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Desdobramentos políticos em Soledade e Sobradinho

As vilas de Soledade e Sobradinho tornaram-se cidades em março de 1938.Na década de 1920, o município de Soledade estava organizado em nove distritos: 1o Soledade, 2o

Povoado Vitória, 3o Depósito, 4o Sobradinho, 5o Jacuizinho, 6o Lagoão, 7o Restinga, 8o

Rincão de Santo Antônio e 9o Espumoso. Em 1940, Soledade trocou o nome dos distritos

abandonando a nomenclatura local e religiosa, optando por homenagear personalidades públicas. O primeiro distrito permanecia o da sede, e os outros eram: Barros Cassal, Camargo, Espumoso, Fontoura Xavier, Jacuizinho e Maurício Cardoso. O município de Sobradinho possuía três distritos: o da sede – Sobradinho –, Arroio do Tigre e São Paulo. 221 Na escolha

da sede do novo município de Jacuí, em 1927, teriam pesado critérios políticos mais do que condições de infraestrutura.222

Os municípios de Soledade e Sobradinho estavam economicamente estruturados em bases agrárias desenvolvendo atividades produtivas de criação de animais, cultivo de alimentos, extração de erva-mate e madeira e produção do fumo. O comércio local intermediava a negociação desses produtos e existia um processo industrial incipiente. A administração pública chegava às longínquas e pouco acessíveis áreas rurais de campos e matos do Planalto Médio e da borda da escarpa da Serra através de estruturas distritais como as subprefeituras e subdelegacias de polícia. No aspecto político, a instabilidade foi uma característica da gestão pública em Soledade nos anos 1930, em contraste com a estabilidade de Sobradinho. Enquanto Soledade teve onze prefeitos223, refletindo as tensões políticas pós-

Revolução de 1930, Sobradinho teve cinco, sendo dois períodos de um mesmo administrador

220 CORTÉS, Carlos E. Política gaúcha: 1930-1945. Porto Alegre: Edipucrs, 2007, p. 66-7; NICOLAU, Jairo. Eleições

no Brasil. Do Império aos dias atuais. Rio de Janeiro, Zahar, 2012, p. 73-7, 81.

221 A situação distrital estava em mudança na década de 1930. FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA. De

Província de São Pedro a Estado do Rio Grande do Sul. Censos do RS: 1803-1950. Porto Alegre: Fundação de

Economia e Estatística/Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa, 1986, 2. imp., p. 141; DEPARTAMENTO ESTADUAL DE ESTATÍSTICA. Divisão Administrativa e Judiciária do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Globo, 1943, p. 56; FORTES, Amyr Borges & WAGNER, João B. S. História administrativa, judiciária e eclesiástica do Rio

Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1963, p. 419-21.

222 Segundo a professora estadual Marianinha Nogueira Lopes, que lecionou na colônia São Paulo nos anos de 1940 e 1941, em entrevista realizada em Bagé, em junho de 1987, essa localidade era mais “adiantada” do que Sobradinho: possuía hotel (construído em 1930), hospital, igreja (construída em 1926), o grupo escolar Rui Barbosa, uma escola católica das freiras e prédios de dois e três andares. O meio de transporte mais usado era o cavalo, mas existiam carros e ônibus em circulação. O poder informal era exercido pelo padre: “o que o padre dizia era ordem”. Em 1944, a vila São Paulo adotou o nome de Ibarama, conforme RIO GRANDE DO SUL. Assembleia Legislativa/Comissão de Estudos Municipais. Os

novos municípios gaúchos: Ibarama. Porto Alegre: Assembleia Legislativa, 1988.

223 Conforme informações de FRANCO, Sérgio da Costa. Soledade na história. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Soledade, 1975, p. 103, 120, 135; WEDY, Garibaldi Almeida. Soledade: fatos políticos, violências e mortes,

reminiscências. Década de 1930-1940. Porto Alegre: Editora Renascença, 1999, p. 93-100, 129-132; FILATOW, Fabian.

