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Na justiça, denúncia de violência e premeditação

Os entraves para o andamento do processo crime pela morte de Deca França e Antônio Vidal não estavam somente na Delegacia de Polícia de Sobradinho. Da conclusão, em 11 de março de 1940, os autos só chegaram ao promotor no final do ano, em 11 de dezembro. Antes disto, em 28 de maio, mais uma vez o escrivão Eloy de Oliveira Brito informou que, ao reassumir as funções do cargo, encontrou os autos parados. Registrou, novamente, a conclusão e remeteu ao juiz. O despacho seguinte à conclusão foi, possivelmente, do juiz Pacheco477 para que os autos permanecessem no cartório até a chegada do promotor ao

município. Em 11 de dezembro, o escrivão designado, Berto Lazzari, informou ao juiz de Sobradinho que “por determinação verbal de V.S., no arquivo de autos parados do titular do cartório, sr. Eloy de Oliveira Brito, em sua casa, encontrei os presentes autos.” Afirmou, ainda, que, quando assumiu o cartório, em substituição ao titular, o processo não constava da relação e nem lhe havia sido entregue.478

Finalmente, em 8 de janeiro de 1941, mais de dois anos após as mortes, o promotor público da Comarca de Candelária, Olavo de C. Freitas, ofereceu denúncia contra os militares

476 RIO GRANDE DO SUL. Justiça Pública, Comarca de Candelária, Termo de Sobradinho. Processo crime sumário. Réus: cabo Antonio Porto, praça Lucas Campos Galvão, Pedro Simon, José Henrique Simon, Benedito Paulo do Nascimento, Aparicio Miranda e João Elberto Oliveira. Vítimas: André Ferreira França e Antônio Mariano dos Santos. Sobradinho, Escrivania do Juri, 1938-1942, v. 1, p. 22.

477 A assinatura não é clara.

478 RIO GRANDE DO SUL. Justiça Pública, Comarca de Candelária, Termo de Sobradinho. Processo crime sumário. Op. cit., v. 1, p. 24v. (APERS)

– cabo Antônio Porto e soldado Lucas Campos Galvão –, do 3o regimento da cavalaria da

Brigada Militar de Passo Fundo –, e os civis – Aparício Miranda, Benedito Paulo do Nascimento, João Elberto de Oliveira, José Henrique Simon e Pedro Simon –, residentes no sexto distrito de Soledade. Todos foram “incursos na sanção do art. 231 combinado com o art. 294 da Consolidação das Leis Penais”. A legislação penal de 1932, em seu artigo 231, da Secção VI - caracterizava excesso ou abuso de autoridade e usurpação de funções pública -, penalizava com a perda do emprego ou suspensão daquele que “cometer qualquer violência no exercício das funções do emprego ou a pretexto de exercê-la”. O artigo 294, referia-se ao homicídio, prevendo agravamento, entre outros casos, previsto no artigo 39, inciso 2o “ter

sido o crime cometido com premeditação, mediando entre a deliberação criminosa e a execução o espaço, pelo menos, de vinte e quatro horas”; inciso 11o “ter sido o crime

cometido com arrombamento”; inciso 13o “ter sido o crime ajustado entre dois ou mais

indivíduos;” inciso 14o“ter sido o crime cometido (...) em casas onde se celebrarem reuniões

públicas”.479

Com base na denúncia, supõe-se que a promotoria defendia a tese de conluio, premeditação, arrombamento, violência e abuso de autoridade. Apesar disso, a denúncia reproduziu a versão do cabo prestada na delegacia de Arroio do Tigre, ao tenente Sady Bastos: os dois militares chegaram pela porta da frente, os monges teriam reagido à voz de prisão com duas facas, a partir do que os dois funcionários da Brigada Militar “fizeram uso de seus revólveres, ocasionando a morte de André Ferreira França e Antônio Mariano dos Santos.” Parece que o objetivo de consolidar a versão de resistência armada à voz de prisão e do quase inevitável uso de armas pelos brigadas estava sendo alcançado. De qualquer forma, o promotor expressou sua opinião sobre o que vinha ocorrendo no interior dos municípios de Soledade e Sobradinho e seus participantes. Referiu-se à “seita” dos barbudos e à “chefia” do

