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CAPÍTULO II. CULTURA, VALORES E PRÁTICAS ORGANIZACIONAIS

SEÇÃO 2. VALORES HUMANOS E VALORES ORGANIZACIONAIS

2.2 VALORES ORGANIZACIONAIS

Os estudos sobre valores organizacionais são reconhecidos pelo lugar central em diversos fenômenos organizacionais (Bourne & Jenkins, 2013), incluindo identidade (Ashforth & Mael, 1989; Canova & Porto, 2010), cultura (Schein, 1985), compatibilidade indivíduo-organização (Cable & Edwards, 2004; Sousa, 2013), e socialização (Dose, 1997). Outros autores enfatizam o papel dos valores como elemento central da cultura organizacional (Champy, 1995; Deal & Kennedy, 1982; O’Reilly & Chatman, 1996), que defendem o melhor desempenho organizacional e empresas com culturas fortes (Payne, 2000).

Os valores organizacionais apresentam-se como um instrumento de relevância para a compreensão da cultura organizacional (Mendes & Tamayo, 2001). Soma-se a isso a relevância do tema, que se dá tanto na área de pesquisa quanto na área do diagnóstico da

gestão organizacional (Tamayo, 2008). Assim, o estudo da conformidade com os valores organizacionais é oferecido como uma alternativa ao controle burocrático (Ouchi, 1980), possibilitando o gerenciamento remoto de filiais (Nohria & Ghoshal, 1994) ou atividades funcionais como, por exemplo, a produtividade do serviço (Dobni, Ritchie & Zerbe, 2000).

Os valores organizacionais também exercem influência sobre questões estratégicas (Bansal, 2003), escolha estratégica (Pant & Lachman, 1998), mudança estratégica (Carlisle & Baden-Fuller, 2004) e gestão de tomada de decisão (Liedtka, 1989), bem como a chamada teoria dos escalões superiores (Hambrick & Mason, 1984) baseada na ligação entre os resultados organizacionais e valores gerenciais. Questões vinculadas à posição ética de uma organização também são afetas aos valores organizacionais, ou seja, são por eles moldadas (Finegan & Theriault, 1997), ao comprometimento dos empregados (Ostroff, Shin & Kinicki, 2005) e às relações com elementos externos (Voss, Cable & Voss, 2000).

Os valores têm um longo alcance e uma grande extensão de influência sobre os processos críticos e características nas organizações (Bourne & Jenkins, 2013), servindo de guias implícitos para a ação, compartilhados pelos sujeitos da organização, e apresentando-se como alicerce para o comportamento individual no ambiente de trabalho (Quenneville, Bentein & Simard, 2010).

2.2.1 Valores Organizacionais: abordagens históricas e suas definições

Os valores, os papéis e as normas são, segundo Katz e Kahn (1978), os componentes fundamentais das organizações, em virtude da direção e do o funcionamento que impõem à organização. Os valores organizacionais refletem as crenças sobre o que é bom e desejável no contexto organizacional e compõem o núcleo da cultura organizacional. Dito de outra maneira, as normas definem explicitamente o comportamento esperado dos sujeitos de uma organização, e os valores propiciam uma justificativa mais elaborada e generalizada, tanto para o comportamento apropriado como para as atividades e funções do sistema (Katz & Kahn, 1978).

A definição dos valores organizacionais é construída sobre princípios ou crenças, hierarquicamente organizados, relativos a metas e a comportamentos organizacionais desejáveis, que orientam a vida da empresa e estão a serviço de interesses individuais, coletivos ou mistos (Tamayo, 1996). Assim, como guia da vida diária da organização, pois são crenças sobre o que é ou não desejável na organização (Tamayo & Gondim, 1996), os valores são percebidos facilmente pelos membros da organização com clara função de integração organizacional (Tamayo & Borges, 2006), em virtude de promoverem a adaptação

das pessoas ao ambiente (Stainer & Stainer, 1996), além de influenciar comportamentos dos membros da organização (McNeely & Meglino, 1994).

