• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II. CULTURA, VALORES E PRÁTICAS ORGANIZACIONAIS

SEÇÃO 3. PRÁTICAS SOCIAIS E PRÁTICAS ORGANIZACIONAIS

3.1 PRÁTICAS SOCIAIS

O estudo das práticas sociais tem ganhado relevo nos últimos anos (Guarido Filho & Machado-da-Silva, 2009). Essas práticas podem ser compreendidas como construções dos atores sociais em seus contextos de interação, como, por exemplo, a organização (Souza et al., 2011).

3.1.1 Práticas Sociais: uma abordagem preliminar

Na visão de Bourdieu (1989, p. 261), a prática é definida como o produto de uma relação dialética entre a situação e o habitus, compreendido como um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, agregando todas as experiências passadas, trabalham em cada momento como uma “matriz de percepções, apreciações e ações”, que torna possível cumprir tarefas imensamente distintas graças à transferência analógica de esquemas concebidos numa prática anterior.

A síntese de Bourdieu (2004) centra-se no indivíduo socializado, entendendo o habitus como a manifestação das coerções e necessidades da vida social no indivíduo  a exata incorporação dessas necessidades pelo ator (Suassuna, 2008). Assim, ele concebe o habitus como “o social inscrito no corpo, no indivíduo biológico” (p. 82), ou ainda, “uma subjetividade socializada” (Bourdieu & Wacquant, 1992, p. 126). De forma mais clara, o conceito de habitus pode ser entendido como habilidades treinadas e disposições estruturadas para pensar, sentir e agir de modos produzidos, ou seja, a maneira como a sociedade sente-se representada nos indivíduos de maneira durável, dirigindo suas ações e respostas às pressões e demandas do meio social (Bourdieu, 1989). Destaca esse autor que as características “criativas, ativas e inventivas” do habitus, aponta “a disposição incorporada, quase postural” de um sujeito em ação, focando com isso o “lado ativo do conhecimento prático” (p. 64).

Ainda sobre o habitus, Bourdieu (1989, p. 64) ressalta que pode ser entendido como o aglomerado sistematizado de princípios substituíveis, geradores e organizadores de práticas e de representações, por meio das quais podem ser originadas soluções “que não se deduzem diretamente das condições de produção”.

O habitus, em síntese, pode ser apresentado como um sistema relativamente durável, embora, modificável de forma incremental, de arranjos práticos de conduta e de esquemas de percepção e classificação, por meio dos quais os agentes concebem suas ações e representações de ações e instituições no mundo social (Bourdieu, 1989). O sistema, adicionado por um processo implícito de aprendizagem, é resultante das experiências adquiridas ao longo de uma trajetória biográfica privada, em um universo social definido de atuação, universo cujas obrigações particulares tornam-se, por assim dizer, alocadas ou sedimentadas nos corpos e mentes dos atores sob o formato de uma matriz durável gerativa de práticas e representações implicitamente adaptativas às exigências das condições sociais das quais ela é produto (Peters, 2006).

Para Bourdieu (2004), a tentativa de superação da oposição indivíduo e sociedade, agente e estrutura, subjetivo e objetivo, aparece por intermédio das características do habitus, ou seja, não se constitui de ações individuais sempre conscientes e consequentes; e não pode ser lido como simples adaptação às estruturas sociais. O habitus afigura-se, em outra medida, como incorporação, por parte do indivíduo biológico, das necessidades práticas imanentes à vida social (Bourdieu 2004; Bordieu & Wacquant, 1992).

Com base nesse pensamento, distintas estratégias são lançadas, levando os sujeitos ao exercício de práticas sociais em diferentes contextos (Souza et al., 2011). Esses contextos são preexistentes aos próprios indivíduos e, portanto, norteiam o sentido de suas ações, inclinando-os a pensar, sentir e agir de modos definidos em todos os níveis de interação. Por outro lado, as práticas “concernem aos atores, pois toda a questão está na prática destes”, ou seja, cabe aos atores agir e modificar seus contextos, por intermédio de suas práticas incessantes (Dupuis,1996, p. 239).

