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REVOLUÇÃO DE FEVEREIRO E INTERNACIONALIZAÇÃO (1848)

O PAN-ESLAVISMO REVOLUCIONÁRIO (1843-1863)

7.3 REVOLUÇÃO DE FEVEREIRO E INTERNACIONALIZAÇÃO (1848)

Em fevereiro, estourou a revolução em Paris, dando vazão às aspirações da população em torno de maior liberdade e mudança social. Inserindo-se no quadro anteriormente descrito de crise econômica e acirramento dos conflitos sociais, a Revolução de Fevereiro iniciou-se com a proibição de um banquete em 22 de fevereiro de 1848 por parte do governo e a

126 No entanto, é relevante pontuar, para não incidir em anacronismo, que, naquele momento, o impacto social de

Bakunin era bem maior que o de Marx. Corroborando este fato, Leier (2006, p. 119) coloca: “O trabalho de Marx como escritor e editor havia atraído para ele alguma atenção, mas nada do que ele tinha feito até então havia tido o impacto de ‘A Reação na Alemanha’ de Bakunin. Até o trabalho mais conhecido de Marx, o

Manifesto Comunista, publicado pela primeira vez em 1848, era praticamente ignorado fora dos pequenos

círculos de artesãos e intelectuais alemães até os anos 1870. Era Bakunin, e não Marx, que tinha a multidão aos seus pés. Marx, com sua fala alta, nasal e acadêmica podia impressionar pela sua lógica, mas raramente pela sua presença. Bakunin tinha um estilo discursivo efetivo destinado a convencer as pessoas por meio da vigorosa expressão de suas ideias e não pela exposição meticulosa. Entretanto, ele percebia e reconhecia com benevolência o talento e a habilidade de Marx”.

respectiva resistência da população insatisfeita. Durante dois dias, houve um duro enfrentamento nas ruas e, depois de um massacre de centenas de manifestantes, a Guarda Nacional solidarizou-se com os insurretos.

Conforme aponta Leier (2006, pp. 131-133), “em 24 de fevereiro, operários, artesãos, radicais, democratas e republicanos de classe média declararam o fim da monarquia e proclamaram a Segunda República”. Era o fim da Monarquia de Julho e do reinado de Luís Filipe. Trabalhadores e burgueses revolucionários “realizaram eleições com o sufrágio universal masculino”, “aboliram a pena de morte e declararam o trabalho para todos como um direito essencial que o governo tinha de manter”; além disso, “organizaram uma milícia popular, encabeçada por Marc Caussidière, para substituir a polícia e defender a revolução”.

Sedento por ação, Bakunin decidiu sair de Bruxelas e juntar-se ao levante em Paris – era, enfim, o momento para a ação revolucionária. Sua empolgação foi tamanha que, tendo o trem o deixado na fronteira com a França, pois a ferrovia havia sido destruída, Bakunin caminhou 200 quilômetros durante três dias para chegar a Paris, o que aconteceu em 26 de fevereiro, quando as barricadas ainda estavam de pé. Profundamente impressionado com o que presenciava, colocou-se “ao lado da extrema esquerda”, mais especificamente na milícia de Caussidière.127 (Hepner, 1950, p. 213)

Participou freneticamente de barricadas, manifestações, reuniões, e conviveu com os trabalhadores franceses, os quais lhe causaram uma profunda impressão, conforme seu relato na “Confissão”:

Em todas as ruas, praticamente em todos os lugares, as barricadas erguiam-se como montanhas e chegavam até os telhados, e, nelas, entre pedras e móveis quebrados [...], estavam os trabalhadores com suas blusas pitorescas, sujos de pólvora e armados até os dentes. [...] Durante mais de uma semana estive vivendo com os trabalhadores da caserna da rua Tournon. [...] Assim, tive ocasião de ver os trabalhadores e estudá-los desde a manhã até a noite. Asseguro-o, senhor, jamais e em lugar algum, em nenhuma outra classe social, encontrei uma abnegação tão nobre, uma integridade realmente