Os valores organizacionais são normalmente introduzidos pelo criador da empresa ou por indivíduos com forte influência dentro da organização (Bansal, 2003). O estabelecimento do que é ideal, valorizado e quais os princípios motivacionais e as metas organizacionais são definidos por este grupo dominante. Cabe ao fundador ou a outro sujeito organizacional, detentor de poder de decisão na organização, encontrar a solução para determinado problema decorrente de uma nova situação, apontando a adequada forma de se lidar com o problema (Tamayo & Borges, 2006).

Os valores organizacionais, de reconhecida relevância para a organização (prioridade axiológica da organização), não são essencialmente idênticos aos dos seus componentes, podendo, essa relação ser conflituosa (Veiga, 2010), ou seja, o grupo e os valores organizacionais possuem características particulares que fazem o nível de análise ser de difícil isolamento (Bourne & Jenkins, 2013). O ideal do grupo dominante é reflexo do sistema de valores da organização; assim, os exemplos desse grupo e os valores são aprendidos. Faz-se necessário o compartilhamento dos valores organizacionais entre os sujeitos da organização, em virtude da harmonia ou desarmonia que pode ocorrer entre os valores pessoais e os organizacionais. A convergência na apreensão dos valores organizacionais é o reflexo do compartilhamento dos valores entre os diversos atores da organização e funcionam como guias do comportamento, baseados em modelos mentais (Tamayo & Borges, 2006).

O paralelismo entre os valores pessoais e os valores organizacionais é defendido por Tamayo (2005), na medida em que os fundadores da organização ou aqueles membros de forte influência estabelecem o que é seguro e desejável para a organização; assim, utiliza-se de princípios e metas idênticas que orientam o comportamento individual, de forma que as motivações que apoiam os valores pessoais e organizacionais se assemelhem.

Os componentes motivacional, cognitivo, hierárquico e funcional estão presentes em ambos os marcos conceituais dos valores pessoais e organizacionais (Tamayo & Gondim, 1996). O primeiro componente (motivacional) diz respeito às metas necessárias à organização, o que implica que na atribuição de importância a determinado valor vincula-se a quantidade de esforço a ser empreendido pelos sujeitos da organização. O aspecto cognitivo refere-se às crenças sobre o que é desejável ou não na organização e representa a maneira de se conhecer a identidade organizacional, considerando o funcionamento dos valores como padrão cognitivo para a seleção dos comportamentos apropriados no contexto

intraorganizacional. O terceiro componente (hierárquico) aponta que a diferenciação existente entre os indivíduos e a organização, do ponto de vista axiológico, está na prioridade dada a cada um dos valores e não aos valores em si, ou seja, está no continuum de importância que é atribuído. Por último, a dimensão funcional salienta que os valores norteiam o comportamento de seus membros e o julgamento feito do comportamento, apresentando-se como extremamente relevantes para o dia a dia da organização.

Em resumo, os valores baseiam-se em requisitos humanos potencialmente incompatíveis (Rokeach, 1973). Os valores organizacionais podem ser entendidos em diferentes níveis e em contextos presentes e futuros, e, ainda assim, eles são assumidos para orientar os membros da empresa em sua seleção ou avaliação de comportamento.

Para esta tese, os valores organizacionais são definidos, conforme Porto, Ferreira, Brandão, Freitas e Pereira (2012), como representações mentais compartilhadas coletivamente (Tindale, Smith, Thomas, Filkins, & Sheffey, 1996). São compartilhados pelos membros da organização, que convivem dentro do mesmo ambiente, em um espaço de tempo consideravelmente duradouro, consistindo em cognições dos princípios que orientam práticas e normas organizacionais (Katz & Kahn, 1974). Estão hierarquicamente organizados (Tamayo, et al., 2000) e transcendem práticas ou normas específicas (Porto et al., 2012). É compreensível, portanto, que os estudiosos tenham adotado diferentes abordagens para definir, descrever e operacionalizar os valores organizacionais (Bourne & Jenkins, 2013).

