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O PAN-ESLAVISMO REVOLUCIONÁRIO (1843-1863)

7.5 PRISÕES, EXÍLIO E FUGA (1849-1861)

Capturados, Bakunin e seus companheiros foram levados de volta a Dresden, ficando uma noite na prisão local e, depois, sob custódia do exército saxão, nos arredores da cidade. Os interrogatórios iniciaram-se e o governo russo foi comunicado da prisão. Entretanto, o risco de comunicação com possíveis simpatizantes na cidade fez com que Bakunin fosse transferido, nos fins de agosto de 1849, para a Fortaleza de Königstein, a sudeste de Dresden, na fronteira da Saxônia, onde permaneceria seus últimos 10 meses em terras alemãs. Nos deslocamentos, tanto para os interrogatórios quanto para a transferência, Bakunin era acorrentado e escoltado por soldados armados.

Em Königstein, ficou numa solitária aguardando julgamento. As condições eram tranquilas, conforme relato do próprio Bakunin (2010d[c]) numa carta a Mathilde Reichel (irmã de Adolf), enviada no início de 1850. Ele dizia estar calmo, dedicando-se à literatura, aos estudos de matemática e inglês, e que podia passear, ainda que acorrentado. Teve condições, ainda, de debruçar-se sobre a história da França, por meio das obras de Adolphe Thiers (História do Consulado e do Império), François Guizot e A. de Lamartine. (Carr, 1961, pp. 207-209)

Findados os interrogatórios em outubro, seguiu-se a preparação da defesa, que foi feita por Franz Otto, um advogado indicado pelo governo. Ela foi apresentada em novembro, mas não obteve sucesso. Em janeiro de 1850, Bakunin, Heubner e Röckel foram condenados à morte pelo tribunal da Saxônia. Visando a munir o advogado de mais informações, Bakunin redigiu, entre janeiro e março, um balanço de suas atividades: “Meine Vertheidigung” [Minha Defesa] constitui uma memória de 88 páginas que, em alguma medida, antecipa alguns aspectos da “Confissão” de 1851. Nela, Bakunin retoma elementos da história da Europa e do

mundo eslavo, discute e propagandeia estratégias políticas e relata suas atividades políticas do período recente. (Bakunin, 50001[e]) Sem acesso a esse documento, que permaneceu inconcluso, Otto recorreu por conta própria, mas, em abril, a sentença de morte foi confirmada.

Bakunin (2010e[c]) confessara, numa outra carta a Mathilde, que preferia a morte à prisão perpétua. No entanto, os governos da Áustria e da Rússia tinham um vivo interesse por ele. Consultado, o czar acabou concordando que Bakunin fosse extraditado para a Áustria, e que ali respondesse por seus crimes, desde que, depois disso, fosse encaminhado para a Rússia, com os mesmos propósitos. Assim, contrariando a preferência de Bakunin, em junho de 1850, sua condenação à morte foi comutada para prisão perpétua. Ele foi conduzido a Praga por um destacamento de couraceiros, ficando encarcerado na Basílica de São Jorge, localizada no Castelo de Praga, onde também estavam presos G. Straka e E. Arnold. As condições em Praga pioraram bastante. Bakunin era considerado um preso de alta periculosidade e, sob corte marcial, encontrava-se numa solitária, permanente e altamente vigiado. A cela era observada a cada 15 minutos e só podia ser aberta com a presença de seis guardas armados; não lhe era permitido escrever ou receber cartas. Além disso, teve de encontrar outro advogado disposto a defendê-lo.

Em meados de março de 1851, em razão dos rumores de que os tchecos preparavam uma operação para resgatá-lo, as autoridades decidiram transferi-lo, novamente sob forte esquema de segurança, para a Fortaleza de Olmütz (Olomouc), mais a leste, na Morávia. Naquela prisão, permaneceu acorrentado às paredes e deteriorou-se física e mentalmente; tinha fortes dores de dente, insônia, e o sofrimento foi tanto que chegou a tentar o suicídio. Em abril, foi submetido a um longo interrogatório e, em meados de maio, quando já havia perdido as esperanças, recebeu do governo da Áustria sua segunda condenação à morte, desta vez por enforcamento. No entanto, no mesmo dia, em função do acordo com a Rússia, a pena foi comutada para prisão perpétua. (Grawitz, 1990, pp. 179-186)

