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CAPÍTULO III. IDENTIDADE NO CONTEXTO DO TRABALHO E DA ORGANIZAÇÃO

SEÇÃO 2. IDENTIDADE SOCIAL POR INTERMÉDIO DA TEORIA DA IDENTIDADE SOCIAL

2.1 TEORIA DA IDENTIDADE SOCIAL

Na visão da teoria da identidade social (TIS), a constituição do autoconceito do indivíduo é, em alguns aspectos, formada por uma identidade pessoal que abrange seus atributos idiossincráticos (como habilidades, jeito de ser, preferências) e, em outros, pelas identidades sociais provenientes da sua autoclassificação nos grupos nos quais se considera inserido (como nacionalidade, sexo, raça, profissão, religião) (Rocha & Silva, 2007).

Rocha e Silva (2007) apontam para duas funções básicas dessa classificação: a primeira possibilita o ordenamento do ambiente social por intermédio de um processo de segmentação cognitiva, munindo o indivíduo de uma estrutura sistematizada para a definição do outro; e a segunda capacita o indivíduo a se estabelecer e se autodefinir diante da sociedade. A identificação social originaria, então, respostas para a pergunta: quem sou eu? (Ashforth & Mael, 1989).

Com base nas referências da sociologia, Tajfel (1978) assume a perspectiva intergrupal da identidade social e passa a considerar a categorização como um sistema de orientação que vai auxiliar cada indivíduo a criar e definir seu lugar na sociedade. Nessa perspectiva, conforme advertem Galinkin e Zauli (2011), nenhum grupo existe sozinho, uma vez que há necessidade da presença de outros grupos e é justamente nas ligações ou nas

comparações entre grupos que os aspectos positivos da identidade social e o engajamento na ação social ganham sentido.

A estrutura da TIS (Tajfel, 1982; 1983; Tajfel & Turner, 1979), uma das mais importantes teorias no conjunto atual dos modelos sobre as relações intergrupais em psicologia social (Amâncio, 1993), parte da ligação de três conceitos essenciais: categorização social, identidade social e comparação social.

Categorização social é revelada como um instrumento que segmenta, classifica e ordena o ambiente social, servindo como um sistema de orientação que ajuda a criar e definir o lugar do indivíduo na sociedade. Assim, os grupos sociais contribuem para a construção da identidade social dos seus membros. A sociedade é a responsável não só pela definição, mas, também, pela criação da realidade psicológica (Tajfel, 1983). A identificação grupal é um construto cognitivo, ou um processo cognitivo básico (Galinkin e Zauli, 2011; Oliveira, 2008), que se liga à aquisição de conhecimento por intermédio da percepção do indivíduo. Disso resulta que o construto (cognitivo) identificação organizacional não é obrigatoriamente comportamental, nem necessita ser equiparado à internalização, processo individual, no qual uma pessoa se apropria dos valores e modos de conduta de outro indivíduo. Em seguida ao processo de identificação grupal, o indivíduo assume os sucessos e fracassos desse grupo, o que acarreta prazeres e sofrimentos, que são sentidos pelo indivíduo (Torres & Pérez-Nebra, 2004).

Assim, o componente cognitivo refere-se à autocategorização e à autodefinição do sujeito, ou seja, conforme observa Fernandes, Marques e Carrieri (2009), ao instituir um senso de pertencimento a determinado grupo ou categoria social, o indivíduo tende a assumir seus protótipos e estereótipos, vindo a expressar moldes e atributos responsáveis pela caracterização e distinção de um grupo frente aos demais. Segundo esses autores, constituem- se nessa dimensão as crenças, atitudes, os sentimentos e o comportamento dos seus membros, maximizando as similaridades e as diferenças entre os grupos (Adarves-Yorno, Postmes & Haslam, 2006; Brewer & Gardner, 2004; Hogg & Terry, 2000; Howard, 2000; Silva, 2002; Tajfel, 1981; Turner et al, 1987). A identidade social é, em larga medida, relacional e comparativa. Neste sentido, na acepção de Tajfel (1983), “o reconhecimento da identidade em termos socialmente definidos tem várias consequências ao nível de pertença de grupo” (p.291).