2.2.2 Valores Organizacionais: Dimensões e Tipologias

A literatura tem apontado, conforme destacam Ferreira, Fernandes e Corrêa-e-Silva (2009), que parte das preocupações dos pesquisadores dos valores organizacionais diz respeito à descrição de dimensões e tipologias adequadas para a aplicação na caracterização da cultura de uma extensa gama de organizações (Ferreira et al., 2009). As dimensões, na maioria dos casos, são derivadas empiricamente da utilização de instrumentos de medida quantitativos (Cameron & Quinn, 2011; Hartnell, Ou & Kinicki, 2011). As tipologias, por seu lado, partem de certas dimensões básicas para identificar determinados tipos, nos quais as culturas podem ser classificadas, apesar de os tipos puros dificilmente serem encontrados (Ferreira et al, 2009), como, por exemplo, fizeram Cameron e Quinn (1999, 2011) na estrutura de valores competitivos.

O exame da literatura de valores organizacionais revela que somente alguns autores propuseram um modelo ou taxonomia para os valores organizacionais. Os postulados por Quinn e Rohrbaugh (1983), Weiner (1988), O’Reilly, Chatman e Caldwell (1991), Kabanoff

(1994), Tamayo (1996), Tamayo e Gondim (1996), Cameron e Quinn (1999), Rousseau (1992), Ashkanasy, Broadfoot e Falkus (2000), Detert, Schroeder e Mauriel (2000), Dobni, Ritchie e Zerbe (2000), Tamayo, Mendes e Paz (2000) e Oliveira e Tamayo (2004) são expostas.

Com o objetivo de compreender a eficácia organizacional, Quinn e Rorhbaugh (1983) desenvolveram o modelo dos valores concorrentes (CVF – Competing Values Framework), que, posteriormente, serviu para explorar fenômenos organizacionais como cultura e mudança, ou, como o mais abrangente teste (Schneider et al., 2013) sobre a relação entre cultura e desempenho organizacional (Hartnell et al., 2011).

O modelo sugerido por Quinn e Rorhbaugh (1983) apresenta duas dimensões ortogonais; a primeira, referenciada no eixo vertical, contempla flexibilidade versus estabilidade e, no eixo horizontal, orientação interna versus orientação externa. Da união entre os eixos, emergem quatro quadrantes, que dizem respeito às relações humanas, aos sistemas abertos, às metas racionais e aos processos internos. Esses quadrantes remetem a valores organizacionais inerentes à organização que ocasionam o processo de integração (Kalliath, Bluerdorn & Gillespie, 1999). A justaposição das duas dimensões em quadrantes opostos confirma a estrutura de valores concorrentes (Belasen, 1997), como previram Quinn e Rohrbaugh (1983).

Segundo Veiga (2010), cada uma das dimensões remete a uma determinada característica da organização. A dimensão relações humanas caracteriza organizações cuja ênfase recai sobre a confiança, participação, delegação de poder, cujas ideias dos colaboradores são valorizadas. Na dimensão sistema aberto, valores como flexibilidade e foco externo são apreciados. Quando o destaque se insere sobre a eficiência, desempenho, foco no resultado, a dimensão das metas racionais é representada. Por fim, organizações que enfatizam os processos internos apresentam alto controle, rotinização, estabilidade e ordem (Quinn et al., 2003). As recompensas são devidas aos trabalhadores que seguem as normas e rotinas, conforme Figura 9.

Figura 9. Modelo dos valores concorrentes adaptado de Quinn e Rorhbaugh (1983).

Os valores organizacionais são apontados por Wiener (1988) como pertencentes ao centro da cultura organizacional, pois auxiliam a definição dos objetivos, as políticas e as práticas organizacionais. Para a mensuração dos valores organizacionais, o autor recomenda uma tipologia fundamentada no conteúdo e na fonte dos valores organizacionais.

O conteúdo do valor versa sobre o objetivo subjacente, que pode ser funcional (com ênfase no alcance de um objetivo em particular) ou elitista (que destaca as comparações; por exemplo, essa organização é a número um). Já a fonte do valor fala da origem do valor que se estabelece na tradição ou na liderança. Se determinado valor está embasado na tradição, sua difusão ocorrerá de maneira ampla e sofrerá pouca influência, em virtude das diferenças individuais. Logo, esses valores aparentam ser mais estáveis. Em contrapartida, quando os valores estão alicerçados nos líderes, a identificação do subordinado com o seu gestor afetará na manutenção desses valores, tornando-os menos estáveis (Veiga, 2010). Ao considerar as duas dimensões (conteúdo e fonte), apresenta-se uma tipologia de quatro valores: elitistas, funcionais, tradicionais e carismáticos.