Bakunin foi então, finalmente, conduzido à Rússia. Há mais de 10 anos estava fora de sua terra natal e, ao cruzar a fronteira, chegou a emocionar-se. Ingressava sob a condenação de dezembro de 1844 e, por isso, foi diretamente encarcerado na fortificação de Aleksei, na Fortaleza de Pedro e Paulo, em São Petersburgo. Lá ficou preso de maio de 1851 a março de 1854, numa solitária. Durante algum tempo, sequer podia sair, ler ou receber visitas. Conforme relato feito a Herzen em 1860, Bakunin (60006[c], pp. 7-8) ficou preso por dois meses sem qualquer encaminhamento, até que, em julho, recebeu a visita do conde Orlov,

chefe da polícia política e principal assistente do czar. Este lhe trouxe a proposta de Nicolau para que redigisse a ele um tipo de confissão de seus pecados, “como um filho espiritual” escreve “a seu pai espiritual”. Bakunin refletiu por algum tempo e decidiu escrever. Buscaria “adoçar as formas” do texto, usufruindo de “termos polidos”, e dar conta, num tipo de autobiografia política, apenas daquilo que dizia respeito a si mesmo, ou que era de conhecimento público. Afinal, para ele, “ninguém é obrigado a confessar os pecados dos outros” e, por isso, não trairia nenhum companheiro. Ressaltou nessa direção: “Depois de meu naufrágio resta-me apenas um tesouro: a honra e o sentimento de que não traí nenhum daqueles que confiaram em mim”.136

Resultado disso foi a produção, entre julho e agosto de 1851, da “Исповедь” [Confissão], que viria a público apenas em 1921, durante o governo bolchevique, e se tornaria objeto de polêmicas depois disso.137 Trata-se de um manuscrito de 96 páginas, escrito em tom formal e mesmo elogioso ao czar, em que Bakunin faz algo como uma biografia de sua vida filosófica e política, abarcando o período de 1828 a

1849, no qual descreve sua trajetória, seu pensamento e suas ações. Por mais que a maior parte das informações seja verídica, o documento deve ser tomado em conta com cautela, em vista do contexto em que foi produzido e da estratégia adotada por Bakunin para se defender.

Na “Confissão”, Bakunin caracteriza-se como um revolucionário aventureiro e insensato que, arrependido, pretende conseguir uma comutação de sua prisão perpétua. Buscando a simpatia do czar com críticas aos alemães – as quais receberam dele concordâncias, escritas às margens do documento original – e reivindicações daquele pan-eslavismo russo, promovido sob sua tutela, Bakunin também faz

136 Essa carta a Herzen possui um relato interessante do período em que Bakunin esteve nas prisões e no exílio.

(Bakunin, 60006[c])

137 Conforme explica Grawitz (1990, p. 197): “A publicação do texto [a ‘Confissão’] em 1921 foi um escândalo

(alguns excertos tinham sido publicados em 1919). A imagem do herói revolucionário era substituída por aquela do ‘pecador arrependido’, do admirador do czar, do cortesão. [...] Em seguida, vários marxistas, stalinistas principalmente, passaram a considerar Bakunin um traidor.” Essas polêmicas encerraram-se no decorrer do século XX, sendo a avaliação por mim exposta a seguir objeto de concordância por parte de praticamente todos os estudiosos de Bakunin.

análises da conjuntura europeia, promove duras críticas à Rússia, ao czar, e propõe soluções para os dilemas internos e externos, com uma franqueza que, provavelmente, não encontrara precedentes até então. (Bakunin, 1976b[e])

O tom da “Confissão”, os sentimentos e as reivindicações de Bakunin podem ser apreendidos no trecho final do documento:

Sou um grande criminoso e não mereço perdão! Isso eu sei, e se me houvesse sido dada a pena capital, eu a haveria aceitado como um castigo merecido e quase com alegria, pois ela teria me libertado de uma existência insuportável, intolerável. Mas o conde Orlov fez-me saber, da parte de Vossa Majestade Imperial, que a pena capital não existe na Rússia. Contudo, o suplico, senhor, se a lei não se opõe a isso, e se a súplica de um criminoso pode tocar o coração de Vossa Majestade Imperial, não me deixeis consumir na prisão perpétua! Não castigueis meus pecados alemães com um castigo alemão. Se os trabalhos mais duros pudessem ser meu destino, os aceitaria com reconhecimento e como uma graça; quanto mais penoso for o trabalho, mais facilmente me esquecerei de mim mesmo. Mas na reclusão recorda-se de tudo, e recorda-se inutilmente. A inteligência e a memória transformam- se ali em um suplício indizível; vive-se muito tempo, vive-se apesar de tudo e, sem morrer, morre-se dia após dia na inatividade e na angústia. Em nenhuma parte, nem na fortaleza de Königstein ou na Áustria, estive tão bem como aqui, na fortaleza Pedro e Paulo; que Deus permita a todo homem livre encontrar um chefe tão bom e humano quanto aquele que encontrei aqui, para minha inestimável felicidade. Contudo, se eu pudesse escolher, em vez da prisão perpétua na fortaleza, creio que preferiria não só a morte, mas mesmo o castigo corporal.

Outra súplica, senhor! Permita-me, por uma única e última vez, ver a minha família e despedir-me dela, senão de todos, pelo menos de meu velho pai, de minha mãe e de minha irmã preferida (Tatiana A.), a qual, todavia, não sei nem se ainda está viva.

Conceda-me, ó mais gracioso dos soberanos!, essas duas grandes graças e abençoarei a Providência que me libertou das mãos dos alemães para entregar-me às mãos paternais de Vossa Majestade Imperial.

Tendo perdido o direito de chamar-me o fiel súdito de Vossa Majestade Imperial, subscrevo, com um coração sincero,

O pecador arrependido,

Mikhail Bakunin. (Bakunin, 1976b[e], pp. 179-180)

Esse manuscrito foi encaminhado a Nicolau com a recomendação de Orlov, de que a principal reivindicação de Bakunin – que sua prisão fosse substituída por trabalho forçado perpétuo – não fosse atendida. Entendia o conde que o preso era “um homem muito perigoso”, que não havia “se curado completamente de suas opiniões falsas” e que, em contato com outros, poderia ser “perigoso e nocivo por seu espírito ardente e resoluto”. Ao mesmo tempo, Orlov acenava com a possibilidade de melhorar as condições de Bakunin na prisão e de, mais adiante, permiti-lo ver seus parentes. Recomendações que, em linhas gerais, foram seguidas por Nicolau. Conforme sua resolução de agosto de 1851, Bakunin deveria

“permanecer onde está”, mas poderia ver o pai e a irmã, desde acompanhado pelas autoridades.138 (Guillaume, 1907a, p. xxv)

O contato com a família, inexistente desde 1845, foi estimulante, e, a partir de outubro de 1851, Bakunin recebeu visitas de Tatiana e seus irmãos, os quais substituíam o pai, velho demais para viajar. Naqueles anos, Bakunin tentou uma reconciliação com a família e conseguiu acesso a livros (romances e científicos), periódicos e jornais russos, e à Revue des Deux Mondes [Revista dos Dois Mundos]. Mas, ao mesmo tempo, o passar dos anos havia tido considerável impacto na deterioração de suas condições de saúde.

Numa breve carta, entregue secretamente a seus irmãos em fevereiro de 1854, Bakunin (2010f[c], pp. 73-75) forneceu um retrato de suas condições físicas e psicológicas naquela ocasião. Mesmo estando “sempre de bom humor” e “sempre rindo”, ele relatou: “vinte vezes por dia eu gostaria de morrer, de tanto que minha vida tornou-se penosa. Sinto que minhas forças se esgotam; minha alma ainda está forte, mas meu corpo enfraquece-se”. Isso se devia, segundo sua avaliação, às condições desumanas às quais se encontrava submetido: “a imobili- dade, a inação forçada, a falta de ar”. Tinha hemorroidas, febres, dores de cabeça, zumbidos no ouvido e dificuldades de respirar. Ademais, os problemas alimentares na prisão haviam causado-lhe escorbuto, razão do aparecimento de chagas no corpo e da perda de todos os dentes. Entretanto, a sanidade da mente ainda se mantinha preservada – “minha cabeça está lúcida, apesar de todos os males que, em regra, fazem dela sua residência” –, assim como a vontade de agir – “minha vontade, espero, não se dobrará nunca; meu coração parece de pe- dra, é verdade, mas dai-me a possibilidade de agir e ele resistirá”. Afinal, ele enfatizava ter ainda muitas ideias e uma sede “ardente de movimento e ação”, concluindo: “ainda não estou completamente morto”.

