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CAPÍTULO II. CULTURA, VALORES E PRÁTICAS ORGANIZACIONAIS

SEÇÃO 3. PRÁTICAS SOCIAIS E PRÁTICAS ORGANIZACIONAIS

4.1 RELAÇÃO ENTRE CULTURA E IDENTIDADE

Cultura e identidade são construtos atrelados (Dutton & Dukerich, 1991; Hatch, 1993; Fiol, Hatch & Golden-Biddle, 1998; Schein, 1985), de forma mais enfática, à cultura da identidade da organização (Cheung, Wong, & Wu, 2011). Recentemente alguns autores têm se esforçado para conceituar (Hatch & Schultz, 2002; Prati, McMillan-Capehart & Karriker, 2009) e investigar (Millward & Haslam, 2013; Ravasi & Schultz, 2006), de forma precisa, essa inter-relação.

Por intermédio de valores tácitos ou esposados, crenças, práticas normativas e prescritivas, a cultura organizacional auxilia os funcionários a criar um sentido de si-mesmo em relação à organização, e como tal, fornecer uma base ideal para que certas identidades se tornem acessíveis e significativas (Cornelissen et al, 2007; Millward, 1995; Millward & Haslam, 2013). Por exemplo, nos estudos de Prati et al. (2009) a concretizar seu objetivo, as culturas que expressam valores e práticas coletivistas são mais propensas a manter as normas de trabalho em equipe e a coordenação relacional (Millward & Haslam, 2013; Prati et al., 2009) e, assim, aumentam a acessibilidade relativa do nível de equipe. Em contraste, as culturas que promulgam valores e práticas individualistas tendem a incentivar a identificação focada na carreira (Millward & Haslam, 2013; van Dick et al., 2005).

Os estudos que enfatizam a relação entre trabalho e identidade estão entre os celebrados nas pesquisas internacionais (Kira & Balkin, 2014). Os resultados positivos dessa relação estabelecem-se quando os funcionários percebem seu trabalho como significativo (Ménard & Brunet, 2011; Pratt & Ashforth, 2003; Scroggins, 2008) e capaz de promover bem-estar (Kernis & Goldman, 2006), resultando em um melhor desempenho do indivíduo no trabalho (Kira & Balkin, 2014). Para tanto, os sujeitos da organização moldam suas identidades, de tal forma que ocorra um alinhamento entre as identidades e a situações de trabalho (Ibarra, 1999; Ibarra & Barbulescu, 2010; Pratt, Rockmann & Kaufmann, 2006).

Uma parte significativa das investigações, entretanto, tem recaído mais sobre os desalinhamentos entre o trabalho e as identidades do que aos seus alinhamentos (por exemplo, Ibarra & Barbulescu, 2010; Pratt et al., 2006; Sveningsson & Alvesson, 2003). Cabe ainda salientar que não só os desalinhamentos, mas, também, os alinhamentos influenciam a cognição, as emoções, a motivação e o desempenho dos trabalhadores (Kira & Balkin, 2014).

Os estudos empíricos mais recentes que tratam da relação entre cultura organizacional e identidade têm apontado que a identidade sofre influência tanto dos valores organizacionais (que afetam a acessibilidade da identidade), quanto da maneira como essas identidades são enquadradas localmente, isto é, sob influência direta das práticas organizacionais, o que afeta o ajuste da identidade (Millward & Haslam, 2013).

Cumpre salientar que a identificação necessita de expectativas anteriores, metas e valores (Oakes, Haslam & Turner, 1994; Turner, Oakes, Haslam, McGarty, 1994). Essas predisposições podem derivar de crenças compartilhadas e influências de grupos que conferem estabilidade, previsibilidade e continuidade à experiência (Barreto, Ellemers & Palacios, 2004; Fiol & O’Connor, 2005; Haslam & Ellemers, 2005; Peteraf & Shanley, 1997; Riketta, van Dick & Rousseau, 1998; Rousseau, 1998). Desta forma, a hipótese de acessar a identidade implica em tendências dos indivíduos para organizar e interpretar o mundo de maneira a refletir suas experiências anteriores com determinadas categorias sociais (Millward & Haslam, 2013).