A transmissão e a manutenção dos valores organizacionais também são apresentadas por Wiener (1988), que atribui às primeiras socializações o papel de transmitir aos novos

Mentor Inovador Facilitador Negociador Monitor Diretor Coordenador Flexibilidade Estabilidade C o n tr o le In ter n o Con tr o le E x ter n o Produtor

empregados os valores da organização. Em um segundo momento, a identificação dos membros com os valores da organização também influenciará na manutenção dos valores.

Duas perspectivas são responsáveis pela aceitação dos valores organizacionais. A primeira refere-se à crença de que os indivíduos têm um dever moral de se comportar de certo modo – essas crenças são oriundas do processo de socialização. A segunda perspectiva versa sobre a compatibilidade entre os valores dos empregados e os defendidos pela organização. Disso resulta, que quanto maior a congruência entre os valores, mais fácil é a adaptação do empregado. Veiga (2010) ainda ressalta que os processos de recrutamento e seleção podem afetar a adequação dos trabalhadores aos valores defendidos na organização. O autor ressalta, ainda, que cabe à socialização e aos ritos o papel de sinalizar o que é adequado ao indivíduo no local de trabalho.

Construído para avaliar a congruência entre os valores individuais e organizacionais, o modelo de O’Reilly et al. (1991), denominado mapeamento da cultura organizacional (OCP - Organizational Cultural Profile), reflete, em seus fatores, um padrão de relacionamento sustentado nos interesses individuais (apoio, ênfase no reconhecimento, orientação para equipes, decisão) e interesses organizacionais (inovação, atenção a detalhes, orientação para desempenho, agressividade).

O instrumento original de O’Reilly et al. (1991) é composto de 54 valores organizacionais, oriundos de uma revisão elaborada por pesquisadores focados em valores e cultura da organização, após a eliminação de redundâncias, irrelevâncias e dificuldades de compreensão dos itens. O OCP foi construído utilizando-se da técnica do Q-sort (Block, 1978). Para a aplicação do instrumento, os respondentes deviam classificar os 54 valores em 9 categorias responsáveis por quanto cada valor é desejável na organização em que trabalham (O’Reilly et al., 1991).

Apos uma série de análises, a estrutura final ficou composta por sete dimensões de valores: inovação, estabilidade, respeito às pessoas, orientação para resultados, orientação aos detalhes, orientação para equipes e agressividade. Outros estudos buscaram comparar o modelo entre nações e indústrias (Vandenberghe, 1999), analisar a adequação em amostras específicas (Windsor & Ashkanasy, 1996), bem como estudos que buscavam novas evidências de validação do modelo (Cable & Judge, 1996; Vandenberghe, 1999; Sarros, Cinza, Densten & Cooper, 2005).

Os estudos preliminares de Kabanoff (1991) resultaram em uma tipologia de estratégias organizacionais. Em pesquisas posteriores, Kabanoff (1995) apresenta o conceito

de valores como um poderoso construto, em virtude de seu emprego em todos os níveis de análise: cultural, social, institucional, organizacional, grupal e individual.

Kabanoff, Waldersee e Cohen (1995) partiram, então, de um novo método para a investigação dos valores esposados em organizações australianas. Esses autores analisaram o conteúdo dos anuários, revistas internas e missão de diversas organizações no período de 1986 a 1990, com a meta de examinar com que frequência eram mencionados os valores de autoridade, liderança, desempenho, recompensa, participação, afiliação, comprometimento, trabalho em equipe, equidade e controle normativo (Veiga, 2010). Desses resultados, apontam-se quatro tipos de valores organizacionais (elitista, liderança, meritocracia e colegial), que decorrem da combinação das dimensões estrutura (poder descentralizado versus poder centralizado) e processo (igualdade versus equidade).

Essa tipologia de quatro tipos ideais de organização em que se acrescentam os valores organizacionais, descrita por Kabanoff (1995), representam diferentes formas de lidar com o conflito entre equidade e igualdade. Quanto mais desigual ou centralizada for a estrutura de poder de uma organização, mais os valores de equidade sobressairão e mais desigual será a distribuição de recursos e recompensas. Em organizações cujo poder é descentralizado e existem estruturas mais democráticas, a orientação será mais igualitária e as alocações de recursos serão mais bem distribuídas.

