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FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS: PARA UMA HISTÓRIA DO PENSAMENTO POLÍTICO DE BAKUNIN

“A VIDA E AS IDEIAS DE BAKUNIN MERECEM SER COMPLETAMENTE REEXAMINADAS”

1.6 FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS: PARA UMA HISTÓRIA DO PENSAMENTO POLÍTICO DE BAKUNIN

Levando em consideração o balanço bibliográfico anterior, posso afirmar que esta tese, por um lado, contrapõe os estudos da Escola do Paradoxo, mostrando a insuficiência de suas abordagens e contestando a maioria de suas teses. Por outro, ela se insere no campo das publicações de autores simpáticos ao anarquismo, com alguns dos quais estabelece um

diálogo. Concordando que, indubitavelmente, Bakunin foi um homem de ação, sustento que ele também possui contribuições no campo da teoria política. Ao contrário dos autores marxistas, que não estudaram os escritos ou as cartas de Bakunin, debrucei-me sobre todos seus escritos e suas principais cartas. Diferente dos autores liberais, que tomaram como foco a vida pessoal e a personalidade de Bakunin, priorizei sua teoria política e sua trajetória político-intelectual. Fiz isso, claro, usufruindo do contexto desse início do século XXI – no qual, depois de muito tempo, o corpus bakuniniano encontra-se reconstituído e acessível – e apoiando-me nas descobertas e contribuições de pesquisas anteriores.

Ao contestar as afirmações dos críticos marxistas e liberais, e mesmo de autores simpáticos ao anarquismo, proporciono subsídios para argumentar que Bakunin: não é uma figura completamente contraditória e nem irrelevante em termos de sua ação e de seu pensamento; não foi um mero um apologista da destruição, um individualista ou um primitivista; não pode ser devidamente considerado precursor do bolchevismo ou do fascismo; não foi influenciado por Stirner e nem pode ser responsabilizado por tudo o que fez e escreveu Netchaiev; não conviveu, em seu período anarquista, com uma contradição entre a defesa da liberdade e da ditadura; não era, também no período anarquista, um conspirador, partidário da ditadura, que pretendia destruir a Internacional e incapaz de conciliar as lutas por reformas e pela revolução; não pode ser explicado apenas em função de seus aspectos psicológicos.

No que diz respeito à bibliografia em português (incluindo as traduções), esta tese, com todas suas limitações – que assumo não serem poucas –, no campo da trajetória político- intelectual, e mesmo da biografia de Bakunin, oferece ao público lusófono o estudo mais completo realizado até esse momento. No campo da teoria política, trata-se do primeiro trabalho em português que se debruça metodicamente sobre as obras completas de Bakunin e de seus principais comentadores estrangeiros. Nesse campo, creio ter produzido algumas contribuições originais, na medida em que discuto temas da obra bakuniniana que não haviam recebido maior atenção. Em especial, aqueles que são, cronologicamente, anteriores à conversão definitiva de Bakunin ao socialismo, em 1864. Há pouquíssima literatura debatendo a produção intelectual de Bakunin no período em que ele procede da filosofia à práxis – e que se divide, internamente, num período fichteano (1836-1837), no primeiro período hegeliano (1837-1840), no segundo período hegeliano (1841-1842), e em sua ruptura com a filosofia em favor do primado da prática (1843) – e em seu período pan-eslavista revolucionário (1844-1863).

Ainda com base na bibliografia em português, quando se leva em conta o período em que Bakunin vai do socialismo ao anarquismo (1864-1876), esta tese contribui tanto para sistematizar (e, em alguns casos, aprofundar) temas e conceitos que vêm recebendo mais atenção – dentre os quais liberdade, religião, Estado, educação, revolução social e sindicalismo (organização de massas) – quanto para desenvolver temas e conceitos menos discutidos – dentre os quais materialismo-naturalismo, força social, dominação, classes sociais, imperialismo, capitalismo e organização (partido) de quadros.

Como se poderá notar, esta pesquisa usufruiu de diversos estudos lusófonos anteriores. Tenho a intenção de que ela possa tornar-se, ao lado deles, uma referência complementar com algumas inovações. Evidentemente, tanto no campo da teoria política quanto no campo da trajetória político-intelectual, deve-se levar em conta que, mesmo longo, este é um estudo introdutório, que pode e deve ser aprofundado no futuro. Tal é, precisamente, meu propósito: forjar as bases para pesquisas ulteriores que sejam capazes de esmiuçar questões mais específicas, complementar a temática estudada e corrigir eventuais problemas.

