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CAPÍTULO III. IDENTIDADE NO CONTEXTO DO TRABALHO E DA ORGANIZAÇÃO

SEÇÃO 1. IDENTIDADE: QUESTÕES HISTÓRICAS

1.2 IDENTIDADE PESSOAL

A identidade apresenta-se como um processo em edificação, demarcado pela intermediação constante das identidades assumidas e das identidades visadas (Dubar, 1996). Essa extensão existente entre tais tipos de identidades é o que se configura como espaço de conformação do eu, ou seja, da construção da identidade. É sob esse ambiente que se processam as interações sociais e se estabelece a participação dos outros na construção da própria identidade.

Para Dubar (2005), a identidade para si e a identidade para o outro são, ao mesmo tempo, inseparáveis e ligadas de maneira problemática. Inseparáveis, no sentido de que a identidade para si correlaciona-se com o outro e com seu reconhecimento, “nunca sei quem sou a não ser pelo olhar do outro” (Dubar, 2005, p. 135). Problemáticas, em virtude da dependência de uma comunicação para saber qual identidade o outro nos atribui e, assim, formar nossa própria identidade, dado que a experiência do outro não pode ser vivida de forma direta pelo eu (Laing, 1961, 1986).

Entre outros autores, coube a Ciampa (2007) tratar dos aspectos mais pessoais da identidade; assim, para esse autor a compreensão da identidade é imediata e imutável, estabelecida como um traço estatístico que define o ser, mesmo que essa estabilidade da identidade não seja aceita por outros autores (Tajfel, 1978; Ellemers et al., 2002, Nascimento, 2010). A marca primeira desse traço é o nome, dado à pessoa por ocasião de seu nascimento, elemento diferenciador, que num primeiro momento o identifica e, em segundo momento, faz com que, com o nome, possa ocorrer a autoidentificação. “O nome é mais que um rótulo ou etiqueta: serve como uma espécie de síntese ou chancela, que confirma e autentica nossa identidade. É o símbolo de nós mesmos” (Ciampa, 2007, p. 131). Entretanto, cabe destacar que o próprio Ciampa (2007) reviu essa imutabilidade da identidade, sinalizando a constituição de fluída e transitória.

Ao estabelecer sua corrente teórica para o estudo da identidade, Ciampa (2007) esclarece que o nome não é a identidade, mas sim sua representação (Goffman, 1959, 2011), que, atualmente, vem precedido por uma atividade, conceito traduzido por proposições substantivas, já que o ser se manifesta por intermédio dela. Ferdman (2003) observa que cada

indivíduo apresenta variadas fontes para constituir sua identidade, por aspectos ligados a religião, espiritualidade, saúde, educação, habilidade física ou mental, fatores geográficos e políticos, características fenotípicas ou genotípicas, ordem de nascimento, idiomas, experiência de vida, raça, etnia, nacionalidade, gênero, família orientação sexual, identidade profissional, classe social e idade, dentre outras fontes.

Para Erickson (1994), a formação da identidade opera em diferentes fases do ciclo de vida, ou seja, a infância e a adolescência são períodos em que influência dos outros na definição das identidades é mais forte. Na idade adulta, os espelhos que norteiam as escolhas não estão tão disponíveis como na infância ou na adolescência; mesmo assim, o indivíduo continua buscando referências, protótipos e modelos até atingir determinado nível de composição entre a sua interioridade e a exterioridade, que corresponde ao processo de individuação. Assim, a identidade, que assume a forma de um nome próprio, vai adotando novas predicações e assumindo personagens. O indivíduo deixa de ser algo, ele se torna o que ele faz, onde vive, como se estabelece dentro de determinados grupos e categorias sociais.

Nesse ponto, para Ciampa (2007), o indivíduo sai de sua individualidade e passa a ser relacionado com os outros; por isso, recebe um sobrenome, que o torna parte de algo, que os une a outras pessoas, constituindo uma família. Fica clara a necessidade de se estabelecer uma dialética, em que o igual e o diferente se combinam para a construção da identidade, mostrando a articulação da igualdade e da diferença.

A identidade, como descreve Anchieta (2003), refere-se à representação em um dado período da história do indivíduo, atrelada a certo contexto social, que carrega um sistema de características físicas, psicológicas, morais, jurídicas, sociais e culturais, sistema esse que institui a definição da pessoa feita por ela mesma ou por outro.

Não se pode isolar, de um lado, todo um conjunto de elementos (biológicos, psicológicos, sociais, entre outros) que podem caracterizar um indivíduo, identificando-o, e, de outro lado, a representação desse indivíduo, como uma espécie de duplicação mental ou simbólica, que expressaria a identidade do mesmo. Isto porque há uma espécie de interpretação desses dois aspectos, de tal forma que a individualidade dada já pressupõe um processo anterior de representação, que faz parte da constituição do indivíduo representado (Ciampa, 2007).

Identidade, como se vê, é ao mesmo tempo a inter-relação que existe entre igualdade e desigualdade, evocando, tanto a qualidade do que é idêntico como a noção de um conjunto de caracteres que fazem reconhecer um indivíduo como diferente dos demais (Jacques, 1998).

Portanto, a identidade implica tanto no reconhecimento de que um indivíduo é o próprio como, também, pertence a um todo, confundindo-se com outros, seus iguais.

Ciampa (2007) conclui que a identidade é fluida, já que a realidade está sempre em movimento. A análise da estrutura social, fator preponderante para a definição dos padrões de identidade, articula-se entre as diferenças e igualdades, determinando a existência do ser, por meio da unidade dessa multiplicidade.

A ideia de identidade, tratada como um processo construído individualmente, implicando em um sujeito autônomo e unitário, vem sendo questionada por teóricos do campo dos estudos culturais (Guareschi, Medeiros & Bruschi, 2003; Hall, 2000; Silva, 2004; Woodward, 2004). Para esses autores, as identidades modernas estão entrando em esgotamento, em virtude de um tipo diferente de mudança estrutural que está modificando as sociedades desde o final do século passado, apresentando como resultado a fragmentação das paisagens culturais de classe, sexualidade, nacionalidade, entre outras, que, no passado, forneciam sólidas localizações como indivíduos sociais (Machado, 2003).

A centralidade da cultura na constituição da subjetividade, da própria identidade e do indivíduo como um ator social é apontada pelos teóricos culturalistas. A ênfase na cultura, como elemento das identidades e dos processos de subjetivação, provoca uma compreensão de identidade como algo múltiplo, instável e dependente da adesão a grupos, asseverando uma identidade coletiva e não mais como uma realização individual. Para essa perspectiva, a cultura é refletida no domínio simbólico, na constituição de significações, organizando visões de mundo que, nesse processo, constituem também posições-de-sujeito (Bernardes & Hoenisch, 2003).

Portanto, compreende-se que o conceito do eu, ou self, é uma construção mental complexa, fruto de uma relação dialética que considera o indivíduo igual a seus pares, mas único na sua existência, na sua experiência e vivência pessoal. Assim, uma identidade bem construída é aquela em que existe o delineamento e se impõem os limites entre a individualidade e os grupos aos quais a pessoa está vinculada. Disso resulta que, mesmo reunidos na presença física, o eu e o grupo encontram-se separados nos processos psíquicos (Machado, 2003).

As dificuldades encontradas no percurso de formação da identidade, que levavam em conta uma excessiva ênfase, ora no aspecto individual, ora no social, são também constatadas na atualidade sob formas diferentes, embora no cerne ainda carreguem o problema de origem, referente à demarcação do território limítrofe do social e do individual (Laurenti & Barros, 2000).