Para Millward e Haslan (2013), esse fato se deve aos estudos empíricos que evidenciam que, na medida em que o self pessoal é definido em termos da sua pertença a um grupo específico (ou seja, a identificação organizacional, ou identidade profissional), a identidade se torna um poderoso preditor de uma gama de comportamentos organizacionais, de comunicação e conformidade à liderança e lealdade (para revisões recentes ver, por exemplo, Akerlof & Kranton, 2009; Ellemers, Gilder & Haslam, 2004). A identidade, afeta o

modo como a pessoa se sente a respeito de sua participação na organização, além de determinar o comportamento dentro do ambiente organizacional (Prati, McMillan-Capehart & Karriker, 2009). Ainda mais, a identificação organizacional é capaz de oferecer benefícios materiais para as organizações (van Dick, Stellmacher, Wagner, Lemmer & Tissington, 2009; Millward & Postmes de 2010; Wieseke, Ahearne, Lam & van Dick, 2009).

Para estudar como a acessibilidade à identidade funciona em contextos organizacionais, Millward e Haslam (2013) investigaram a influência potencial de diferentes culturas organizacionais sobre as identidades dos indivíduos. O estudo, que utilizou abordagens experimentais e quase-experimentais, mediu três focos de identificação (com a organização, com o grupo de trabalho, com a carreira), sob três condições de ajuste de identidade (organizacional, grupo de trabalho, carreira), em duas organizações de saúde, uma do setor público (coletivista) e outra do setor privado (individualista).

Os resultados mostraram que os valores coletivistas com foco na identificação com o grupo de trabalho foi maior quando o ajuste da identidade residiu sobre grupo de trabalho, no setor público (ou seja, em que os valores coletivistas foram previstos para fazer a identidade do grupo de trabalho mais significativa). Por outro lado, a identificação com a carreira foi maior quando a manipulação do ajuste foi executada para a identidade com a carreira, notável na organização do setor privado (isto é, em que os valores individualistas foram previstos para fazer a identidade com a carreira mais significativa) (Millward & Haslam, 2013).

Na pesquisa conduzida por Chen (2011), a cultura organizacional está positivamente relacionada com a identidade organizacional; além disso, a identidade organizacional teve um efeito de mediação entre a cultura organizacional e a vantagem competitiva, ou seja, nos resultados da organização. Sua pesquisa sugere que o fortalecimento da cultura organizacional verde e da liderança ambiental impacta no aumento da identidade organizacional verde, aumentando as vantagens competitivas das empresas. Os efeitos foram maiores para grandes empresas se comparados com as médias e pequenas organizações.

As entrevistas realizadas por Ruiz Castro (2012), em seu estudo, constataram que a identidade profissional é influenciada pela cultura organizacional. Com base nas diferenças de gênero, em que a vinculação a longas jornadas significa, segundo a investigação, comprometimento com a organização e progressão na carreira, as entrevistas são permitidas somente a homens, mesmo prejudicando a relação trabalho-vida para todos na organização. Outros autores, que trataram da perspectiva temporal, mas, dessa vez, atrelada ao processo de construção e reconstrução da identidade organizacional, foram Schultz e Hernes (2013). Para eles, o passado influencia a articulação e as reivindicações para a reconstrução da identidade

futura. Assim, quanto maior o tempo da memória ativa, maior o prazo para formular os pedidos para uma identidade futura. A identidade, partindo de perspectiva de um presente contínuo, acrescenta uma nova dimensão para a compreensão da dinâmica temporal da identidade organizacional.

No artigo de Prati et al. (2009) são discutidas as relações de inteligência gerencial emocional, coordenação relacional e cultura organizacional do clã no estabelecimento da identidade organizacional dos subordinados. A administração das funções organizacionais é influenciada pela inteligência emocional dos gestores. A teorização realizada estabelece que o gestor emocionalmente inteligente possa usar a ferramenta estratégica de coordenação relacional para influenciar a cultura da organização e para a criação de uma forte identidade organizacional aos seguidores.

O modelo proposto por Brickson (2013) observa que os membros da organização realizam duas comparações de identidades para avaliar o valor da filiação organizacional para fins de identificação. Na primeira, compara-se a identidade atual da organização com a identidade do sujeito, o que lhes permite avaliar a capacidade da organização para atender a sua motivação para a autocontinuidade. Na segunda, comparam-se a identidade atual da organização com a identidade esperada do sujeito, permitindo-lhes avaliar a capacidade da organização para atender a sua motivação para a autoestima. Os autores discutem se a congruência da identidade indivíduo-organização pode ser considerada um precursor dinâmico para a identificação, em vez de um indicador estático.