* * *

Objetivando não incorrer nos equívocos anteriormente apontados, apoiei-me em determinados fundamentos metodológicos, que são expostos a seguir.

Antes de tudo, creio ser necessário pontuar que estou ciente dos riscos existentes quando pesquiso um autor pelo qual tenho profunda admiração e ao qual estou vinculado política e ideologicamente. Quando contestei os autores da Escola do Paradoxo, nunca quis, pelos mesmos meios por eles utilizados, substituir a produção científica pela produção ideológica, trocando aquilo que foi por aquilo que eu gostaria que tivesse sido.

Ou seja, estive constantemente preocupado em não produzir uma hagiografia, um trabalho acrítico, que ignorasse ou modificasse de forma arbitrária fatos e posições. Tentei não realizar um estudo enaltecedor, que colocasse Bakunin na posição de um clássico perfeito a ser venerado. Procurei, sinceramente, não omitir ou mudar aquilo com o que eu não concordava – discordo de diversas realizações práticas e contribuições teóricas que foram expostas ao longo da tese – ou que, em alguma medida, poderia prejudicar a imagem de Bakunin ou mesmo as linhas argumentativas por mim desenvolvidas. Busquei expor a teoria política e a trajetória político-intelectual de Bakunin da maneira mais objetiva possível, e

exercitando sempre o controle ideológico, a honestidade e autocrítica.61 Ainda assim, cumpre mencionar que essa minha proximidade com Bakunin ofereceu possibilidades, das quais usufruí durante esses anos de pesquisa.62

Tomando em conta a obra completa de Bakunin, considero que, durante sua vida, ele produziu contribuições relevantes ao campo da teoria política. Como outros aportes teóricos que tomaram por base a política, a teoria política bakuniniana possui fundamentos filosóficos, e elementos empíricos – generalizações que são feitas com base em fatos e/ou acontecimentos históricos – e normativos – que abarcam os fins e os meios, as estratégias políticas que são pautadas em determinados valores e fundamentos éticos. Por isso, entendo que uma tese como esta, que se dedica ao estudo da teoria política bakuniniana, insere-se, naturalmente, no campo acadêmico da própria teoria política.

A teoria política pode ser definida como um “esforço interdisciplinar [...] unido por um compromisso de teorizar, criticar e diagnosticar as normas, práticas e organização da ação política no passado e no presente, em nossos lugares e em outros”. (Dryzek, Honig e Phillips, 2006, p. 4) Ela aborda, teoricamente, “questões conceituais, normativas e avaliativas, relativas à política e a sociedade”, e busca, em sua exposição, “rigor lógico, precisão terminológica e exposição clara”. (List e Valentini, 2016, p. 525) Em geral, a teoria política divide-se em duas subáreas: a filosofia política contemporânea, ou teoria política normativa, e a história do pensamento político. (Frazer, 2010, p. 2; Tozo, 2016, p. 137)

Agora, por mais que seja possível destacar as contribuições de Bakunin ao campo da teoria política, também é necessário pontuar que o fato de ele não ter sido e nem desejado ser um acadêmico, e por seus textos terem uma intencionalidade majoritariamente política, eles diferem em muitos aspectos das produções de teoria política com perfil acadêmico, produzidas dentro ou fora das universidades. Mas o que interessa, neste momento, é sublinhar

61 Para tanto, apoiei-me no conceito de “objetivação” de Pedro Demo (2011, pp. 80, 28), compreendido como o

“esforço de conhecer a realidade naquilo que ela é”, mesmo reconhecendo que, nas ciências humanas e sociais, “a objetividade não existe”. É, pois, uma busca permanente da objetividade que, sabemos, nunca será atingida de modo integral, e de um afastamento consciente das produções que “fazem da atividade científica a produção

inventada da realidade”. Isso parece importante para “controlar a ideologia, mas sem camuflar o fato de que [ela]

faz parte da cena intrinsecamente”. Baseei-me, ao mesmo tempo, nas três recomendações de Ralf Dahrendorf (1981, p. 28): o esforço permanente de controle ideológico, a honestidade com meus próprios valores, a autocrítica e a crítica mútua, facilitada quando não há premissas ocultas.