A primeira dessas consequências, segundo Tajfel (1983), diz respeito a um indivíduo manter-se em um grupo e a buscar novos grupos que contribuam para alguns aspectos da sua identidade que gerem satisfação. Se ao contrário, o grupo não preencher este requisito, o

indivíduo tenderá a abandoná-lo, a não ser que seja impossível, por razões objetivas ou, por colocar em conflito valores importantes, parte da autoimagem ser aceita socialmente. Se o abandono do grupo apresentar as dificuldades referidas, então há pelo menos duas soluções possíveis: 1) mudar a interpretação individual pessoal dos atributos do grupo, de modo que suas características indesejáveis se tornem justificáveis, ou aceitáveis por meio de reinterpretação; ou 2) aceitar a situação tal como é e empenhar-se na ação social que possa levar às mudanças desejáveis na situação (Tajfel, 1983).

Os sentimentos que os indivíduos estabelecem ao fato de pertencerem a determinado grupo social, segundo Fernandes et al. (2009), retratam o componente afetivo, incorporado ao componente cognitivo do processo de identificação. Esses autores sinalizam que a maior percepção atribuída às similaridades, equivalências, intenções e aos comportamentos, propiciadas pela comparação com outros grupos, ocasiona a tendência de o sujeito manter-se como membro do grupo que lhe proporcione uma autodefinição positiva. De outra forma, características do grupo que afetem de forma negativa a autodefinição do sujeito ocasionam o seu desligamento do grupo, passando a se condicionar pela permeabilidade dos limites do grupo social, tendo como alternativa desenvolver estruturas de aceitação (Hogg & Terry, 2000; Reade, 2001; Tajfel, 1981).

Outra consequência do reconhecimento da identidade em termos socialmente definidos leva em conta que nenhum grupo vive sozinho em determinada sociedade; disso resulta que a reinterpretação dos atributos e o empenho na ação social só fará sentido, quando ocorrer a comparação com outros grupos. Os indivíduos, segundo a TIS, buscam uma identificação social positiva no procedimento de comparação com outros grupos. Logo, surge a necessidade de uma identidade pessoal e de uma identidade social positiva, ou seja, as pessoas procuram pertencer a grupos valorizados socialmente (Galinkin & Zauli, 2011).

Na percepção do sujeito, o componente valorativo é atrelado à maneira como se estabelece a valorização de seu grupo social pelos outros grupos. A percepção pode ser positiva ou negativa, o que demonstra o valor e o prestígio do seu grupo social, bem como a crítica dos demais grupos (Fernandes et al., 2009). O componente valorativo implica na intensa motivação para os membros do grupo assumirem comportamentos causadores de uma percepção positiva (Reade, 2001; Tajfel,1981). Em vista disso, ocorre acentuada propensão de os sujeitos compartilharem valores, crenças, normas e regras dos grupos e das organizações consideradas detentoras de maior prestígio, o que poderia afetar de forma positiva a sua autoestima e autodefinição (Ashforth, 2001; Corley & Gioia, 2004; Gioia et al., 2000; Hogg & Abrams, 1988; Pratt & Foreman, 2000).

Outros entendimentos sobre a autocategorização são elaborados em fatores contextuais sociais mais imediatos que podem influenciar as autodefinições e as preocupações de identidade (Turner, 1987). O pressuposto básico é que o contexto social relevante determine que a categorização pareça mais adequada para proporcionar uma organização significativa de estímulos sociais e, portanto, que os aspectos de identidade tornem-se salientes como diretrizes para as percepções e comportamentos das pessoas que operam dentro desse contexto (Oakes 1987; Deaux & Major, 1987). Assim, pesquisas demonstram que as pessoas percebem seus próprios e outros grupos em termos de características diferentes, dependendo de qual grupo de comparação ou domínio comparativo forneça a moldura para seus julgamentos (Doosje, Haslam, Spears, Oakes & Koomen, 1998; Haslam & Turner, 1992; Van Rijswijk & Ellemers, 2001) .

