dizer nesse sent1�l? que �s . tect�Icas, na. me­

dida que são a retomad� elo� utensi.hos _tn�diCIOllats a partir

e

uma ciência aplicada, nao tem mais patrm. l\1esmo qu� seJa

possível atribuir a tal o�u· tal naç

o, a tal ou tal c�ltl�ra, a mven�

ção da escritura alfabcttca, da t�np.ren�a, da m�lquma n vapor

etc., uma invenção pertence de chrelto a . Huma�Idade. Ce�l o �u tarde, ela cria para todos uma situação Irrcverstve1; sua d1fusao pode ser retardada, mas não impedida de modo absoluto . . Esta­ mos, assim, em face de universalidade de fato da Humamdade: desde que uma invenção surgiu em qualquer parte do mundo, ela está prometida a uma difusão universaL As revoluções téc-

278

nicas se adicionam e porque se adicionam, fogem ao enclau­ suramento cultural. Podemos dizer que, com atrasos em tal ou tal ponto do globo, existe uma única técnica mundial. Eis jus­ tamente por que as revoluções nacionais ou nacionalistas, ao fa­ zerem com que um povo chegue à modernização, fazem com que ao mesmo tempo chegue êle à mundialização; mesmo se coisa que veremos dentro de pouco - o impulso é nacional ou nacionalista, é êlc fator de comunicação, na medida em que é fator de industrialização, que conduz à participação d a civiliza­

ção técnica (mica. É graças a êsse fenômeno de difusão que

podemos ter hoje uma consciência planetária e, se ouso dizê-lo, um sentimento vivo ela redondeza ela terra.

No terceiro estágio dessa civilização universal, coloeari� aquilo que chamo com prudência a existência de uma política racional; bem entendido, não subestimo a importância dos re­ gimes políticos; mas pode-se dizer que através da diversidade dos regimes políticos que sabemos, desenvolve uma única espe­

riência da Humanidade c mesmo uma única técnica política. O

Estado moderno tem, enquanto Estado, uma estrutura universal

cliscernível. O primeiro filósofo a haver refletido sôbre essa

forma de universalidade foi Hegel nos Princípios da Filoso/i(/

do Direito. Foi Hegel o primeiro a mostrar que um elos aspec­ tos da racionalidade do homem e ao mesmo tempo um dos aspectos de sua universalidade, é o desenvolvimento ele um Es­ tado que põe em jôgo um direito c desenvolve meios de exe­ cução sob a forma de uma administração. Mesmo se critica­ mos vivamente a burocracia, a tecnocracia, por essa via não atingimos senão a forma patológica própria ao fenômeno racio­

nal que fazemos aflorar. É mesmo provàvelmente necessário i r

mais longe : não sOmente existe a experiência política única d a Humanidade, mas todos o s regimes apresentam certo desenrolar comum; nós os vemos todos evoluírem inelutàvelmentc, desde que se atingem certas etapas ele bem-estar, instrução e cultura, ele uma forma autocrática a uma forma democrática; vemo-los todos à procura de um equilíbrio entre a necessidade d e con­ centrar, e mesmo de personalizar o poder, a fim de tornar pos­ sível a decisão, c por outro lado a necessidade ele organizar a discussão a fim de fazer com que o maior nlnnero de cidadãos participe dessa d2cisão. Desejo, porém, voltar a essa espécie ele racionalização do poder representada pela administração, pois é um fenômeno sôbre o qual a filosofia política não tem

· 0 hábito de refletir. No entanto é �m fatc;r de racic;nalização da história cuja importância não sena poss1vel subes!lmar; po­ demos dizer que nos achamos em face de um Estado puro e simples, de um Estado moder�o,. quando vemos o pode� c��az de estabelecer uma função pubhca, um corpo de func10nanos que preparam as decisões e que as executam sem ser pessoal­ mente responsáveis pela decisão política. Eis aí um aspecto racional da política concernente agora absolutamente a todos os povos do mundo, a ponto de constituir um dos critérios mais decisivos da ascensão de um Estado à cena mundial.

Podemos arriscar-nos a falar em quarto lugar da existência de uma economia racional universal. Sem dúvida, é preciso tratar dêste assunto ainda com mais prudência do que do fenô­ meno precedente, devido à importância decisiva dos regimes econômicos como tais. Não obstante, o que se passa atrás dêsse proscênio é digno de consideração. Além das !p"a':'des opos

}

­ ções maciças que conhecemos, desenvolvem-se tecmcas econo­ micas de caráter verdadeiramente universal; os cálculos con­ junturais, as técnicas de regulamentação dos mercados, os pla­ nos de previsão e de decisão mantêm algnma coisa de compa­ rável através da oposição entre capitalismo e socialismo autoritá­ rio. Pode-se falar de uma ciência e de uma técnica econômicas de caráter internacional, integradas em finalidades econômicas diferentes e que, ao mesmo passo, criam de bom ou malgrado fenômenos de convergência, cujos efeitos parecem de fato me­ lutáveis. Tal convergência resulta de que a economia, tanto quanto a política, tem a influênciá-la as ciências humanas, as quais fundamentalmente não têm pátria. A univers�lida�e de origem e de caráter científico colore finalmente de rac10nalidade tôdas as técnicas humanas.