62 Em função dessa proximidade – e de meu interesse pelo estudo mais sistemático de Bakunin, que possui cerca

de 10 anos –, pude usufruir de anos acumulados de leitura e de muita bibliografia conseguida nesse período. Todas as traduções de Bakunin ao português, o CD-ROM das Obras Completas (raríssimo hoje em dia) e parte considerável dos textos e livros dos comentadores foram conseguidos antes do doutorado. Além disso, em função dessa proximidade, mantive e mantenho um compromisso ético relativo ao trabalho intelectual que – em acordo com a noção de “teoria relevante aos movimentos” de Douglas Bevington e Chris Dixon (2005) – exige que uma tese como esta seja útil não apenas à minha carreira profissional ou mesmo aos estudiosos de Bakunin, mas aos anarquistas e seu projeto político.

que esta tese insere-se exatamente nessa segunda subárea da teoria política: trata-se de um trabalho de história do pensamento político de Bakunin, ou, nos termos de Terence Ball (2004, p. 12), de uma “teorização de segunda ordem”, que toma como matéria-prima sua produção intelectual.

Os principais elementos desse fundamento metodológico relacionam-se, portanto, à história do pensamento político. Parto, a princípio, das contribuições de John G. A. Pocock, um dos maiores nomes internacionais nesse campo que, com Quentin Skinner e outros, compõe a chamada Escola de Cambridge, referência no debate metodológico contemporâneo da história do pensamento político. (Silva [Ricardo], 2010) Em “Theory in History: problems of context and narrative” [Teoria na História: problemas de contexto e narrativa], Pocock destaca a natureza histórica da teoria política e afirma que o pensamento político deve ser considerado uma ação que acontece na história. Não resta qualquer dúvida de que o pensamento político de Bakunin tem de ser assim considerado. É impossível desvincular sua produção teórica de sua prática política, pois são seus interesses políticos concretos que, normalmente, explicam suas contribuições intelectuais. Seus escritos e suas cartas são parte de um conjunto de ações práticas, que se produz no sentido de intervir na realidade para modificá-la.

Ademais, para Pocock, uma história do pensamento político deve ser capaz de “caracterizar, avaliar, expor [...] e, consequentemente, em última análise, narrar ações levadas a cabo no passado registrado”. Deve ter condições de “examinar as ações e atividades de teoria política”, supondo que ela “seja e tenha sido uma atividade contínua, sobre a qual podem ser feitas generalizações, e que [...] tenham sofrido mudanças em seu caráter geral ao longo do tempo”; mudanças estas que podem ser narradas historicamente. (Pocock, 2006, pp. 166-167, 198-199)

A preocupação de um historiador do pensamento político tem de ser

com o que o autor estava fazendo, com o que estava acontecendo e havia

acontecido quando o texto foi escrito, publicado, lido e respondido. A

preocupação [do historiador] é com os contextos. [...] O historiador está interessado na multiplicidade de coisas que aconteceram e nos contextos em

que elas aconteceram. (Pocock, 2006, p. 171, grifos adicionados)

Segundo as recomendações de Pocock, há, portanto, uma necessidade clara de contextualização quando se aborda a teoria política de um pensador. Nesta tese, além de expor e sistematizar, sempre que possível de modo generalizante, a produção intelectual de Bakunin ao longo sua vida, dediquei considerável esforço exatamente nessa tarefa de contextualização,

passando, sobretudo, pela trajetória político-intelectual do autor, mas também pelo contexto social em que ele esteve inserido.

Entretanto, não priorizei, conforme recomendação da Escola de Cambridge, a discussão do contexto linguístico, daquelas “articulações efetuadas pelos autores na linguagem ou na diversidade de linguagens disponíveis a eles”.63 Isso porque, do meu ponto

de vista, na compreensão da teoria política bakuniniana, essa discussão é bem menos essencial do que aquela acerca do que Bakunin “estava fazendo”, em termos políticos e intelectuais, e do que “estava acontecendo e havia acontecido quando o texto foi escrito”, em termos dos “contextos [...] políticos, religiosos, sociais e históricos”. (Pocock, 2006, p. 168, 171)

