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CAPÍTULO II. CULTURA, VALORES E PRÁTICAS ORGANIZACIONAIS

SEÇÃO 1. CULTURA NACIONAL E CULTURA ORGANIZACIONAL

1.1 CULTURA NACIONAL

É longa a tradição histórica do conceito de cultura, que nem sempre apresentou o mesmo significado (Souza, 2009). Nesse sentido, ao longo dos séculos passados, com destaque para o século XX, ocorreu amplo debate sobre a forma mais adequada para se definir esse conceito. Com o atraso da participação de psicólogos e administradores, que se aproveitaram de trabalhos anteriores realizados por antropólogos, coube aos antropólogos encontrar um valor particular no conceito de cultura como uma forma de encapsular seus entendimentos dos grupos de pessoas relativamente pequenos e isolados. Dessa forma, muitos de seus primeiros estudos se concentraram, mesmo não havendo acordo quanto à melhor forma de definir o que uma cultura é conceitualmente (Smith, Bond & Kağitçibasi, 2006).

1.1.1 Cultura Nacional: aspectos históricos e conceituais

Ao longo dos séculos, com destaque para o século XX, tem sido amplo o debate sobre a forma mais própria de definir o conceito cultura. O vocábulo germânico Kultur, no final do século XVIII, era utilizado para designar os aspectos espirituais de uma comunidade, enquanto a palavra francesa Civilization definia aspectos materiais de um povo. A síntese dos termos coube a Tylor (1871), que propôs uma definição ao empregar o termo inglês Culture em um amplo sentido etnográfico. Cultura, para Tylor (1871), significa “este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”, abrangendo todas as possibilidades de realização humana, além do forte caráter de aprendizado da cultura em contraposição à ideia de aquisição inata.

Em seus estudos, Kroeber e Kluckhohn (1963) conseguiram identificar cerca de 160 acepções de cultura, sendo algumas apresentadas a seguir.

De forma pragmática, Frans Boas (1911) foi o primeiro antropólogo a realizar pesquisas de campo para observar diretamente as culturas primitivas. Esse autor definiu cultura como todo o complexo de comportamento tradicional que vem sendo desenvolvido pela raça humana e é sucessivamente aprendido por cada geração, podendo significar não apenas as formas de comportamento tradicional, que são características de uma dada sociedade ou grupo de sociedades, mas, também determinada raça ou área definida ou certo período de tempo.

Seguindo a tradição de Boas (1911), para quem as diferenças entre os grupos são de ordem cultural e não racial, Benedict (1934) refere-se à cultura como um fenômeno que

agrega os homens em torno de ideias e normas compartilhadas, significando todo o complexo de comportamento tradicional que vem sendo desenvolvido pela raça humana e é sucessivamente aprendido por cada geração.

Kluckhohn (1962) dividiu o conceito de cultura em duas partes, a primeira referindo- se aos elementos objetivos (por exemplo, artesanato produzido por grupos sociais) e a segunda aos elementos subjetivos (valores, crenças e normas sociais). A análise desses elementos subjetivos permite a compreensão de como as pessoas percebem, fazem categorizações sociais, formulam crenças, e valorizam aspectos específicos do ambiente social ao seu redor (Triandis 1994).

A responsabilidade de tratar da coesão entre os diversos conceitos de cultura foi assumida por Kluckhohn (1951) e Kroeber e Kluckhohn (1963), resultando na definição de que cultura consiste em padrões explícitos e implícitos, de e para comportamentos adquiridos e transmitidos por símbolos, constituindo a realização distintiva dos grupos humanos. Assim, sistemas de cultura podem, por um lado, ser considerados como produtos de ação e, por outro lado, como elementos de condicionamento de ação adicional (Kroeber & Kluckhohn, 1963).

Parsons e Shils (1951) afirmam que a cultura diferencia-se dos outros elementos de ação pelo fato de ser intrinsecamente transmissível de um sistema de ação para o outro, por intermédio da aprendizagem e pela difusão, ou seja, uma definição multidisciplinar da cultura como conteúdo transmitido e criado por padrões de valores, ideias e outros sistemas simbólico-significativos como fatores na formação do comportamento humano (Kroeber & Parsons,1958).