Ao analisar as estruturas, Veiga (2010) observa que a primeira delas (valor elitista) valoriza as relações desiguais de poder (autoridade), a escassa ênfase no igualitarismo (participação) e a importância elevada nas recompensas. O poder desigual também é valorizado pela estrutura de valor liderança, todavia distingue valores como liderança, trabalho em equipe e coesão. Em lados opostos, apresentam-se os valores meritocracia e colegial, em que uma distribuição menos desigual de poder é valorizada, além de se alternarem os processos equitativos e igualitários como nas estruturas anteriores, conforme a Figura 10.

ESTRUTURA

Poder desigual Poder igual

Equitativo PROCESSO Elite Valores + Autoridade Desempenho Recompensa Valores – Trabalho em Equipe Liderança Participação Comprometimento Normativo Afiliação Meritocracia Valores + Trabalho em Equipe Participação Desempenho Recompensa Comprometimento Normativo Afiliação Valores – Autoridade Liderança Igualitário Liderança Valores + Autoridade Liderança Trabalho em equipe Comprometimento Desempenho Recompensa Afiliação Valores – Participação Comprometimento Normativo Colegial Valores + Trabalho em Equipe Participação Comprometimento Normativo Afiliação Valores – Autoridade Liderança Desempenho Recompensa Afiliação

Processo Compensa a Estrutura Processo Reforça a Estrutura

Figura 10. Valores esposados segundo Kabanoff et al. (1995).

De forma similar e utilizando a mesma estratégia, Kabanoff e Daly (2000; 2002) confirmaram a taxonomia anteriormente apresentada. O resultado demonstrado no trabalho de Kabanoff, Walderse e Cohen (1995) informa que o valor organizacional preponderante influencia a maneira como sujeitos percebem a mudança organizacional. Os defensores dessa tipologia observam que para julgar os valores de uma organização é fundamental a análise dos documentos produzidos por tal organização, seja porque exibem o que é valorizado pela organização, seja porque refletem a visão do corpo diretivo. Assim, defendem o estudo dos valores presentes nos documentos oficiais, isto é, os valores esposados (Kabanoff & Daly, 2002).

Quando se busca no contexto brasileiro os pesquisadores que contribuíram com a literatura dos valores organizacionais, o primeiro nome que surge é de Álvaro Tamayo, que iniciou, em 1986, sua primeira pesquisa na área de valores por intermédio do inventário de valores de Rokeach (IVR), adaptado para o Brasil por Günther (1981). Tamayo (1996) observa que as organizações, da mesma maneira que ocorre com as pessoas e os grupos sociais, apresentam necessidades universais que precisam ser satisfeitas, com a finalidade de

garantir a sobrevivência. Os valores organizacionais, então, originam-se em resposta a estas exigências ou problemas eminentemente organizacionais (Tamayo & Borges, 2001). Caberia aos fundadores ou pessoas de alta influência na organização a introdução dos valores organizacionais; entretanto, seu processo de desenvolvimento levaria em consideração as interações entre necessidades internas e externas da organização

Disso resulta que as necessidades a serem satisfeitas devem considerar três exigências fundamentais ou problemas, seguindo as referências de Schwartz e Ros (1995): (1) a relação do indivíduo com o grupo (relação que sempre se apresenta como conflituosa, porque é difícil harmonizar os interesses do indivíduo com os da organização); (2) a necessidade de estabelecer uma estrutura (para sobreviver, a organização necessita definir as normas, papéis, subsistemas organizacionais, relações de trabalho, entre outros); (3) a relação entre a organização e o meio ambiente natural e social (para continuar existindo, a organização tem que interagir ininterruptamente com o ambiente externo, com o objetivo de identificar e planejar as respostas adequadas).

Fundamentado nas necessidades (três exigências) e na abordagem cultural de valores de Schwartz e Ros (1995), Tamayo (1996) sugere um modelo para o estudo dos valores organizacionais, com base na existência de três dimensões bipolares (formadas por seis tipos motivacionais) como resposta das organizações, que são: (1) relação do indivíduo-grupo (autonomia versus conservadorismo), (2) relação estrutural (hierarquia versus igualitarismo) e (3) relação com o meio ambiente natural e social (domínio versus harmonia). Tamayo (1996) sugere, ainda, a existência de uma relação dinâmica de compatibilidade e ou conflito entre as dimensões, que se vislumbraria pelo grau de proximidade ou afastamento entre os polos motivacionais, conforme exposto Figura 11.