Do sagrado à heresia: o caso dos monges barbudos (1935-1938). 2002. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de

e outro que permaneceu apenas um dia. São duas experiências distintas de gestão das elites locais. Os registros disponíveis também são desiguais. Soledade teve papel significativo nos movimentos políticos do início dos anos 1930, enquanto que Sobradinho possuía características mais associadas às colônias de produção agrícola.

Tabela 5 - Prefeitos de Soledade na década de 1930

Nomes dos Prefeitos Início e encerramento do mandato Período

1 Leonardo Seffrin,

agrimensor, capitão, eleito (PRR); Vice: Hércules

Boccardi

18 de outubro de 1928 a 03 de março de 1931 2 anos e 4 meses

2 Olívio de Carvalho

Marques, tenente, nomeado

03 de março de 1931 a 23 de janeiro de 1932 10 meses

3 Guilherme Vasconcellos,

comerciante, nomeado

23 de janeiro de 1932 a 12 de agosto de 1932 6 meses

4 João Carmeliano de

Miranda, tenente coronel

12 de agosto de 1932 a 17 de janeiro de 1933 5 meses

5 Amílcar Cunha e

Albuquerque

17 de janeiro de 1933 a 08 de fevereiro de 1934 1 ano 6 Francisco Müller Fortes

(PRL), nomeado

02 de maio de 1934 a 1o de outubro de 1935 1 ano e 5 meses

7 José Campos Borges (PRL), major, nomeado, eleito em

17/11/1935

1ode outubro de 1935 a 25 de maio de 1936 7 meses

8 Reinaldo Heckmann (PRL), médico, presidente da

Câmara Municipal

15 de junho de 1936 a 14 de março de 1938 1 ano e 9 meses

9 Olmiro Ferreira Porto

(PRR/FUG), farmacêutico, subprefeito, nomeado

interino

14 de março de 1938 a 17 de agosto de 1938 5 meses

10 Tissiano Felipe de Leoni, 1o

tenente

31 de agosto de 1938 a 10 de janeiro de 1939 4 meses 11 Otaviano Paixão Coelho,

major

10 de janeiro de 1939 a 10 de janeiro de 1941 2 anos

No município de Soledade, a década de 1930 foi marcada por acirradas disputas pessoais e políticas violentas. A instabilidade local estava ligada à ingerência do poder estadual e à conjuntura política nacional. Os “estabelecidos” de Soledade tiveram notada

participação nos principais embates políticos da década. Um breve perfil dos gestores públicos contribui para que se verifiquem alguns elementos constitutivos do exercício de mando local e para que se demonstre a instabilidade do poder municipal.

Em 3 de março de 1931, o agrimensor Leonardo Seffrin, à época vinculado ao Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), eleito em 1928, não havia terminado o mandato, quando foi substituído. O tenente Olívio de Carvalho Marques foi nomeado em decorrência dos movimentos políticos decorrentes da Revolução de 1930. O militar permaneceu como prefeito municipal, por menos de um ano, até 23 de janeiro de 1932. Segundo Garibaldi Wedy224,

Olívio Marques era “pessoa completamente estranha a Soledade”, sua nomeação poderia ser vista como exemplo da “discórdia política reinante”, onde nem o PRR, nem o Partido Libertador (PL), unidos na Frente Única Gaúcha (FUG), conseguiram efetivar um prefeito local: “Era a luta política, intensa e sem tréguas, clandestina ou pública, com suas inquietações e consequências, muitas vezes, funesta.” Olívio Marques já não estava mais em Soledade, quando foi assassinado.

Nos seis meses seguintes, de 23 de janeiro a 12 de agosto de 1932, foi prefeito nomeado o comerciante Guilherme Vasconcellos, possivelmente filiado ao PRR, mas desautorizado a falar pelo partido.225 Ele foi substituído pelo tenente-coronel João Carmeliano

de Miranda, morador do distrito do Jacuizinho226, que exerceu o poder municipal por cinco

meses, até 17 de janeiro de 1933. Foi em sua gestão que houve o levante da FUG em Soledade em apoio à Revolução Constitucionalista de 1932. Amílcar Cunha e Albuquerque governou Soledade por um ano, de 17 de janeiro de 1933 a 08 de fevereiro de 1934. Em seu lugar, assumiu Francisco Müller Fortes do Partido Republicano Liberal (PRL), conhecido como líder dos bombachudos.