As consequências sugeridas por Tajfel (1983), em relação ao reconhecimento da identidade, podem ser compreendidas de forma mais explícita. Como relata Brandão (1990), as identidades apresentam-se como representações marcadas pelo confronto com o outro. Isso, diz o autor, pressupõe a existência do contato entre as partes, a exposição, a dominação ou submissão, resultando em maior ou menor liberdade, poder ou a não construção, por conta própria, do universo simbológico e, no seu interior, daqueles que identificam e qualificam a pessoa, o grupo, a minoria, a raça, o povo. Identidades podem ser resumidas como o conhecimento social da diferença, não apenas o produto inevitável da oposição por contraste.

O último conceito pilar da TIS trata da comparação social, que se estabelece na medida em que dois ou mais indivíduos, que compartilham uma identificação social comum, consideram a si mesmos como pertencendo à mesma categoria social. As comparações sociais entre grupos baseiam-se na percepção da legitimidade das relações percebidas entre eles. Assim, a identidade social não se estabelece apenas como resultado da pertença a determinados grupos, mas, principalmente da comparação entre os grupos internos e os externos, ou seja, de “um mecanismo causal que determina as relações entre grupos” (Álvaro & Garrido, 2006, p. 278).

Dessa forma, o conceito de identidade social está ligado à necessidade de se obter uma imagem positiva e diferente do grupo próprio, razão pela qual a percepção da ilegitimidade em uma relação transcende os limites da semelhança intergrupo no plano das comparações sociais relevantes, buscando, com isso as causas da ilegitimidade. Ou, conforme esclarece Tajfel (1983), a percepção da ilegitimidade numa relação intergrupo é social e psicológica, é a alavanca aceitável da ação de mudança social no comportamento intergrupo.

Portanto, conforme encerra Souza (2005), a identidade social constrói-se pautada sobre inúmeras outras características estudadas pela Psicologia, no plano que se desenvolve entre estabilidade e transformação, a qual decorre do fato de que a identificação social é um processo psicológico que pressupõe primordialmente em “sentir-se identificado” (p.132) – o que pode ser considerado bastante variável de um contexto para outro.

Apesar de os componentes da TIS estarem inter-relacionados, o componente cognitivo apresenta-se como o primeiro no processo de identificação do sujeito com o grupo. Somente no momento em que o indivíduo se sente pertencente a um determinado grupo social é que os outros membros do grupo entrariam no jogo, não existindo, todavia, uma sequência entre os componentes (Van Dick, 2001).

Logo, a identificação, a categorização social e a comparação social apresentam-se como dimensões essenciais para se analisarem as relações entre grupos, bem como para a formação da identidade social, conforme estabelece a Teoria da Identidade Social (Galinkin & Zauli, 2011). Ou seja, de acordo com Galvão (2009), existe uma reservada relação entre os processos de categorização e comparação social, na qual o papel da categorização é a concepção e a definição do lugar do indivíduo na sociedade, e a comparação estabelece um caráter de realidade objetiva a essa categorização ao se fundamentar na pertença da pessoa a um grupo concreto.

Resumidamente, a definição de identidade social articula o processo cognitivo de categorização e vinculação social, apresentando-se como a estrutura psicológica que efetua a ligação entre o indivíduo e o grupo (Baugnet, 1998). Sua importância reside no fato que sempre haverá uma conexão entre a experiência afetiva, oriunda dos relacionamentos, e a experiência cognitiva da descoberta de um sentido ao mundo, às coisas e à ação (Machado, 2003).

Diante disso, cabem algumas indagações acerca de como se estabelece a identidade, relativa ao contexto do trabalho e da organização em que o indivíduo está inserido, pois organizações e o trabalho constituem um lugar privilegiado para o entendimento das relações entre as dimensões da identidade.