Por sua vez, Levi-Strauss (1949) apresentou seu conceito de cultura baseado na definição do homem como um ser biológico e social, estando a cultura na síntese das respostas do indivíduo aos estímulos externos, mesmo que sejam produto de sua natureza ou de sua condição social.

A definição de cultura elaborada por Geertz (1973, 1989, 2009) leva em consideração diversos aspectos que vão do completo modo de vida de um povo até o compartilhamento de formas de sentir, pensar e acreditar. Associado a isso, afirma esse autor, apresenta-se o legado social adquirido pelo individual em seu grupo, levando em conta a abstração do comportamento, compreendido como um depósito de aprendizagem compartilhada, ou mesmo um conjunto de orientações padronizadas para os problemas recorrentes, ou seja, um comportamento aprendido, que passa por mecanismos de regulamentação normativa. Assim, cultura expressa um conjunto de técnicas que ajustam o homem ao ambiente externo ou em relação aos outros homens.

Quando se analisa o termo cultura com base na multiplicidade de conceitos apresentados, verifica-se a existência de aspectos teóricos diferenciados. Para Noriega e Carvajal (2009), de maneira geral, o entendimento do conceito de cultura refere-se às práticas materiais e de significação, ao mesmo tempo em que garante contínua produção, reprodução e transformação das estruturas materiais e de significação que organizam a ação humana.

A definição de cultura elaborada por Dupuis (2008) trata tanto da ligação inseparável entre modelos, valores, símbolos como de comportamentos, ações e práticas, que estabelecem juntas as configurações culturais, ou seja, cultura. Neste sentido, cultura é considerada “constituída pela interação de elementos estruturais” como economia, administração, práticas e representações sociais que estabelecem as “manifestações da cultura” de um grupo social (Dupuis, 2008, p. 202). D’Iribarne (1983) afirma ser cultura um recurso, ou mesmo, um ponto de apoio para o estabelecimento de relação e cooperação entre atores sociais.

Nessa linha, Souza, Castro-Lucas e Torres (2011) comentam que cultura pode ser a forma pela qual os indivíduos e os grupos sociais se relacionam e agem, sendo fundamental para se identificar o conjunto de valores, estilos, formas de pensar, que se expande a uma variedade de grupos sociais vistos e compreendidos como integrantes da mesma cultura ou subcultura.

Dada a grande variedade de definições utilizadas para o termo cultura, Gelfand, Erez e Aycan (2007), de forma organizada, apresentam a ligação entre as definições. Assim, pode-se referenciar cultura como a parte do ambiente de origem humana (Herkovits, 1955), que inclui elementos objetivos e subjetivos (Triandis, 1972), como um conjunto de reforços (Skinner, 1981), como a programação coletiva da mente (Hofstede, 1991), como um sistema de significado compartilhado (Shweder & LeVine, 1984); como maneiras padronizadas de pensamento (Kluckhohn,1954), e como padrões de procedimentos operacionais não declarados ou maneiras de fazer as coisas (Triandis, 1994). Mesmo que ocorram variações nas definições de cultura, pesquisadores enfatizam que a cultura é compartilhada, adaptativa ou tem sido adaptativa, em alguma ocasião no passado, e é transmitida por meio do tempo e das gerações (Triandis, 1994).

Um último, mas não menos importante ponto que se estabelece diz respeito ao nível de análise ou de estudo que o conceito de cultura pode apresentar. A cultura é um constructo de carácter multinível (Gelfand et al., 2007; Erez & Gati, 2004; Chao, 2000; Dansereau & Alutto, 1990), logo, o posicionamento do estudo em determinado nível, ou na relação entre os níveis, remete para diversificadas formas de investigação (Rebelo, 2006). Disso, resulta que a opção pelo nível (ou níveis) de cultura a estudar (nacional, organizacional, departamental,

profissional) é uma questão crítica e fundamental, pois dessa escolha, decorre a possibilidade de se obterem resultados confiáveis (De Witte & van Muijen, 1999a). Para essa tese, a escolha do nível recai sobre a organização; em outras palavras, incide na cultura organizacional, que será tratada no tópico seguinte.