Ao testar as diferenças de gênero, experiência profissional e escolaridade, na opinião de professores, sobre percepção da identidade organizacional, Özan e Şener (2013) não encontraram diferenças significativas para gênero, mesmo as médias sendo maiores para professores do sexo masculino. No que se refere à diferença na experiência profissional, o estudo mostrou que quanto maior o tempo de experiência, maior a identificação organizacional. E por fim, não há diferenças significativas na percepção da identidade organizacional sobre o nível de escolaridade, mesmo os resultados indicando que quanto mais altos são os níveis de ensino dos professores, menores são as percepções de identidade que eles desenvolvem em relação a suas próprias instituições, em virtude alto nível de expectativas. Relações como essas foram testadas por Nascimento, Torres, Souza, Nascimento e Adaid-Castro (2013), que encontraram predições positivas relativas a sexo, idade, tempo no trabalho, nível hierárquico, e negativas relacionadas ao nível de escolaridade, sobre a identidade profissional de policiais. Hsu e Elsbach (2013) também encontraram predições positivas da idade e do sexo sobre a identidade organizacional.

No estudo conduzido por Chang e Wu (2013), testou-se a relação de mediação da identificação organizacional entre tarefas e o compartilhamento do conhecimento. Os resultados demonstraram que a identificação organizacional mediou totalmente a relação entre o feedback de tarefas e o compartilhamento de conhecimento, e, parcialmente as relações entre o apoio social, a autonomia de tarefas e o compartilhamento de conhecimento.

Ao analisar a influência da cultura organizacional na identidade organizacional, Bingöl, Şener e Çevik (2013) encontraram uma influência positiva dos valores sobre a identidade. Por intermédio de sete indicadores (configurações de metas e realização, orientação da equipe, coordenação e integração, ênfase no desempenho, orientação para inovação, participação dos membros, e orientação para recompensa), Cheung et al. (2011) observaram que a cultura organizacional é responsável por formar a identidade organizacional. Outro resultado mostrou o papel de moderador que a identidade apresenta entre a cultura organizacional e a imagem organizacional percebida.

De forma similar, Smith, Cunha, Giangreco, Vasilaki e Carugati (2013) e Tataw (2012) mostram a influência direta das práticas de recursos humanos sobre a identidade. He e Baruch (2009) também salientam as implicações de mudanças nas práticas organizacionais na identidade organizacional, o que estabelece uma relação direta entre esses construtos. Outros autores (Bradford, Quinton, Myhill & Porter, 2014) identificaram o papel da justiça organizacional sobre a identidade e a motivação da atividade policial. Os resultados sugerem que a justiça organizacional melhore a identificação com a organização policial, incentive os funcionários a assumir novos papéis (modificando as práticas), aumente as opiniões positivas de policiamento comunitário, e esteja associada com maior adesão autorrelatada.

As pesquisas revisadas nesta seção corresponderam à forma que Ravise e Canato (2013) utilizaram para sintetizar as principais abordagens metodológicas utilizadas nas pesquisas de identidade organizacional. Esses autores categorizaram os estudos em cinco métodos fundamentais, divididos em duas categorias. A primeira apresenta os estudos baseados em avaliação quantitativa e a segunda apresenta as abordagens baseadas em pesquisa qualitativa, o que, de forma similar, foi encontrado no contexto brasileiro, conforme revisão de Beyda e Macedo-Soares (2010) e Martins (2013).

Nos estudos ora revisados, buscou-se a relação entre cultura, valores, práticas organizacionais e identidade; entretanto, poucos foram os estudos que especificavam quais valores (e.g., Bingöl et al., 2013) e quais práticas (Smith et al., 2013) influenciam a identidade profissional e organizacional dos indivíduos no contexto do trabalho. Diante disso, esta tese contribuirá com a literatura, entre outros aspectos, com os estudos referentes à

influência dos valores e das práticas (utilizando-se modelos teóricos específicos) sobre a identidade profissional/organizacional, bem como com o impacto no desempenho no trabalho, cumprindo parte da agenda proposta por Beyda e Macedo-Soares (2010).

O próximo tópico cuidará da relação entre cultura organizacional e desempenho, que expões os principais resultados empíricos encontrados na literatura.