monge Deca e “seus adeptos, na totalidade pessoas sem nenhum conhecimento, viviam ora se

reunindo numa casa, ora noutra”. Como testemunhas de acusação, arrolou José Crespim da Rosa, Pantaleão Moura da Silva – os dois monges que estavam na casa e que foram presos – e Jorge Kautzmann – o vizinho que deu o alarme da presença de Deca França na localidade.480

Em 10 de janeiro de 1941, o juiz da Comarca de Candelária, com jurisdição no termo de Sobradinho, Aristides Dutra Boeira, solicitou ao juiz municipal de Soledade que interrogasse as testemunhas e avisasse os réus para preparar a defesa. Os civis foram avisados da audiência pelo juiz Carvalho, de Soledade, que informou a impossibilidade do

479 PIERANGELLI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica. Bauru/SP, Editora Jalovi, 1980, p. 332-3, 365-6, 379.

480 RIO GRANDE DO SUL. Justiça Pública, Comarca de Candelária, Termo de Sobradinho. Processo crime sumário. Réus: cabo Antonio Porto, praça Lucas Campos Galvão, Pedro Simon, José Henrique Simon, Benedito Paulo do Nascimento, Aparicio Miranda e João Elberto Oliveira. Vítimas: André Ferreira França e Antônio Mariano dos Santos. Sobradinho, Escrivania do Juri, 1938-1942. Promotoria Pública de Candelária. V. 1, p. 2-3. (APERS)

comparecimento de João Elberto de Oliveira por ele estar preso na cadeia local. A audiência dos réus civis foi marcada para 10 de abril. O juiz da Comarca, Aristides Boeira, e o promotor público, Ivânio da Silva Pacheco, acompanharam os depoimentos.

Os acusados pouco declararam. A exceção foi do jovem agricultor José Simon, filho de Pedro Simon, com 23 anos, solteiro, nascido e residente nas Tunas, e “inimigo” de José Crespim e Pantaleão Moura. Afirmou que os civis foram “convidados” a acompanhar o cabo e o soldado na diligência, “não lhe sendo revelada em que consistia”. Atendeu a ordem: “o cabo mandou que cercassem a dita casa e dali do lugar onde mandou que ficassem não deviam arredar o pé [...] o declarante ouviu de seis a oito tiros, mas não pôde precisar como se desenrolou o conflito, por isso que estava postado nos fundos da casa e o fato ocorreu na frente desta”481.

Benedito Paulo do Nascimento, 43 anos, agricultor, casado, natural de Soledade, residindo em Tunas há 6 anos, e Pedro Guilherme Simon, 54 anos, lavrador, casado, natural de São Pedro, morador da colônia das Tunas há 25 anos, também se declararam “inimigos” de Crespim e Moura. Aparício Manoel Miranda482, casado, analfabeto, natural de Soledade e

residente na colônia das Tunas há 20 anos, “colono”, com “trinta e poucos anos de idade”, acreditava ser “desafeto” de José Crespim e Pantaleão Moura, por ter acompanhado a escolta, após “intimado” pelo cabo Porto. Declarou-se inocente.483

Os agricultores e lavradores acusados eram todos moradores da colônia das Tunas. Cabe destacar que essa colônia foi estabelecida no início do século XX, em terras devolutas de florestas de Soledade. Os vários projetos de colonização estabelecidos no município nessa mesma época atraíram a vinda de migrantes de áreas coloniais mais antigas, formando colônias mistas com descendentes de alemães, italianos e populações locais, que puderam adquirir lotes de terras desses empreendimentos. Assim, ítalo-brasileiros provenientes de Anta Gorda, Caxias, Dona Francisca e Guaporé se estabeleceram em Espumoso, Itapuca, São Paulo e Sobradinho. Agricultores teuto-brasileiros, alguns procedentes de Santa Cruz, foram para Arroio do Tigre e Tunas. Em janeiro de 1903, três anos após o início desse processo colonial,