Pode-se enfim dizer que se desenvolve através do mundo nm gênero de vida igualmente universal; êsse gênero de vida se manifesta pela uniformização inelutável da habitação, do vestuário (é o mesmo casaco que se vê por todo o mundo) ; êsse fenômeno provém do fato que os próprios gêneros de vida são racionalizados pelas técnicas. E estas não são apenas téc­ nicas de produção, mas também de transportes, de relações, de

· · bem-estar, de lazer, de informação; poder-se-ia falar de técnicas cultura elementar e mais precisamente de cultura de consumo; .' assim uma cultura de consumo de caráter mundial que

nm gênero de vida de caráter universal.

li

Agora, que significa essa civilização mundial? Tal signifi­ cação é bastante ambígua e é êsse duplo sentido que cria o problema que aqui elaboramos. Pode-se dizer por um lado que ela constitui um progresso verdadeiro; não obstante, deve êsse têrmo ser bem definido. Existe progresso quando são satisfeitas as duas condições seguintes: de um lado, um fenômeno de acu­ mulação e, de outro, um fenômeno de melhoramento. O pri­ meiro é o mais fácil de discernir, ainda que sejam incertos os respectivos limites. Diria de bom grado que existe progresso em tôda parte onde se pode discernir o fenômeno de sedimen­ tação de instrumental a que faz pouco nos referíamos. Mas é então preciso tomar a expressão em sentido extremamente vasto, de modo a cobrir ao mesmo tempo o domínio propriamente técnico dos instrumentos e das máquinas; todo o conjunto das mediações organizadas postas a serviço da ciência, da política, da economia, e mesmo os gêneros de vida, os meios de lazer, virtculam-se, nesse sentido, à ordem do instrumental.

É essa transformação dos meios em novos meios que cons­ titui o fenômeno de acumulação, o que faz, aliás, com que exista uma história humana; existem sem dúvida muitas outras razões, pelas quais se tem uma história humana; mas o caráter irreversível dessa história prende-se em larga medida ao fato de que trabalhamos como que em fim de instrumental; aqui nada se perde e tudo se adiciona; tal é o fenômeno fundamental. Tal fenômeno pode ser reconhecido em domínios aparentemente muito distanciados da pura técnica. Assim, as experiências infe­ lizes, os malogros políticos constituem uma experiência que se torna, para o conjunto dos homens, assimilável a um instru­ mental. É possível, por exemplo, que certas técnicas de plani­ ficação violenta no tocante à classe rural dispensem concomi­ tantemente outras planificações de reproduzirem os mesmos er­ ros, se pelo menos obedecerem à luz da racionalidade. Pro­ duz-se assim um fenômeno de retificação, uma economia nos meios, que é um dos aspectos mais patentes do progresso.

Mas não se poderia defirtir o progresso como uma acumu­ lação qualquer. É preciso que êsse desenvolvimento represente algo de melhor, sob diversos pontos de vista. Ora, parece-me que essa universalização é, em si mesma, um bem; o fato de aflorar à consciência a noção de uma única Humanidade repre-

senta em si mesma algo de positivo; já se produz, poder-se-ia dizer através de todos êsses fenômenos, uma espécie de reco­ nhec

i

mento do homem pelo homem; a multiplicação das rela­ ções humanas faz da Humanidade uma rêde cada vez mais cer­ rada, cada vez mais interdependente e, de tôdas as nações, de todos os grupos sociais, uma única Humanidade cuja experiên­ cia se desenvolve. Pode-se mesmo dizer que o perigo nuclear nos faz ainda um pouco mais conscientes dessa unidade da es­ pécie humana, de vez que, pela primeira vez, podemos sentir- -nos ameaçados em nosso corpo globalmente. .

Por outro lado, a civilização universal é um bem, porque representa o acesso das massas da Humanidade aos bens ele­ mentares; nenhuma espécie de crítica da técnica poderá contra­ balançar o benefício absolutamente positivo da libertação da carência e do acesso em massa ao bem-estar; até o presente viveu a Humanidade de certo modo por procuração, seja através de algumas civilizações privilegiadas, seja através de alguns gru­ pos de elite; é a primeira vez que entrevemos, de dois séculos a esta parte na Europa, e partir da segunda metade do século

XX para as imensas massas humanas da Ásia, Africa e Amé­

rica do Sul, a possibilidade de uma ascensão das massas a um bem-estar elementar.

Além disso, essa civilização mundial representa um bem por fôrça de uma espécie de mutação na atitude da Humanidade tomada em conjunto em face de sua própria história; sofreu a Humanidade em conjunto a própria sorte como um destino hor­ roroso; e isso ainda ocorre provàvelmente para mais de metade

dessa Humanidade. Ora, o acesso em massa dos homens a cer­ tos valôres de dignidade e autonomia é fenômeno absoluta­ mente irreversível, que é por si mesmo algo de bom. Vemos subirem à cena mundial grandes massas humanas que até agora se achavam em estado de mudez ou esmagamento; pode-se dizer que um número crescente de homens estão conscientes de pro­ duzirem a história; pode-se falar para êsses homens de uma verdadeira .ascensão à maioridade.

Enfim, eu não desprezaria em absoluto aquilo que faz pouco denominei a cultura de consumo e da qual todos dum modo ou doutro nos beneficiamos. É certo que um número crescente de homens atinge hoje essa cultura elementar cujo aspecto mais notável é a luta contra o analfabetismo e o desen­ volvimento dos meios de consumo e de cultura básica. Ao passo

que, até os últimos decênios, havia somente uma pequena fração da Humanidade que apenas sabia ler, podemos hoje ter a espe­ rança de que dentro de mais alguns decênios ela terá passado em massa o limiar de uma primeira cultura elementar. Digo que isto constituiu um bem.

É entretanto de outra parte necessário admitir que tal de­ senvolvimento apresenta um caráter contrário. Ao mesmo tem­

No documento Historia e Verdade Paul Ricoeur (páginas 137-153)

Outline

Documentos relacionados