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CAPÍTULO III. IDENTIDADE NO CONTEXTO DO TRABALHO E DA ORGANIZAÇÃO

SEÇÃO 2. IDENTIDADE SOCIAL POR INTERMÉDIO DA TEORIA DA IDENTIDADE SOCIAL

2.2 IDENTIDADE PROFISSIONAL

A noção de trabalho apresenta-se na história da humanidade como forma de conceber o atendimento às necessidades de sobrevivência dos indivíduos, passando, nos últimos

3 Nesta tese a noção de identidade no trabalho foi considerada como sinônimo de identidade profissional. Para maiores esclarecimentos as referências de Dubar (2005) e Sainsanlieu (1977) podem ser esclarecedoras.

séculos, em virtude de algumas circunstâncias históricas, à forma de criar riquezas e investir no sentido econômico (Coutinho, Krawuslki & Soares, 2007). Nesse sentido, o homem passou a ser enxergado como um elemento de força de trabalho e se viu transformado de indivíduo em trabalhador, ou seja, o trabalho passou a significar um instrumento do valor e da dignidade humana (Krawulski, 1998).

Ao desempenhar papéis, ou melhor, pelo seu exercício é que os indivíduos constroem ativamente suas identidades (Baugnet, 1998). No mesmo sentido, os papéis vinculados ao mundo do trabalho compõem uma faceta da estrutura identitária dos indivíduos, de acordo com Sainsanlieu (1995), e a empresa apresenta-se como um lugar importante para a socialização dos indivíduos que nela trabalham. A organização, para Sainsanlieu (1995), apresenta-se como uma instituição de socialização secundária, a qual, depois da escola e da família, modela atitudes, comportamentos, a ponto de produzir uma identidade profissional e social.

A identidade profissional básica, como aponta Dubar (2005), leva em consideração não somente uma identidade no trabalho, mas, também, uma projeção da pessoa no futuro, a antecipação de um caminho de emprego e a preparação de uma lógica de aprendizagem, ou melhor, de formação.

A visão de identidade profissional de Dubar (2005) é próxima da noção de identidade no trabalho de Sainsanlieu (1977), que designa modelos culturais ou lógicas de atores em organização, restando a distinção entre as duas acepções da identidade em um importante aspecto, as formas visadas não são relacionais, ou seja, as identidades dos atores em um sistema de ação são também biográficas, referindo-se às trajetórias do indivíduo no transcurso de sua vida no trabalho. Para Dubar (1994), as identidades profissionais são formas reconhecidas socialmente, em que os indivíduos identificam-se uns com os outros no espaço do trabalho e do emprego.

Ao tratar dos processos de socialização dos indivíduos no mundo do trabalho, Sainsanlieu (1995) esclarece que esses são frutos da experiência das relações de poder, vivenciadas no universo produtivo, as quais geram normas coletivas de comportamento e geram a possibilidade de construir uma identidade no trabalho, entendida como a forma de constituir um sentido para si mesmo na multiplicidade de papéis sociais, e de fazê-la ser reconhecida por seus colegas de trabalho.

Verifica-se então, que as identificações plausíveis por parte do indivíduo na organização estão vinculadas, em primeiro lugar, ao trabalho realizado, no qual se verifica que quanto maior a intensidade, maior a possibilidade de progressão profissional; em

segundo lugar, com a empresa, resultado de um sentimento de proteção por parte do indivíduo; e, por último, formando uma identidade pretendida, por meio de uma trajetória regulada em um projeto, em que o indivíduo vislumbra para si no trabalho, ou seja, sua provável identidade (Sainsanlieu, 1995).

Os tipos de relacionamentos, para Sainsanlieu, (1995), aos quais os sujeitos estão submetidos na organização, devem ser igualmente importantes na construção das identidades no trabalho; tal aspecto geralmente é mantido numa hierarquia, que leva em conta a relação entre colegas ou com outras pessoas na empresa. Os sistemas de representação existentes nas organizações tornam-se importantes variáveis no processo de construção das identidades na esfera organizacional. Para Sainsanlieu (1995), as representações, que estão ligadas à legitimação da autoridade na organização, às finalidades do trabalho e da empresa, encontram-se entre as diretamente relacionadas com o autoconceito no trabalho.

Assim, ao examinar a identidade em um espaço com rígida estrutura hierárquica, Sainsanlieu (1977) observou que, em circunstâncias de alta dependência e de inaptidão para a oposição aos outros, colegas ou chefes, os indivíduos só conseguem interpretar sua existência de trabalho de maneira imaginária. Ocorre uma disposição de os indivíduos se diferenciarem de seus inferiores e se identificarem com seus superiores, com vistas à busca de reduzir a sua distância social. Essa identificação com os mais importantes, ou que gozam de maior poder, pode ser explicada como produto de uma avaliação permanente dos meios, de que o indivíduo dispõe para se engajar na luta à ordem estabelecida, escorando a sua diferença no sistema social no qual se insere. Entretanto, Sainsanlieu (1977) alerta que esses processos são obstáculos para o avanço e a igualdade entre pares, em face ao desejo permanente do favoritismo, que, porventura, se estabeleça entre os membros da organização, numa busca de reduzir as desigualdades e dissonâncias.