481 RIO GRANDE DO SUL. Justiça Pública, Comarca de Candelária, Termo de Sobradinho. Processo crime sumário. Réus: cabo Antonio Porto, praça Lucas Campos Galvão, Pedro Simon, José Henrique Simon, Benedito Paulo do Nascimento, Aparicio Miranda e João Elberto Oliveira. Vítimas: André Ferreira França e Antônio Mariano dos Santos. Sobradinho, Escrivania do Juri, 1938-1942, v. 1, p. 29-29v. Interrogatório do réu José Henrique Simon.

482 Segundo o pesquisador Tiago Lemões da Silva, da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), é possível que Aparício Manoel Miranda seja filho de Manoel Antônio Miranda e Generosa Xavier. Neste caso, ele era casado com Belmira Xavier, filha de João Locádio [ou Leodário] da Silva e Maria Josefa Xavier. Os pais de ambos eram escravos [ou ex- escravos] oriundos da região de Pelotas. Locádio teria sido raptado quando criança sendo criado na casa de Filisbino Xavier, ex-escravo, morador de Soledade. Pai e sogro, Manoel e João Locádio, teriam participado de guerras e revoluções. Aparício e Belmira trabalharam para Pedro Simon [ou Simão], descendente de alemães, primeiramente na Coloninha (distrito de Arroio do Tigre) e, depois, no Fão (na década de 1970) e no Sítio Alto. No início do século XX, nessa região viviam famílias recém-saídas do regime escravista. Aparício era negro e tido como uma espécie de policial da região, que perambulava de cavalo. Aparício e outros ex-escravos lutaram na batalha do Fão em 1932. Conforme informação por e-mail de 20/11/2012, 14:11, Tiago Lemões da Silva < tiagoufpel@yahoo.com.br >

483 RIO GRANDE DO SUL. Justiça Pública, Comarca de Candelária, Termo de Sobradinho. Processo crime sumário. Op. cit., Interrogatório do réu Aparicio Manoel Miranda. V. 1, p. 28. (APERS)

Tunas já passava a condição de vila, sede do sexto distrito de Soledade.484 No caso dos réus,

eles eram provenientes de Soledade. Percebe-se, assim, que a ação que vitimou o curandeiro Deca França partiu de moradores das coloniais mistas do Arroio do Tigre e das Tunas, possivelmente descendentes de alemães.

Sobre o réu Pedro Guilherme Simon485, verifica-se que ele tomou parte do levante de

1932. Em setembro daquele ano, ele assinou o Manifesto ao Povo do Rio Grande do Sul, junto com outros conterrâneos, republicanos e libertadores, tais como Olmiro Ferreira Porto, Ludovico Thomasi, Inácio Dihel e Deodoro Serrano, onde eram apresentadas as razões desses soledadenses para aderirem à causa constitucional ao lado dos paulistas. Em Soledade a insurreição foi chefiada pelo comandante do 33o corpo auxiliar da Brigada Militar, coronel

Cândido Carneiro Júnior, conhecido como Candoca, vinculado ao Partido Libertador (PL). Ele foi proclamado comandante em chefe das forças revolucionárias constitucionalistas de Soledade com outros três coronéis – Caio Graccho Serrano, Hércules Boccardi486 e Urbano

Benigno dos Santos – que formaram o estado maior da rebelião487, conforme exposto no

capítulo 2.