A gestão de Francisco Müller Fortes durou 17 meses, de 02 de maio de 1934 até 1o de

outubro de 1935. Diretamente identificado com o partido do general Flores da Cunha, ele foi envolvido em denúncias de violência durante sua gestão. Contudo, o prefeito Müller Fortes conseguiu intervir decisivamente nos processos eleitorais de 1933 e 1934. Estava em jogo o processo constituinte federal e estadual e a escolha, de forma indireta, dos novos governadores e do presidente da República. Os deputados estaduais e federais eleitos nesses pleitos formularam a Constituição de 1934 e elegeram Getúlio Vargas como presidente da República e Flores da Cunha como governador do estado.

224 Garibaldi Almeida Wedy, formado em direito, foi promotor de Justiça e juiz de direito na Comarca de Sobradinho, foi prefeito nessa cidade e, posteriormente, desembargador. Seu livro é esclarecedor sobre diversos fatos ocorridos na década de 1930 em Soledade. Nesse capítulo, utilizamos largamente as informações do autor. WEDY, Garibaldi Almeida.

Soledade: fatos políticos, violências e mortes, reminiscências. Década de 1930-1940. Porto Alegre: Editora Renascença,

1999, p. 95, 97, 162. 225 Ibidem, p. 97. 226 Loc. cit.

No entanto, em janeiro de 1936, menos de três meses após ter sido afastado da prefeitura de Soledade, o ex-prefeito Müller Fortes foi executado com três tiros de revólver, em frente a sua casa em Cruz Alta, para onde havia se refugiado depois de sua tumultuada gestão em Soledade. Foi nomeado para substituí-lo o major José Campos Borges também do partido governista (PRL). Conhecido como Juquita227, Campos Borges foi sufragado no pleito

municipal de 17 de novembro de 1935, e permaneceu na função até 25 de maio de 1936. Faleceu em 26 de maio, no exercício do mandato, vítima de tiroteio com o correligionário e ex-prefeito Leonardo Seffrin.

Frente ao assassinato do prefeito eleito no exercício do mandato, o presidente da Câmara Municipal de Soledade, médico Reinaldo Heckmann228 (PRL), assumiu em 15 de

junho de 1936 e ficou até 12 de março de 1938, quando foi afastado. O farmacêutico Olmiro Ferreira Porto229 assumiu interinamente em 14 de março de 1938 permanecendo até 17 de

agosto de 1938. Sua gestão foi o acesso ao poder municipal do grupo que combateu ao lado de Borges de Medeiros contra Getúlio Vargas e Flores da Cunha em 1932. Sua gestão coincide com a perseguição aos monges barbudos e ao assassinato de Anastácio Desidério Fiúza e de André Ferreira França. De 31 de agosto de 1938 a 10 de janeiro de 1939, assumiu o 1o tenente da Brigada Militar Tissiano Felipe de Leoni, sendo sucedido pelo major Otaviano

Coelho230. Observa-se que os mandatos foram extremamente curtos e houve predominância

de patentes militares entre os indicados.

No novo município de Jacuí, a década de 1930 iniciava com serviço de telégrafo e com luz elétrica na vila. 231 O prefeito Santo Carniel contratou o serviço de iluminação que

iniciou o fornecimento em novembro de 1930. A energia era fornecida por um locomóvel, de 18 hp e 10 kw, de propriedade de Salvador Bordini, de Garibaldi, e Luiz Menegassi, que obtiveram a concessão do Governo Federal. O serviço iniciava ao anoitecer e estendia-se até às 23h. No ano seguinte, Bordini saiu da sociedade, passando-a para João Humberto Zasso. Da Zasso e Cia faziam parte José e João Vendrusculo e o próprio Santo Carniel. A companhia adquiriu uma nova máquina por 38 contos que funcionou até 1939.232 Já a assistência médica

teve seu primeiro profissional no municipal em 1935: Mário Spindola foi nomeado pelo

227 WEDY, Garibaldi Almeida. Soledade: fatos políticos, violências e mortes, reminiscências. Década de 1930-1940. Porto Alegre: Editora Renascença, 1999, p. 163.