Figura 11. Estrutura dos valores organizacionais segundo Tamayo (1996).

A primeira dimensão, autonomia versus conservação, versa sobre as alternativas existentes de compatibilização entre os interesses do indivíduo e da organização. Quando a ênfase da organização recai sobre o polo de autonomia, existe liberdade paro o indivíduo estabelecer metas em harmonia com as da organização. Tais organizações são caracterizadas por valorizarem a inovação, a criatividade bem como a promoção de mudanças e originais formas de agir, pensar, produzir e trabalhar. No extremo oposto dessa dimensão, tem-se a ostentação da manutenção do status quo, com a preferência pela implementação das soluções já existentes dentro do contexto organizacional, com o desencorajamento de comportamentos que perturbem as normas e as tradições.

A segunda dimensão abrange a hierarquia versus o igualitarismo e trata da estrutura assumida, que define o sistema social da organização. Organizações que privilegiam a hierarquia buscam assegurar o comprometimento dos membros com a missão e os valores da organização bem como sua manutenção; há ênfase na autoridade, poder social, influência, fiscalização e controle.O polo oposto, a dimensão do igualitarismo, ressalta o bem-estar dos membros da organização, de forma geral; os sujeitos são tratados como iguais; existem poucos níveis hierárquico e ocorre o predomínio do consenso. A ênfase recai sobre valores que expressam justiça social, equidade e responsabilidade.

Au to n o m ia C o n ser v aç ão

A terceira dimensão trata das relações entre harmonia versus domínio, representando a relação entre a organização e o ambiente físico e social em que se insere, adicionando a forma de como a empresa solucionará os problemas dessa interação. No primeiro polo, apresenta-se a harmonia, que se caracteriza por valores como proteção da natureza, cooperação, integração no relacionamento interorganizacional e tolerância, os quais buscam a experiência de um relacionamento harmonioso com o ambiente. No polo oposto, tem-se o domínio, representado por uma relação desequilibrada com o meio ambiente. Assim, as prioridades axiológicas refletem a supremacia dos interesses e sucesso da organização em detrimento do meio ambiente, ou seja, valores ligados a esforços para obtenção de controle e exploração do meio ambiente são salientados. Essas dimensões propostas por Tamayo (1996) podem “constituir os pilares teóricos para o estudo empírico da estrutura de valores organizacionais tal como são percebidos pelos empregados” (Ros, 2006a, p. 425).

As prioridades axiológicas de uma organização especificam a natureza dos valores dominantes da organização (tipos motivacionais dominantes), podendo ser consideradas um sistema com relativa estabilidade dos valores, os quais determinam e sustentam o clima e a cultura organizacional (Tamayo, 1996). O autor destaca, ainda, que o papel dos valores organizacionais compartilhados é produzir modelos mentais análogos sobre o funcionamento e a missão da organização, ou seja, tais modelos mentais orientam o comportamento dos membros da organização. “O comportamento dos empregados na organização, as explicações que eles dão da rotina organizacional e possivelmente seu comprometimento com a empresa são determinados pela percepção que eles têm dos valores organizacionais” (Tamayo, 1996, p. 189).

Soma-se a isso o fato de os valores organizacionais auxiliarem na constituição da identidade organizacional, o que origina a diferenciação organizacional (Tamayo, 1998). Dois papéis são atribuídos ao compartilhamento dos valores, um externo e um interno. O externo propicia a adaptação e sobrevivência da organização ao ambiente. O papel facilita as relações intraorganizacionais (O’Reilly et al. 1991).

A defesa realizada ao propor a existência de prioridades axiológicas da organização não significa dizer que uma entidade tenha valores, porque os valores da organização “só existem na mente de seus membros” (Tamayo, 2008, p. 310). Os valores que são considerados importantes e desejáveis pelos fundadores ou membros influentes foram registrados nos documentos, discursos oficiais da organização, ou mesmo apresentados no