Os acusados declararam não dispor de recursos para a defesa, por isso foi nomeado como assistente o advogado Henrique de Freitas Lima Filho. Ele havia sido juiz municipal de Sobradinho até, pelo menos, 1935. Em novembro de 1937, Henrique Lima Filho esteve envolvido em disputas políticas municipais. Juntamente com um grupo de cidadãos, entre eles advogados, funcionários da prefeitura, comerciantes de fumo e o delegado de polícia, Antônio Pedro Pontes, denunciaram ao interventor Daltro Filho que o prefeito, o comerciante Santo Carniel, andava percorrendo o município “coagindo pobres colonos a assinarem pedido de sua permanência na prefeitura”.488 O advogado também conhecia a história dos barbudos desde o

início. Como foi apontado no capítulo anterior, ele acompanhou as diligências do capitão

484 BANDEIRA, Aurélio. Aspectos Históricos. In: BRIDI, Eda Thereza Piccinin (coord). Histórico de Sobradinho. Venâncio Aires: Ouro Verde, 1976, p. 19; MÜLLER, Armindo L. “A comunidade evangélica alemã de Nova Colônia de Sobradinho”. In: MUSEU HISTÓRICO VISCONDE DE SÃO LEOPOLDO/INSTITUTO HISTÓRICO DE SÃO LEOPOLDO. IV Simpósio de história da imigração e colonização alemão no Rio Grande do Sul 1980. Anais 1987. São Leopoldo: Gráfica Unisinos, 1987, p. 42, 49-51; GERTZ, René E. O Perigo Alemão. Porto Alegre, Ed. da

Universidade/UFRGS, 1991, p. 35; PELLANDA, Ernesto. Imigração e Colonização Italiana. In: BECKER, Klaus (org.).

Enciclopédia Rio-Grandense. V. 1. 2a. ed. Porto Alegre, Sulina, 1968, p. 146; FRANCO, Sérgio da Costa. Soledade na história. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Soledade, 1975, p. 105; RIO GRANDE DO SUL. Assembleia

Legislativa/Comissão de Estudos Municipais. Os novos municípios gaúchos: Tunas. Porto Alegre: Assembleia Legislativa, 1988, p. 17; FORTES, Amyr Borges & WAGNER, João B. S. História administrativa, judiciária e

eclesiástica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1963, p. 29.

485 Possivelmente seja o mesmo Pedro G. Simon que compôs a chapa da Aliança Libertadora no pleito municipal de 16 de agosto de 1924. O candidato a intendente pela chapa foi Henrique Bohrer Sobrinho, que não se elegeu. Entre 1857 e 1859 chegaram ao Rio Grande do Sul, provenientes da Alemanha e da Prússia, lavradores católicos e protestantes da família Bohrer.

486 Vice-prefeito de Soledade de 1928 a 1931.

487 FRANCO, Sérgio da Costa. Soledade na história. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Soledade, 1975, p. 126. 488 SOLEDADE. Correspondência Expedida. 1937. Lata 128, maço 384. (AHRGS)

Riograndino da Costa e Silva489, em abril de 1938. A atuação do ex-juiz municipal de

Sobradinho na defesa dos réus foi fundamental para absolvê-los.

Em janeiro de 1941, o juiz do processo tomou conhecimento de que o cabo Antônio Porto havia deixado a Brigada Militar e que o soldado Lucas de Campos Galvão estava destacado em Soledade. Em 5 de julho, o oficial de justiça de Soledade informou que o ex- cabo Porto estava trabalhando na Aviação Férrea, em Passo Fundo. Em abril, o juiz Aristides Boeira resolveu tomar outras medidas para ouvir o soldado Lucas, uma vez que a precatória expedida, em 11 de janeiro, para Soledade, ainda não tinha sido respondida. Em junho, através de telegrama, Boeira solicitou novamente ao colega de Soledade a devolução das precatórias, reiterando o pedido feito em abril, de transferência para a cadeia de Sobradinho de João Elberto para depor, uma vez que ele estava preso, aguardando apelação de outro processo. Pediu, ainda, que o soldado e o cabo fossem avisados para depor em 16 de julho. Por fim, alfinetou: “conforme carta enviada a esse Juízo em onze de janeiro último, até esta data não devolvida”.490

O lavrador João Elberto de Oliveira, 30 anos, analfabeto, casado, natural de Soledade e residente em Tunas, depôs pela primeira vez em 16 de julho de 1941. Declarou-se pobre, sendo nomeado como seu defensor o advogado Pedro da Costa Gouvêa. Mais prudente do que os demais citados, talvez devido às detenções na cadeia de Soledade, deixou a defesa para o advogado, o que acabou não se efetivando. O nome do réu Oliveira não aparece na defesa coletiva formulada pelo advogado Henrique Lima Filho.

