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Violência política em Soledade e Sobradinho pós-1932

Após os confrontos armados contra o Governo Provisório de Getúlio Vargas na presidência da República, e do interventor federal no Estado, general Flores da Cunha, ocorridos de agosto a outubro de 1932, a aliança política estabelecida desde 1928 com a Frente Única Gaúcha (FUG), desestruturou-se. Os herdeiros políticos da FUG foram os oposicionistas que, sob a liderança do ex-governador Borges de Medeiros (PRR) e de Raul Pilla (PL), mantiveram-se associados. Os situacionistas integraram uma nova associação política: o Partido Republicano Liberal (PRL). O novo partido foi criado pelo interventor federal no Rio Grande do Sul, general Flores da Cunha, que acumulava a função de presidente da agremiação263. A nova entidade visava à sustentação política estadual, com base social

predominante de fazendeiros, ligados à agropecuária, mas também com comerciantes, industrialistas e negociantes que, segundo Pesavento264, “se interessavam por estabilidade, paz

e favores do governo”.

O PRL atraiu a maior parte dos coronéis republicanos, os grupos oligárquicos e os setores tenentistas.265 Significou um momento de rearticulação coronelista que perdurou até

1937. Para Pesavento266, o PRL “foi a concretização, a nível político-partidário, da corrente

dita ‘nacional’ que se constituíra no Estado”. O novo partido, “revelava-se capaz de atrair os interesses da classe dominante e de sua extensão, a elite culta dos profissionais liberais”. Além da adesão de prefeitos municipais e comandantes de corpos de milícias, o partido recebeu o apoio de Vargas. Em curto espaço de tempo, o PRL tornou-se hegemônico no estado como alternativa aos tradicionais PRR e PL. Com a nova agremiação, o interventor federal entrava de forma crescente nas questões municipais esvaziando ou associando-se ao poder dos coronéis locais.

262 PESAVENTO, Sandra Jatahy. A Revolução Federalista. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983, p. 97.

263 WEDY, Garibaldi Almeida. Soledade: fatos políticos, violências e mortes, reminiscências. Década de 1930-1940. Porto Alegre: Editora Renascença, 1999, p. 117.

264 PESAVENTO, Sandra Jatahy. Op. cit., p. 99, 100-1, 103, 114.

265 FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, p. 162, 173, 176.

Em Soledade, não foi exatamente “paz e estabilidade” que o PRL conseguiu promover. No período de 1932-1933, a região do Planalto Médio esteve sob a influência política dos subchefes de polícia. A estrutura de Estado, sob o governo Flores da Cunha, imbricou-se com a esfera político-partidária. Segundo estudos de Loiva Otero267, essa região

apresentava “um grau bastante elevado de radicalismos políticos e de violências, respaldadas pelas demonstrações de força dos dois coronéis que [...] apresentavam um certo equilíbrio de forças”. Eram os subchefes de polícia Victor Dumoncel Filho e Vazulmiro Dutra. Eles indicavam as autoridades municipais como prefeitos, delegados, juízes e promotores.

Victor Dumoncel, que teve atuação destacada nos confrontos de 1932, na defesa dos governos de Flores da Cunha e de Getúlio Vargas, conforme visto anteriormente, saiu fortalecido para atuar na política local e influenciar as questões municipais.268 Ele exercia seu

poder de mando sob os municípios de Carazinho, Cruz Alta, Ijuí, Santa Maria, Soledade e Tupanciretã. Por outra parte, Vazulmiro Dutra controlava Bom Jesus, Erechim, Iraí, Lagoa Vermelha, Palmeira, Passo Fundo e Vacaria. Assim, a organização de Estado, especialmente a policial, entrava de forma crescente nas decisões políticas municipais e nas articulações de poder nas regiões. Em 1934, já eram visíveis as duas faces do poder de Victor Dumoncel: de um lado, um “crescente prestígio entre os situacionistas”, conquistado pela permanência no poder desde 1923, ainda no governo Borges de Medeiros; de outro lado, a mobilização de grupos informais armados e violentos que atuavam principalmente em Soledade. 269

Para Loiva Otero270, os “provisórios” de Victor Dumoncel, que teriam substituído os

corpos auxiliares da Brigada Militar, eram “figuras apavorantes”: “um perfeito exército de malfeitores”, “bandoleiros” que “alarmavam os habitantes da região serrana”271 a perseguir,

matar, atentar contra os direitos e as liberdades dos que discordavam do governo de Flores da Cunha. Ficaram conhecidos como bombachudos por andarem montados em bons cavalos vestindo largas bombachas. Por quase três anos, de 1934 a 1936, Soledade teria vivido “o incremento da violência”, em especial “da violência política”, onde o termo “fazer uma limpeza”, no vocabulário local, equivalia ao “assassinato de indesejados ou desafetos”. No município, os bombachudos eram liderados pelo prefeito nomeado Francisco Müller Fortes (PRL), que exerceu um mandato de um ano e cinco meses272. Eram cerca de 20 funcionários

da prefeitura, “trabalhadores de rua”, que teriam sido recrutados entre “criminosos”.

267 FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, p. 164. 268 WEDY, Garibaldi Almeida. Soledade: fatos políticos, violências e mortes, reminiscências. Década de 1930-1940. Porto

Alegre: Editora Renascença, 1999, p. 131. 269 FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit., p. 164. 270 Ibidem, p. 167-70.

271 REIS, Gomercindo. Defendendo a verdade. O que foi a administração de Artur Ferreira Filho em Passo Fundo na vigência do Estado Novo. Passo Fundo, Empresa Gráfica Editora, 1947, p. 50. Apud FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit., p. 167, nota 86.

A Frente Única Gaúcha acusava o prefeito Müller Fortes de perseguir adversários políticos, mas também advogados, juízes e o promotor de Justiça, inclusive com agressões físicas. Nesse clima de enfrentamento entre as elites políticas locais, ocorreu a eleição de 14 de outubro de 1934 para a escolha de deputados estaduais e federais. O sufrágio foi de tal forma tumultuado que necessitou de uma eleição suplementar para concluir o pleito eleitoral realizada em dezembro do mesmo ano. Estava em jogo a formulação da Constituição do estado, a escolha do governador e de dois senadores, que foram indicados pelos deputados estaduais eleitos nesse pleito. A população estava amedrontada com a violência política.