Quando afirmo que tomo Pocock como meu ponto de partida, é porque acredito que suas contribuições, ainda que centrais, contêm limitações. Uma delas, que também se encontra em Skinner, é a reivindicação de uma cisão, a meu ver exagerada, entre história e teoria. Tais posições, que se consolidaram na segunda metade do século XX, preconizam que, necessariamente, a história deve vincular-se ao passado e às questões particulares, e a teoria tem de discutir o presente e as questões gerais/universais. (Pocock, 2006, 2012)

Desse modo, para o historiador, o pensamento político deveria ser abordado como algo do passado e, precisamente contextualizado, não poderia ser generalizado e nem utilizado como subsídio para a reflexão de certos perennial problems, para tomar uma expressão de Skinner. Entendo que esse contextualismo, para mim extremado, tem sua razão de ser, quando se leva em conta aquele textualismo – que toma o texto como algo autônomo, tratando-o de modo totalmente a-histórico –, contra o qual se insurgiram os membros da Escola de Cambridge. Mas, ainda assim, penso que ele é por demais restrito e implica diferentes problemas, tanto para historiadores quanto para teóricos.64

63 Em termos de contexto linguístico, faço breves comentários relativos à utilização de certos conceitos – como,

por exemplo, no caso do conceito de povo, durante as revoluções de 1848 e 1849 na Europa. Mas minha maior preocupação, em termos linguísticos, foi operar, prioritariamente, com a terminologia utilizada por Bakunin. Mesmo quando nomeei conceitos que não haviam sido nominalmente utilizados por ele, tive o cuidado de apenas dar forma a algo cujo conteúdo ele já havia formulado. Preocupei-me, também, em não utilizar nomenclaturas conceituais que se consagrariam depois da vida do autor – como, por exemplo, no caso dos conceitos de nação-

raça (que, numa abordagem contemporânea, seria mais adequado tratar por etnia ou etnicidade) e de tradição social e educação em sentido amplo (que, numa abordagem contemporânea, seria mais adequado tratar por

socialização).

64 Basta observar como, em especial durante o século XX, o distanciamento entre historiadores e teóricos

terminou prejudicando a produção intelectual de ambos. Foi comum que muitos historiadores terminassem desvinculando-se da teoria, evitando-a e/ou demonstrando falta de intimidade em sua discussão; e que muitos teóricos terminassem desvinculando-se da história, e produzindo estudos totalmente descontextualizados. Num outro momento, demonstrei como esse distanciamento, no caso dos estudos do anarquismo, foi responsável por inúmeros problemas. (Corrêa, 2015, pp. 57-100)

Como vêm argumentando distintos autores, historiadores e cientistas sociais, tais como William Sewell Jr. e Peter Burke, a relação entre teoria e história não precisa ser concebida nesses termos. Considero não haver, hoje, necessidade desse militantismo disciplinar, típico daquela segunda metade do século XX. Parece-me necessário, pois, apoiar-se na interdisciplinaridade para repensar essa e outras questões.

Nesta tese, busquei promover aquilo que Sewell Jr. (2005, p. 5) chamou de um “diálogo genuíno” entre história e teoria, que concretiza a proposta de Peter Burke (2011, p. 278), de “persuadir os historiadores a levarem a teoria [...] mais a sério do que muitos deles hoje a levam, e os teóricos [...] a se interessarem mais pela história”. Tentei usufruir das melhores contribuições dos historiadores – o enfoque nas temporalidades da vida social e suas complexidades, que abarcam continuidades e mudanças, assim como na priorização da heterogeneidade causal, na contextualização histórica e na importância da cronologia – e dos teóricos (cientistas sociais, filósofos entre outros) – a maior proximidade com as discussões teóricas e sua sistematização, com o pensamento estrutural e com o enfoque de grandes objetos. (Sewell Jr., 2005, pp. 6-18)

No campo da história do pensamento político, parecem-me acertadas as proposições de Rafael S. Vega (2016, p. 157), acerca do “enfoque da dupla significação dos textos clássicos”, que visa a subsidiar a interpretação dos “escritos de pensadores políticos do passado”. No sentido de minimizar a distância entre história e teoria, Vega sustenta que

todo texto clássico tem um duplo nível de significação, um concreto e outro universal. E que assumir esse enfoque [...] nos permite reconciliar dois tipos de indagação sobre os escritos de autores do passado que, na verdade, não são antagônicos. Assim entendidos, os clássicos podem ser abordados, simultaneamente, como pensadores cujos escritos colocam sérias perguntas e respostas específicas e originais aos problemas da vida política de seu próprio tempo e, além disso, como escritores que nos permitem, por meio da leitura de suas obras, iluminar nosso presente para compreendê-lo. (Vega, 2016, pp. 176-177)