O soldado da Brigada Militar Lucas de Campos Galvão, 24 anos, analfabeto, solteiro, natural de Lagoa Vermelha e residente em Passo Fundo, há 18 anos, depôs no dia seguinte, em 17 de julho. Com relação às testemunhas, registrou que desconhecia Evaristo da Silva. Por ser pobre, foi nomeado o advogado Henrique de Freitas Lima Filho para a sua defesa. Seu depoimento foi esclarecedor, particularmente sobre as circunstâncias em que foram baleados França e Santos. Ao que parece, por ter ficado ausente dos depoimentos iniciais prestados na Delegacia de Polícia de Sobradinho, esqueceu o combinado e declarou: “a única coisa” que ele fez, “foi abrir a porta da frente na ocasião em que os homens saíram pelos fundos”.491

Esta singela frase do depoente colocaria por terra a versão construída ao longo do processo se, de fato, as autoridades quisessem apurar as reais circunstâncias que vitimaram os dois barbudos. Foi repetido à exaustão, no conjunto dos depoimentos, que os militares

489 COSTA E SILVA, Riograndino. Viagem a Sobradinho e Soledade, 23 de abril de 1938. Rascunho manuscrito dos telegramas enviados. Cópia do arquivo particular de Riograndino da Costa e Silva.

490 RIO GRANDE DO SUL. Justiça Pública, Comarca de Candelária, Termo de Sobradinho. Processo crime sumário. Réus: cabo Antonio Porto, praça Lucas Campos Galvão, Pedro Simon, José Henrique Simon, Benedito Paulo do Nascimento, Aparicio Miranda e João Elberto Oliveira. Vítimas: André Ferreira França e Antônio Mariano dos Santos. Sobradinho, Escrivania do Juri, 1938-1942. V. 1, p. 49. Telegrama Juiz de Direito Candelária, 14/06/1941, para Juiz de Direito de Soledade. (APERS)

chegaram pela frente, enquanto os civis postaram-se nos fundos da casa. Se o soldado, que negou a autoria do homicídio de Antônio Mariano dos Santos, afirmou que os “homens saíram pelos fundos”, supõem-se que as vítimas foram alvejadas pelos civis. É justo pensar, ainda, que a iniciativa dos disparos foi atribuída aos militares como forma eficiente de eximir de culpa os civis que participaram do cerco. Estaria o cabo Porto também nos fundos da casa?

O depoimento do soldado tornou frágil a versão construída pelo cabo Antônio Porto: 1) que os militares se encontraram com os dois monges na porta da frente; 2) que os barbudos teriam resistido à voz de prisão; 3) que teriam investido contra os militares com as duas facas de cozinha; 4) que houve luta corporal; 5) que os policiais reagiram em legítima defesa, o que teria causado a morte dos agressores. Distraído, Lucas Galvão acabou com o álibi dos civis, associado ao fato dos tiros terem ocorrido na frente da casa, enquanto eles estavam nos fundos. No entanto, esse tipo de detalhe não mereceu a atenção das autoridades da época, pelo menos não no processo.

