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Segundo pesquisas de Garibaldi Wedy273 sobre os conflitos violentos no processo

eleitoral de 1934, no início de outubro daquele ano começaram a ser veiculadas notícias de atentados políticos em Soledade. Na versão dos membros da Frente Única Gaúcha (FUG), no dia 3, os “capangas” do prefeito Francisco Müller Fortes (PRL) teriam invadido a residência do frentiunista Cândido Carneiro Júnior, ameaçando um peão e sua esposa. O coronel Candoca, como era conhecido o chefe do Estado Maior dos revoltosos de 1932, já estava fora da vila devido às ameaças. A casa de Albino Senger (FUG) também teria sido invadida. Mencionavam prisões e espancamentos realizados pela polícia e pela Guarda Municipal, isentando a Brigada Militar das ações violentas. Os dirigentes da FUG destacavam que o delegado de Polícia de Soledade tinha conhecimento sobre as ameaças aos “adversários políticos do prefeito”.

Em 15 de dezembro de 1934, na véspera da eleição suplementar, um polêmico tiroteio vitimou Kurt Spalding274. De descendência alemã275, ele chegou a Soledade em 1907. O

coronel Spalding era farmacêutico e proprietário da Farmácia Serrana. Atendia doentes no interior do município e recebia os vizinhos em sua casa para as festas comemorativas tradicionais como Páscoa, Natal e Carnaval. Politicamente, era do Partido Libertador, foi presidente do Conselho Municipal na gestão do agrimensor e capitão Leonardo Seffrin (1928- 1931) e atuou como médico da coluna revolucionária da FUG em 1932. Uma versão apresentada para o tiroteio era de que três homens armados invadiram sua casa, atingindo-o mortalmente. No momento do atentado, estava em sua residência o correligionário coronel

273 WEDY, Garibaldi Almeida. Soledade: fatos políticos, violências e mortes, reminiscências. Década de 1930-1940. Porto Alegre: Editora Renascença, 1999, p. 36-8.

274 Ibidem, p. 94. O autor apresenta duas fotografias onde aparece: Candoca, seu irmão Pedro Carneiro, Kurt Spalding, Guilherme Vasconcellos, Vivaldino Camargo, Leonardo Sefrim, Lisbôa, Mario Carneiro, Fernando Seffrin e Jacques Camargo, entre outros não identificados. Eles compunham um grupo político com poder em Soledade.

275 Kurt Spalding nasceu em 12 de abril de 1884, em Triunfo. O pai, Louis Emil Spalding era natural da Alemanha, a mãe, Maria Silvéria Riedel Splading, era de Minas Gerais. WEDY, Garibaldi Almeida. Op. cit., p. 16-8, 21.

Candoca que teria reagido “matando um bandido” e atingindo os outros dois, um deles conseguiu fugir e o outro acabou morrendo logo depois. Como responsáveis pelo atentado foram apontados os capangas do prefeito Müller Fortes.276

O coronel Candoca sobreviveu ferido ao atentado e deu conhecimento do ocorrido e de outras violências aos líderes da FUG – Borges de Medeiros e Raul Pilla – através de telegrama. Dizia: a “capangagem armada de fuzil está postada nas estradas, impedindo o comparecimento às urnas dos nossos correligionários.”277 Como reação política à violência,

chamava os frentistas a não comparecerem às eleições. Ele era da Comissão Mista da Frente Única de Soledade e formalizou denúncia ao Tribunal Regional Eleitoral, pedindo a impugnação do processo eleitoral, acusando as autoridades municipais. O general Candoca foi preso no destacamento da Brigada Militar na vila de Soledade acusado de matar dois dos agressores. Ele pediu ao juiz distrital para submeter-se à cirurgia para retirar uma bala alojada no seu tórax em Passo Fundo. O pedido foi deferido, mas o prefeito teria se negado a atendê- lo. Candoca conseguiu tratamento médico e aproveitou a oportunidade para fugir da prisão ficando quase dois anos fora de Soledade. Em 1936, ele voltou e respondeu ao processo movido pelo Ministério Público, junto com Albino Senger, pelas mortes de Assis Ferreira278 e

Alvino dos Santos Ferreira e pelas lesões a Ricardo Schaffer. Candoca e Albino foram absolvidos. 279

As outras denúncias de violências no processo eleitoral envolviam o subprefeito e subdelegado do quinto distrito de Soledade, Jacuizinho, Godofredo Siqueira. Ele era candidato a deputado estadual no pleito e teria afirmado que não consentiria que um só frentista votasse. Foi acusado de infringir o Código Eleitoral ao ameaçar de morte e espancar eleitores. Godofredo foi responsabilizado pelo homicídio de Bernardino Rodrigues, no sexto distrito do Lagoão, em 1932, praticado por seus “apaniguados”, quando já era subprefeito distrital. Tempo depois, ele mesmo foi vítima de crime violento: foi baleado pelas costas quando regressava do interior do quinto distrito de motocicleta. Foram denunciados por sua morte quatro homens da família Vargas: Antônio Fernandes, Napoleão José, Nelcindo e Waldemar, todos foram absolvidos. 280

O delegado de polícia de Soledade, Macário Serrano, também foi apontado como agente de práticas ilegais. Com cerca de dez soldados armados, estaria “em pé de guerra”, percorrendo o 1o distrito, impedindo o acesso à Vila e “espancando” os eleitores. A Frente

276 FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, p. 169; WEDY, Garibaldi Almeida. Soledade: fatos políticos, violências e mortes, reminiscências. Década de 1930-1940. Porto Alegre: Editora Renascença, 1999, p. 95.