Segundo Cohen (1999), cabem às práticas a capacidade de intervenção para o curso e os resultados das atividades sociais, as quais podem compreender a organização sequencial e interativa de diversas práticas exploradas por outros. Se a vida social se diferencia da natureza pela execução das práticas sociais, então a base dessa diferenciação consiste nas habilidades e recursos requeridos para se desempenhar uma dada prática (Cohen, 1999).

As práticas sociais são assistidas como construções dos atores sociais em seus contextos de interação, afirmam Souza et al. (2011), podendo esse contexto ser ou não uma

organização. Os termos práticas sociais e organização, segundo os autores, apresentam-se interligados, ficando as práticas entendidas como ações nas organizações, mesmo antes de serem princípios administrativos. Dupuis (1996, p. 238), ao estudar as práticas, faz referência à “essência da tese de Bourdieu”, na qual esse “recusa reduzir as ações dos indivíduos a atos puramente racionais ou a atos puramente mecânicos”, acolhendo, com isso, a ideia de “ações voluntárias dos indivíduos e das pressões objetivas que limitam essas ações”. Parte dessa construção o conceito de habitus de Bourdieu, de extrema importância, segundo o autor, para o “funcionamento sistemático do corpo socializado” (Bourdieu, 1989, p. 64).

As práticas, diz Accardo (1991, p. 133), são difundidas em “graus diversos entre dois polos opostos”. No primeiro polo, as práticas parecem operar de maneira completamente livre, por serem conduzidas por uma lógica “que nos escapa que é a do habitus”, ficando evidentes, sem indigência de serem explicadas. No segundo polo, estão “as práticas conscientes e expressamente regradas, codificadas por regras gramaticais, técnicas, morais, jurídicas etc.”, ou seja, aquelas que “somente a razão e a regra podem impor”.

O conjunto de regras e normas de conduta empregadas para a representação regular da práxis social toma por base um conjunto de propriedades estruturais, de sistemas sociais, que se desenvolvem ao longo do tempo e do espaço devido à sua natureza institucionalizada. Explicam-se, dessa maneira, a relação entre as práticas sociais e o conhecimento mútuo dessas práticas (Oliveira & Segatto, 2009).

Para Souza et al. (2011), existe uma concordância dos autores ao definirem práticas sociais, especialmente no que se refere à regularidade que lhes é peculiar. Isso é reforçado por Cohen (1999), que qualifica práticas sociais como atividades humanas recorrentes, estabelecidas por significados institucionalmente compartilhados.

Vale ressaltar que qualquer mudança ou manutenção de práticas sociais é sensível à cultura. Essa afirmação pode ser justificada por Torres (2009) ao se referir à necessidade de indivíduos que realizam negócios entenderem a cultura dos contextos em que atuam, no sentido de apreender suas práticas.

A definição proferida por Bourdieu (2009) sobre práticas sociais revela que essas são capacidades sociais, que variam no tempo e no espaço, possíveis de serem transferidas, ou seja, não são estáticas, encontram-se no interior e entre sujeitos da mesma classe e que fundamentam os diferentes estilos de vida. As práticas sociais caracterizam-se, segundo esse autor, como duráveis, dinâmicas, estabelecidas socialmente, podendo ser desgastadas, contraditas, ou mesmo arruinadas pela exposição a novas forças externas, com relativa autonomia no que se refere às determinações externas do agora.

A explicação fornecida por Cohen (1999) para as relações entre práticas sociais e instituições diz respeito às propriedades estruturais, que são instituídas pela reprodução das práticas, sendo que, ao mesmo tempo, permitem essa reprodução. Essa resultante (meio e resultado da reprodução das práticas), segundo Dupuis (1996), é o contexto de interação social, no qual são desenvolvidas pressões, autorizadas as ações, fixadas e desenvolvidas as práticas dos indivíduos de uma sociedade, ou mesmo de uma organização.

Na visão de Dupuis (1996), contextos de interação social (por exemplo, organizações) são ambientes propícios para se originarem práticas sociais, que, com o transcurso do tempo, passam a configurar a cultura. Essas práticas contextualizadas contêm uma cultura, na medida em que comunicam sentidos e significados para os sujeitos dos ambientes em que as práticas se desenvolvem. É feita a afirmação de que o conceito de cultura permeia contextos de interação social (organizações, igrejas, grupos políticos), práticas dos indivíduos e significações das ações (Dupuis, 1996).