Mais cauteloso do que no depoimento policial, especialmente agora que era ex-cabo da Brigada Militar Antônio Porto492, 31 anos, casado, natural de Ijuí e residente em Passo

Fundo há seis anos, respondeu ao interrogatório em 05 de agosto de 1941. Porto optou por nada declarar, afirmando que “oportunamente provará” sua inocência. Afirmou ser pobre e, por isso, foi nomeado Henrique Lima Filho como assistente judiciário. Como testemunhas de sua defesa, o ex-cabo Antônio Porto apresentou ocupantes de cargos públicos, autoridades municipais e militares de altas patentes: Abel Ferreira, subprefeito do 8o distrito de Soledade,

Arlindo Rosa, 2o tenente e comandante do destacamento da Brigada Militar de Santa Rosa,

Edgar Ferraz, 2o sargento em serviço no hospital da Brigada Militar de Porto Alegre, Luis

Peigas Goulart, sargento do 3o regimento de cavalaria de Passo Fundo, e o capitão

Riograndino da Costa e Silva, então delegado regional, em Porto Alegre.493

O réu Pedro Guilherme Simon requereu como testemunhas moradores do 3o distrito de

Sobradinho, Arroio do Tigre: Antônio Pereira Vaz, Christiano Freese, Paulo Bernhard, Rodolfo (Rudi) Textor e Theodoro Schaeffer. Benedito Paulo do Nascimento arrolou o então subdelegado de polícia, Sady Corrêa. João Elberto de Oliveira apresentou moradores do sexto distrito de Soledade, Lagoão: Albino Groth, Basílio Lopes e Beno Silveira. O advogado de defesa teve o cuidado de acrescentar outros oficiais da Brigada Militar para a defesa dos civis: os tenentes Antônio Pedro Pontes, delegado de polícia de Sobradinho, e Wandenkok de Freitas Marques, porque os dois “comandaram o contingente desta Força, encarregado da

492 RIO GRANDE DO SUL. Justiça Pública, Comarca de Candelária, Termo de Sobradinho. Processo crime sumário. Réus: cabo Antonio Porto, praça Lucas Campos Galvão, Pedro Simon, José Henrique Simon, Benedito Paulo do Nascimento, Aparicio Miranda e João Elberto Oliveira. Vítimas: André Ferreira França e Antônio Mariano dos Santos. Sobradinho, Escrivania do Juri, 1938-1942. Interrogatório do réu Antônio Porto. V. 1, p. 81-81v (APERS)

repressão contra os Fanáticos deste município e de Soledade”. Para a defesa do soldado Lucas Galvão, Henrique Lima Filho arrolou o major José Rodrigues e o tenente Januário Dutra, delegado de Polícia de Soledade, na época da denúncia ambos eram residentes em Porto Alegre.494 Graças a este fato, tem-se a oportunidade de conhecer a opinião dos comandantes

das forças do Estado Novo que atuaram em Soledade e Sobradinho na repressão aos monges

barbudos. Da mesma forma, pode-se registrar e conhecer o envolvimento de alguns

moradores na perseguição ao movimento religioso.

O advogado Henrique de Freitas Lima Filho atuou como assistente de defesa de todos os acusados. Embora na defesa escrita495 não tenha sido citado o quinto acusado, João Elberto

de Oliveira. No entanto, ele se constituiu defensor à medida que os réus foram sendo localizados pela Justiça. Assim, utilizou como estratégia de defesa dos civis – primeiros a depor – apontou os militares como responsáveis. Na defesa do soldado, o advogado acusou o cabo. Para defender Antônio Porto, radicalizou na acusação dos “fanáticos”. Henrique Filho alegou não proceder a denúncia porque “os mesmos não tiveram participação alguma na morte das vítimas”, nem “cometeram violência de espécie alguma”. Contestou ainda o art. 231 da Consolidação das Leis Penais pelo fato de não serem servidores públicos, portanto com um erro de enquadramento penal. Com relação ao art. 294, que caracterizava a premeditação, o defensor qualificou: os “assistidos, homens pacatos e ordeiros, acudiram com a melhor das intenções ao chamamento de um cabo da BM, que os convidava para que o acompanhassem até a casa de José Crespim da Rosa”. Quanto aos “fanáticos” barbudos,