228 Ou Reynaldo

229 Olmiro Ferreira Porto foi prefeito de Soledade outras duas vezes, em 1947 e 1963. Conforme Prefeitura Municipal de Soledade, disponível em: <http://www.soledade.rs.gov.br/cidade/galeria-de-ex-prefeitos>, acesso em 04/03/2014, 16:04. 230 Otaviano Paixão Coelho foi prefeito de Camaquã e era tido como florianista, foi processado pelo Tribunal de Segurança

Nacional durante gestão de Cordeiro de Farias (1940). Era da Guarda Civil em 1935. Conforme GERTZ, René E. O

Estado Novo no Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2005, p. 27, nota 37.

231 BANDEIRA, Aurélio. Aspectos Históricos. In: BRIDI, Eda Thereza Piccinin (coord). Histórico de Sobradinho. Venâncio Aires: Ouro Verde, 1976, p. 36.

232 RIO GRANDE DO SUL. Justiça Pública. Cartório de Notas. Vila de Jacuí. Livros 2, p. 98v- 99. (APERS); BANDEIRA, Aurélio. Op.cit., p. 34-5.

prefeito Santo Carniel, mas sem remuneração, como vantagem ficou isento dos impostos municipais.233

No aspecto político, Sobradinho não viveu a instabilidade de Soledade. O que não pode ser entendido como fator de maior tranquilidade para os munícipes. O poder centralizado do coronel Santo Carniel causava medo e intranquilidade. Ele era vinculado ao tradicional Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), do ex-governador Borges de Medeiros, migrou para o Partido Republicano Liberal (PRL) do governador Flores da Cunha e, por diversas vezes, esteve associado a negócios escusos facilitados por seu prestígio e poder político. Carniel foi eleito já na segunda eleição para o Executivo municipal, sendo empossado em 11 de março de 1928.

Tabela 6 - Prefeitos de Sobradinho na década de 1930

Nomes dos Prefeitos Início e encerramento do mandato Período

1 Santo Carniel (PRR), coronel, comerciante, eleito

11 de março de 1928 a 30 de dezembro de 1932 4 anos e 9 meses 2 Reinaldo Seitenfus, nomeado 30 de dezembro de 1932 a 26 de dezembro de 1934 2 anos 3 Felisbino234 Monteiro, capitão,

nomeado

Um dia 4 Santo Carniel (PRR), coronel,

comerciante, eleito

26 de dezembro de 1934 a 27 de agosto de 1938 3 anos e 8 meses 5 Edison Ketzer, tenente capitão,

nomeado

27 de agosto de 1938 a 15 de abril de 1941 2 anos e 7 meses

As intervenções do Governo Provisório estabelecido em 1930 não atingiram o prefeito eleito de Sobradinho. Santo Carniel permaneceu no cargo até 30 de dezembro de 1932 quando foi nomeado para substituí-lo Reinaldo Seitenfus. O novo prefeito havia sido presidente do Conselho Municipal – eleito no primeiro pleito do novo município do Jacuí – e permaneceu na prefeitura até 26 de dezembro de 1934. Na mesma data foi designado o capitão Felisbino Monteiro, que possivelmente não tenha ficado sequer um dia. Em 26 de dezembro de 1934 assumiu o prefeito eleito, pela segunda vez, coronel Santo Carniel, permanecendo até 27 de agosto de 1938. A perseguição ao movimento dos monges barbudos ocorreu durante essa gestão. Em 27 de agosto de 1938, assumiu o tenente capitão Edison Ketzer, designado pelo

233 BANDEIRA, Aurélio. Aspectos Históricos. In: BRIDI, Eda Thereza Piccinin (coord). Histórico de Sobradinho. Venâncio Aires: Ouro Verde, 1976, p. 36.

governo estadual para o cargo de prefeito. Ele cumpriu o mandato até 15 de abril de 1941.235

Também nesse caso, destacam-se as patentes militares.