127 Conforme relato de Herzen, a posição assumida por Bakunin, de levar a revolução às suas últimas

consequências, teria motivado Caussidière a dizer sobre ele: “Que homem! No primeiro dia da revolução é uma chance tê-lo conosco, mas no dia seguinte seria necessário fuzilá-lo”. (Coêlho, 1994, p. 88) Naquela mesma ocasião, Flocon também teria dito que “se houvesse 300 Bakunin seria impossível governar a França”. (apud Carr, 1961, p. 157)

tão comovedora, e nem uma delicadeza nas maneiras e uma amável alegria unida a tamanho heroísmo, como entre aquelas pessoas simples e sem cultura, que valeram e sempre valerão mil vezes mais do que seus chefes! O que mais chama atenção neles é seu profundo instinto de disciplina; em suas casernas não podia haver ordem estabelecida, leis ou coação, mas aprouve a Deus que qualquer soldado regular soubesse obedecer com tanta exatidão, adivinhasse tão bem os desejos de seus chefes e mantivesse a ordem tão estritamente quanto esses homens livres; pediam ordens, exigiam chefes, obedeciam minuciosamente, com paixão; em seu penoso serviço, durante dias inteiros, suportavam a fome e não eram menos amáveis por isso, estavam sempre alegres. Se essas pessoas, se esses trabalhadores franceses tivessem encontrado um chefe que lhes fosse digno, capaz de compreendê- los e amá-los, esse chefe, junto a eles, poderia ter realizado milagres. Senhor, não posso dar conta exata desse mês que passei em Paris, pois foi um mês de embriaguez da alma. Não era somente eu que estava embriagado, mas todo mundo: uns de terror, outros de êxtase, de esperanças insensatas. Levantava- me às quatro ou cinco da manhã e ia dormir às duas; permanecia o dia todo em pé, indo a todas assembleias, reuniões, clubes, cortejos, passeios ou manifestações; em uma palavra, eu absorvia por todos meus sentidos e por todos os meus poros a embriaguez da atmosfera revolucionária. Era uma festa sem começo nem fim; eu via todo mundo e não via ninguém, pois cada indivíduo perdia-se em uma mesma multidão inumerável e errante; eu falava com todo mundo, sem recordar das minhas palavras ou das dos outros, pois a atenção era absorvida a cada passo pelos novos eventos, pelas novas coisas, pelas notícias inesperadas. (Bakunin, 1976b[e], pp. 67-69)

Tal foi a primeira experiência insurrecional-revolucionária em armas de Bakunin, cuja relação prolongada com os trabalhadores afetaria diretamente suas perspectivas políticas. O “povo” voltava de novo à cena e passava a ser entendido como ator indispensável nos enfrentamentos pela liberdade dos povos. Conforme escreveu numa nova carta ao jornal La Réforme publicada em março: a utopia de ontem – a completa democratização da França e da Europa – era, então, a única alternativa possível. (Bakunin, 48002[e], p. 1)

Bakunin passava a apoiar as demandas dos insurretos franceses, que reivindicavam a necessidade de se internacionalizar a revolução. Afinal, ele defendia uma revolução permanente.128 Esta deveria, segundo eles, partir da França e lançar as bases para uma completa democratização da Europa, envolvendo a Itália, a Alemanha, a Polônia e mesmo a Rússia. E, com efeito, conforme explica Berthier (2010, vol. 2, p. 12), a Primavera dos Povos francesa espalhava-se rapidamente, e, além dos traços sociais que carregava na França, adquiria, em outros países, características nacionais. “Os italianos expulsam os austríacos de Milão e Veneza. Mazzini proclama a república em Roma. A maioria dos soberanos italianos