A identidade no trabalho processa-se nos níveis afetivo e cognitivo (Machado, 2003). Como o indivíduo está envolto em uma estrutura, forma-se uma espécie de mentalidade coletiva, na qual o indivíduo se conforma, assimila suas regras e normas de comportamento e, assim, estabelece vínculos afetivos com as pessoas com as quais coexiste nesse ambiente. Os significados distorcidos, portanto, são oriundos do processo de identificação por parte dos indivíduos. Isto ocorre principalmente quando no ambiente organizacional os indivíduos têm seus espaços de autonomia restringidos, momento em que existe a possibilidade de conceber os procedimentos de identificação que tenham natureza projetiva, isto é, aqueles em que o indivíduo se projeta no lugar do outro. Nessa busca, realiza-se a destituição do lugar ocupado,

ou o de natureza introjetiva e imitativa, perante o qual o indivíduo copia o outro e busca viver a vida do outro.

Ao considerar a identidade no trabalho, notadamente em modelos organizacionais com preponderância de relações de trabalho modernas, os quais pressupõem uma determinada autonomia dos indivíduos, Sainsanlieu (1995) verificou que existe multiplicidade de modelos identitários no universo do trabalho, que se diferenciam, sobretudo, pelos tipos de socialização que os indivíduos compartilham e por suas formas de integração na empresa. O fato de haver diversas formas de se definir o indivíduo em relação às situações de trabalho, ou seja, dada essa variedade de lógicas, existe a possibilidade de diversos tipos de motivação afetarem os indivíduos.

A identidade pessoal e a social, quando se olha o ambiente de trabalho, pode ser construída, ao levar em conta as modalidades de experiência concretas (Dubar, 2005; Machado, 2003). Assim, Sainsanlieu (1995) sustenta que, quando os meios de reconhecimento do indivíduo como autor do resultado do trabalho não são acessíveis a não ser pelo coletivo, a julgar pela fraqueza do sujeito em sustentar sozinho uma relação de desafio, a racionalidade só é acessível quando ocorre certo grau de fusão entre os desejos realizados por meio dos processos de identificação projetiva recíproca entre os pares. No momento em que cada indivíduo dispõe de meios suficientes para obter por conta própria o reconhecimento de suas ações pelos outros, ocorre a conciliação individual do desejo, da reflexão e da ação, a ponto de edificar uma lógica pessoal e particular.

A identidade no trabalho, ou sua constituição, não está desvinculada de interesses pessoais e coletivos, que estão em constante articulação no seio das organizações. Diversos arranjos sociais se desdobram, com suas características e dinâmicas peculiares, permeando a memória dos membros da organização. Ocorre uma seleção, por parte dos indivíduos, daqueles relacionamentos que formarão parte de seu universo relacional, para que, a partir daí, estabeleçam as experiências e os relacionamentos com os quais enfrentarão as pressões pela conquista de espaços de poder na organização (Machado, 2003).

A identidade no trabalho constitui um importante elemento do processo motivacional, que converge para a construção de uma autoestima positiva. Essa constatação não se vincula apenas à realização do trabalho, mas, também, ao domínio social organizacional, o qual é positivamente afetado, levando a maneiras mais criativas de se realizar o trabalho, que integram a subjetividade, a socialização e o trabalho (Machado, 2003), com vistas a serem obtidos melhores desempenhos (Van der Zee, Atsma, & Brodbeck, 2004).

O papel da identidade social em sua vertente profissional ou no trabalho tem sido apresentado em pesquisas com vistas ao seu efeito em equipes interprofissionais (Nishii & Mayer, 2009), havendo evidências de impacto dessa identidade no desempenho de equipes demograficamente diversas (Van Knippenberg & Schippers, 2007; Van Dick et al, 2008), bem como de influência da identidade profissional na interação interprofissional (Fitzgerald & Teal , 2003; Helmreich & Schaefer , 1994), sugerindo mérito na investigação da influência da identidade, vinculado ao desempenho no trabalho (Mitchell, Parker & Giles, 2011).

Na visão de Machado (2003), existe a força dos processos de categorização na organização, que colaboram para maior consolidação da identidade no trabalho, resultando em sentimentos de vinculação e diferenciação, que favorecem uma visão simbólica do indivíduo como integrante de um espaço imaginário maior na organização. Nesse ambiente, concomitantemente, ocorre um fenômeno responsável pela ligação psíquica do indivíduo à organização, ou seja, a identidade organizacional.