Mesmo assim, e apesar dessas recomendações, promover concretamente essa aproximação não é algo simples, e há várias possibilidades para que ela seja empreendida. Alguns estudos recentes de Bakunin enfrentaram esse desafio, todos à sua maneira logrando resultados bastante satisfatórios. Leier (2006) optou por um foco majoritariamente histórico, na trajetória contextualizada de Bakunin, dedicando apenas algumas páginas para a discussão de seu pensamento político. Angaut (2005) e Berthier (2010), seguindo outro caminho, priorizaram o enfoque teórico e, em meio à sistematização do pensamento político de Bakunin, apresentaram elementos de sua trajetória e de contexto. Angaut e Berthier optaram

por uma contextualização mais particularizada e, ainda que se apoiem numa periodização mais ampla da obra bakuniniana, priorizam, em termos da exposição teórica, os curtos intervalos de tempo em relação aos longos. Enfim, acredito que não há uma resposta exata acerca de como operacionalizar essa aproximação entre história e teoria.

Neste trabalho, com o intuito de promover essa aproximação, parti das contribuições de Pocock e da Escola de Cambridge, e as complementei as proposições de Sewell Jr., Burke e Vega. Definitivamente, não era meu objetivo produzir um estudo de história sem teoria, ou de teoria sem história. E fiz isso de modo distinguir minha contribuição dos estudos de Leier, Angaut e Berthier, de maneira que minha tese pudesse funcionar como uma produção complementar à deles. Além disso, considero que o pensamento político de Bakunin decerto tem uma vinculação com o passado e aborda questões particulares, referentes àquele contexto em que ele esteve inserido durante o século XIX. Mas, ao mesmo tempo, acredito que suas produções teóricas têm ainda algo a dizer neste início de século XXI, na medida em que oferecem respostas a um conjunto de questões que continuamos a nos colocar.

Em termos mais concretos, buscando responder às exigências de contextualização, estabeleço uma periodização da vida e da obra de Bakunin que, segundo entendo, pode ser assim feita para uma compreensão historicizada e adequada de sua teoria política. Conforme apontei na Introdução, são três essas partes: “Da Filosofia à Práxis (1836-1843)”; “O Pan- Eslavismo Revolucionário (1844-1863)”; e “Do Socialismo ao Anarquismo (1864-1876)”. Também como mencionei na Introdução, produzi um capítulo de contextualização histórica, com a trajetória de Bakunin e o ambiente em que estava inserido, para cada uma dessas partes. São eles: o capítulo 2 para a parte I, o capítulo 7 para a parte II e o capítulo 10 para a parte III. Esses capítulos foram escritos a partir de obras de história social, das cartas de Bakunin e de escritos biográficos sobre Bakunin. Quatro autores acompanharam-me permanentemente: Leier (2006), Carr (1961), Nettlau (1964, 1977a) e Grawitz (1990); para o Capítulo 7, busquei reforço de Hepner (1950); para o Capítulo 10, procurei auxílio sobretudo em Guillaume (1985), mas também em Lehning (1973, 1977, 1999) e Berthier (2015c).

A solução que encontrei para a exposição dos capítulos de teoria política responde ao dilema da relação entre história e teoria e procura fugir de dois extremos. Um, completamente problemático e equivocado, de juntar num todo, supostamente coerente, todas as contribuições escritas de Bakunin entre 1836 e 1876, sistematizando-as sem levar em conta o período em que foram elaboradas. Tal foi o erro de autores que, como Pyziur (1968), atribuíram a Bakunin a posição de anarquista, que ele assume apenas no fim da vida, e

discutiram a totalidade de seu pensamento político, como se ele fizesse parte desse “anarquismo”. Parte importante das afirmações da incoerência de Bakunin vem desse equívoco. Outro extremo que evitei e que, cumpre notar, não possui implicações mais graves em termos metodológicos, foi o de fazer um estudo ainda mais historicizado e contextualizado, discutindo quase texto a texto, as produções mais importantes de Bakunin – caminho escolhido por Berthier (2010).

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