128 De acordo com Herzen, naquela ocasião Bakunin defendia a “revolução ‘em permanência’”. (apud

Dragomanov, 1896, p. 41) Em sua obra, Bakunin, em 1868 e 1872, retoma essa noção quando argumenta em favor da “federação das barricadas em permanência” (Bakunin, 68016[e]), da “permanência das barricadas e de todo centro de resistência” (Bakunin, 68022[e], p. 3) e da “permanência das barricadas e do levante revolucionário” (Bakunin, 72016[e], p. 5).

outorgam constituições (a constituição de Fernando II, em 10 de fevereiro de 1848, e aquela de Pio IX, em 14 de março).” A Áustria, que se tornara no Congresso de Viena o centro da Europa conservadora, encontrava-se, em 1848, atada a uma “herança do Antigo Regime: as minorias nacionais – tchecas na Boêmia, polonesas na Galícia, sérvias na região do Danúbio, romenas na Transilvânia, italianas em Trieste e Trentino – questionando a dominação à qual estavam submetidas”. Metternich, protagonista da reação absolutista da Europa, é forçado a demitir-se, graças a uma mobilização radicalizada em Viena. Na Alemanha, “os movimentos revolucionários do sul levam à abdicação do rei Luís I da Baviera; liberdades políticas são estabelecidas na Saxônia, em Württemberg, em Hesse-Nassau”. Ao norte, os movimentos chegam a “Frankfurt, Hamburgo, Bremen e Prússia. Convoca-se um parlamento em Frankfurt, para discutir o futuro da Alemanha”.

Ainda na França, Bakunin, em março de 1848, era informado de alguns desses desdobramentos. Planejou então ir a Poznan, onde havia sido estabelecido um Comitê Nacional Polonês. De lá, pretendia buscar os meios de contribuir para essa internacionalização da revolução, mobilizando a Polônia e, por meio dela, a Rússia. Apoiado por Flocon, no governo provisório, e Caussidière, conseguiu dinheiro e dois passaportes (um deles falso) e partiu no fim de março de 1848. Ficara, ao final, um mês em Paris.

Passou por Frankfurt e outras cidades do entorno, seguindo para Berlim. Mas logo depois de sua chegada acabou sendo preso, pois as autoridades russas na Alemanha, de algum modo, ficaram sabendo de seus planos. Propuseram um acordo: Bakunin seria solto se aceitasse, em vez de ir a Poznan, onde a resistência polonesa seria contra o governo prussiano, deslocar-se à Breslávia (Breslau), onde ela se dirigiria aos governos russo e austríaco. Bakunin aceitou e, deixado em Leipzig pela polícia, seguiu para Breslávia, chegando em maio e ali se estabelecendo. Lá, decepcionou-se não só com os alemães que, segundo pensava, falavam muito e agiam pouco, mas também com as notícias que chegavam da França, dando conta das posições conservadoras adotadas pelo governo provisório contra os trabalhadores. Tentou articular-se com os poloneses, mas a desconfiança deles, ainda por conta do boato de que ele seria um agente russo, complicou seus planos. (Carr, 1961, pp. 158-163) Bakunin (1976b[e], p. 81) acabou preferindo acompanhar os democratas alemães, dentre os quais gozava de certo prestígio, pois, em suas próprias palavras, “somente por minha influência meu velho amigo Arnold Ruge foi eleito deputado pela Breslávia, na Assembleia Nacional de Frankfurt”.

Mas o sul parecia oferecer ainda certas esperanças. Como relembra Carr (1961, p. 163), “era apenas na Áustria que a revolução ainda progredia”, como demonstravam os levantes populares de março e maio em Viena. Além disso, “a Hungria era praticamente independente”, os “eslavos do império estavam inquietos”, “Jelačić insurgia os croatas contra seus mestres húngaros” e “em Praga, um Comitê Nacional Tcheco tomava para si as funções de um governo provisório”; ou seja, parecia a “hora dos eslavos se unirem”.

7.4 ESLAVISMO E LIBERTAÇÃO NACIONAL NO TRIÂNGULO ÁUSTRIA-POLÔNIA-

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