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CAPÍTULO III. IDENTIDADE NO CONTEXTO DO TRABALHO E DA ORGANIZAÇÃO

SEÇÃO 1. IDENTIDADE: QUESTÕES HISTÓRICAS

1.1 IDENTIDADE: REFLEXÕES TEÓRICAS

A origem do termo identidade é latina, constituída pela derivação do termo idem, que tem a acepção de mesmo, ao passo que o verbo identificar significa tornar-se igual, idêntico a algo ou alguém, podendo ainda representar separar indivíduos de outros com base em características que tornam algo ou alguém diferente, referindo-se a perspectivas individuais que fazem cada pessoa sentir-se única, singular (Galinkin & Zauli, 2010). Coube a Sumner (1906) cunhar e utilizar pela primeira vez o termo identidade.

O significado de unicidade refere-se a perspectivas individuais, embora o fenômeno identidade possa ser abordado ora na perspectiva social, ora na individual (Cerulo, 2007;

Ellemers et al., 2002; Stets & Burke, 2000). Essa dicotomia relaciona-se ao binômio indivíduo-sociedade, sobre as relações que os indivíduos mantêm com a sociedade ou cultura (Ferreira, 2010). As sociedades ocidentais, responsáveis pela teorização e pelo maior volume de pesquisas sobre identidade (Ellemers et al., 2002), são caracterizadas como contextos culturais com forte ênfase em identidades pessoais e realizações individuais (Hofstede, 1980; Triandis, 1989).

Introduzido pelas obras de Cooley (1902, 1922) e Mead (1909, 1910, 1934), o estudo da identidade constitui-se em um pilar no pensamento moderno (Cerulo, 1997), que vem crescendo em importância para o entendimento das práticas singulares ou coletivas que permeiam as organizações. Nesse sentido, para melhor compreender o conceito, na sequência, apresentam-se contornos históricos da psicologia social.

Dando a maior ênfase, ora a aspectos relacionados ao indivíduo, ora à sociedade, estabeleceu-se, segundo alguns autores (House, 1977; Stephan & Stephan, 1985), duas modalidades de psicologia social: a social psicológica e a social sociológica.

Na clássica visão de Allport (1954), a psicologia social psicológica buscou explicar os sentimentos, pensamentos e comportamentos do indivíduo na presença real ou imaginada de outras pessoas. Sobre esse aspecto, o próprio Allport (1924) deixou clara a orientação comportamental ao referenciar que não existe qualquer psicologia de grupo que não seja em sua essência e totalidade uma psicologia de indivíduos. Essa linha da psicologia social é uma componente da psicologia do indivíduo, cujo comportamento é pesquisado em relação ao ambiente que compreende seus semelhantes. Segundo Allport (1924, p. 4), “a psicologia, em todas suas ramificações, é uma ciência do indivíduo”.

Por outro lado, a psicologia social sociológica, conforme Stephan e Stephan (1985), apresenta como foco o estudo da experiência social que o indivíduo obtém sustentado por sua participação nos diferentes grupos sociais, com os quais convive. Essa abordagem está presente nas colocações de Mead (1934) que contribuem ao entendimento de que o self é socialmente produzido como expressão da interação social.

Nos ensinamentos de Mead (1934), o self decorre do processo de experiências e atividades sociais, desenvolve-se no indivíduo por meio de suas interações com a totalidade desse processo e com outros indivíduos no interior desse processo (Morris, 2010). Para González Rey (2009), um aspecto importante na definição do self, categoria central proposta por Mead (1964), é a que trata do caráter processual da relação do homem com o meio social, que rebate o caráter descritivo e estático que caracterizava o tipo de unidades conceituais

predominantes em um setor importante da psicologia social comportamental (atitudes, valores, crenças, entre outros).

A abordagem social psicológica enfatiza os processos intraindividuais responsáveis pelo modo como os indivíduos respondem aos estímulos sociais, enquanto que a social sociológica tende a privilegiar os fenômenos que emergem dos diferentes grupos e sociedades (Ferreira, 2010). Diante disso, cabe ressaltar que a separação da psicologia social em duas vertentes, psicológica e sociológica, perpetuou uma dicotomia que só teve valor em um contexto histórico determinado e sob certa representação da ciência, a positivista (González Rey, 2009), podendo, essa dicotomia impedir o desenvolvimento de um espaço integrador. Ao invés de tentar decidir se o self individual ou o self coletivo é mais adequado, Ellemers et al. (2002) julgam pertinente especificar as condições de uma provável precedência de um determinado self (individual ou social) sobre o outro, especificando as condições em que cada identidade (pessoal ou social) é susceptível de ter precedência sobre a outra, e com que efeito. Assim, os estudos sobre o tema identidade, conforme observa Machado (2003), envolvem múltiplos níveis de análise. Ao considerar o aspecto geral, os dois níveis encontrados são o pessoal e o social (Antaki & Widdicombe, 1998; Beyda & Macedo-Soares, 2010; Brown & Starkey, 2000; Castells, 1999; Cerulo, 1997; Ellemers et al., 2002; Gioia, 1998; Howard, 2000; Machado, 2003; Ruano-Borbalan, 1998). Quando o foco é direcionado aos estudos organizacionais, outras categorizações têm sido evidenciadas: a de identidade no contexto do trabalho (Dubar, 2005, 2009; Sainsaulieu, 1977) e a de identidade organizacional (Albert, Ashforth & Dutton, 2000; Brown & Starkey, 2000; Gioia, Schultz & Corley, 2000; Machado, 2003; Pratt & Foreman, 2000; Scott & Lane, 2000; Whetten & Godfrey, 1998).

Ainda que se constitua essa distinção para fins de pesquisa, pesa o fato de existir uma ligação entre as diferentes formas constituídas da identidade, pois todas estão alicerçadas no comportamento de indivíduos ou grupos. A justificativa para a segmentação reside nas análises, pois cada uma das classificações contém subsídios próprios, que melhor possibilitam a compreensão do construto (Machado, 2003).

Uma importante contribuição para o entendimento dessas questões é encontrada na teoria da identidade social (Tajfel, 1978; Tajfel & Turner, 1979) e na teoria da autocategorização (Turner, 1987). Esse quadro teórico enfatiza a interação entre a identidade social como percepção de um fator, implicando diferentes aspectos do self (ou diferentes eus sociais - selves) e fatores sociais contextuais, que buscam aumentar ou diminuir o significado da identidade pessoal, bem como das identidades sociais (Ellemers et al., 2002).

Esta tese utiliza o enfoque da identidade social adotando, pois, uma visão oriunda da corrente que trata dos aspectos da identidade social, que faz referência a um sentimento de semelhança com (alguns) outros (Deschamps & Moliner, 2009), a partir da vinculação da pessoa a grupos sociais.