277 WEDY, Garibaldi Almeida. Op. cit., p. 41-2.

278 Assis Ferreira ou Gerôncio Ferreira, conforme WEDY, Garibaldi Almeida. Op. cit., p. 107. 279 Ibidem, p. 38-43, 51, 54, 55-61, 67.

Única Gaúcha solicitou um habeas-corpus para o eleitorado ao juiz distrital. A autoridade judiciária concedeu, mas alertava que não tinha forças policiais para garanti-lo. O chefe de polícia e o secretário do Interior também foram notificados dos acontecimentos e do brutal assassinato do “prócer frentista” João Pereira da Silva, fuzilado na frente da família por sete homens armados de fuzil no Jacuizinho. Em outro telegrama, Francisco Solar, cidadão do Jacuizinho, comunicava ao chefe de polícia que o subdelegado do distrito andava com “seis capangas armados de fuzis de guerra espancando cidadãos pacatos em plena rua do povoado”. Sua casa estaria cercada por eles com a finalidade de matá-lo.281

Além desses crimes, também era noticiada a tentativa de assassinato de Caio Graccho Serrano (FUG), que formou o estado maior dos rebeldes em 1932. No dia da eleição, outro subprefeito, Barroso, teria buscado reforços em Cruz Alta, na Colônia 15 de Novembro. Eram cerca de 30 homens armados, que estariam “espalhando o terror com ameaças e espancamentos”. O advogado da FUG e outro delegado do partido, Abelardo Almeida Campos, foram ameaçados de prisão e que seriam “desfeiteados”. Foi solicitado ao Superior Tribunal Eleitoral “força federal” para garantir os “direitos cívicos dos frentistas”. A vila de Soledade estaria sob o comando dos subprefeitos dos 10o e 11o distritos com “dois piquetes

armados de fuzis que foram postados nas estradas donde vinham a maioria dos eleitores da oposição, impedindo a saída.” Até final de dezembro, continuaram as denúncias de ameaças de morte e de que “capangas infestam [a] vila”. A ruptura entre as autoridades locais ficou expressa nas divergências entre o juiz e o prefeito.282 O PRL no poder municipal e estadual

utilizava-se de diferentes meios para influenciar o resultado eleitoral.

A situação de Soledade não ficou pacificada depois das eleições de 1934, ao contrário. O sufrágio acabou acirrando as disputas entre os “estabelecidos” locais, assim como já tinha ocorrido em 1932. Loiva Otero283 apresentou informações do jornal Correio do Povo, de

1935, onde, diariamente, eram noticiadas violências e arbitrariedades políticas no município. O caso de Soledade, conforme foi denominado, denunciava práticas políticas violentas, que incluíam assassinatos cometidos pela situação e pela oposição, predominando as ações ligadas ao prefeito Francisco Müller Fortes, apoiado pelo coronel Victor Dumoncel, subchefe de polícia. O Governo do Estado teria solicitado a presença do coronel e do prefeito de Soledade em Porto Alegre, para que fosse encontrada uma solução para a crise política. Os funcionários da prefeitura estariam recolhendo assinaturas para serem enviadas ao governador do estado, pedindo a permanência de Francisco Müller Fortes no poder municipal. Sua guarda especial, os bombachudos, estava percorrendo a Vila, “distribuindo boletins” elogiosos ao prefeito.

281 WEDY, Garibaldi Almeida. Soledade: fatos políticos, violências e mortes, reminiscências. Década de 1930-1940. Porto Alegre: Editora Renascença, 1999, p. 111.

282 Ibidem, p. 57.

Ainda em 1935, uma Comissão Parlamentar284, composta pelo deputado estadual Viriato

Dutra, irmão de Vazulmiro285, e Maurício Cardoso286, esteve em Soledade para apurar

denúncias de irregularidades administrativas.

Para Loiva Otero287, o conflito não chegou a ser totalmente pacificado, a rivalidade

aberta entre Vazulmiro e Dumoncel acrescentou mais violência política à região. Vazulmiro estava na oposição municipal em Soledade e queria retirar o município do controle da 3a

região policial – chefiada por Dumoncel –, e queria integrá-lo à 5a região policial, à qual

comandava. O poder político dos coronéis Victor Dumoncel e Vazulmiro Dutra – embora rivalizado entre eles – garantia os altos índices eleitorais obtidos pelo PRL nos sufrágios de 1933 e 1934. Em julho de 1933, prefeitos da região, enviaram um manifesto ao interventor federal no Rio Grande do Sul, general Flores da Cunha, em face da instabilidade política estadual, “hipotecando solidariedade política a Dumoncel” indicavam o coronel para comandá-los em caso de luta armada. O prefeito de Soledade subscreveu o documento ao lado dos colegas de Carazinho, Cruz Alta, Ijuí, Júlio de Castilhos, Santa Maria e Tupanciretã.

A historiadora Loiva Félix aponta que nas “matas de Soledade” concentravam-se um grande número de “bandidos e marginais”, de passagem, em fuga para outros estados, ou refugiando-se. Na região, podiam prestar serviços para os coronéis. Esses contingentes humanos, armados de forma privada, eram constituídos a partir de uma população masculina adestrada no uso da força física e no manuseio de armas de fogo, que se escamoteava nas florestas e viviam a margem das relações sociais, eram mobilizados para práticas de coerção violenta e de interferência na política partidária e na administração do estado. A formação desses grupamentos, sua composição étnica e seus vínculos com a sociedade envolvente, ainda podem ser melhor estudados.