Em março de 1854, Bakunin foi transferido para a Fortaleza de Shlisselburg (Oreshek), quase 50 quilômetros a leste de São Petersburgo, às margens do Lago Ladoga, onde permaneceria pelos próximos três anos. Era uma medida preventiva das autoridades russas que, graças ao desenvolvimento da Guerra da Crimeia,

138 A carta do conde Orlov a Nicolau, assim como os comentários e resoluções do czar encontram-se, como

anexos, em: Bakunin, 1976b[e].

temiam que os ingleses pudessem atacar pelo Golfo da Finlândia e, de algum modo, facilitar a libertação de Bakunin. Com a morte de Alexandre Bakunin, em dezembro daquele ano, Varvara (mãe) reuniu forças e condições para auxiliar o filho, tarefa na qual se engajaria durante os dois anos seguintes de sua vida. Preocupada com as condições de Bakunin, que se deterioravam progressivamente – ele chegaria, inclusive, em razão do intenso sofrimento, a acertar com seu irmão os procedimentos para o suicídio, em fins de 1856 –, Varvara utilizou sua posição e influência na nobreza para intervir em diversas ocasiões junto às autoridades. Para tanto, a morte de Nicolau em 1855 e o coroamento de seu primogênito Alexandre II pareciam oferecer possibilidades, dadas as posições mais liberais do herdeiro.

Mesmo assim, a ampla anistia que marcou o início do governo de Alexandre não contemplou Bakunin, retirado pessoalmente pelo novo czar da lista de anistiados. Varvara, depois de intervir novamente, recebeu dele a seguinte resposta: “Saiba, senhora, que enquanto seu filho viver, ele jamais poderá ser livre”. (Guillaume, 1907a, p. xxvii) Mas seus esforços continuaram, colaborando diretamente para que, no início de 1857, Bakunin recebesse uma autorização para escrever novamente ao czar.

Datada de fevereiro de 1857, a carta a Alexandre II é bem mais sucinta que a “Confissão”. Nela, Bakunin (2015b[c], pp. 90-92), fazendo referência ao documento anterior, assumia aquilo que aponta como seus erros pregressos e dizia estar arrependido. Além disso, destacava sua condição desesperadora na prisão e sua falta de perspectivas futuras. “A reclusão é a mais terrível das penas, sem a esperança ela seria pior que a morte; ela faz um morto do ser vivo e destrói nele conscientemente, lentamente, e dia após dia, todas as forças físicas, morais e intelectuais”. De resto, julgava que os últimos anos de reclusão haviam esgotado suas forças e destruído sua juventude e sua saúde: “Considero-me um velho e sinto que já não tenho muito tempo de vida”. Ele dizia ter certeza que a convivência com outros, da qual se encontrava privado, era imprescindível para qualquer felicidade ou bem-estar. Por tudo isso, pedia apenas uma coisa: “a liberdade ou a morte”.

Uma semana depois, ainda em fevereiro de 1857, o governo concedeu a Bakunin a possibilidade de comutar sua pena em um banimento perpétuo para a Sibéria, e também de realizar uma última visita a Premukhino. Durante o mês de março, fez aquela que seria sua última passagem pela propriedade familiar e foi conduzido, nas semanas seguintes, à Sibéria, chegando a Omsk no fim do mês e dirigindo-se logo em seguida a Tomsk, capital da Sibéria Ocidental. Seu período siberiano estender-se-ia até meados de 1861. (Bakunin, 60006[c]; Carr, 1961, pp. 231-236)

A vida no exílio em Tomsk, mesmo com suas dificuldades, era muitíssimo melhor que a vida nas prisões e sem dúvida contribuiu para o reestabelecimento das condições físicas e psicológicas de Bakunin, que, em alguns meses, encontrar-se-ia completamente recuperado. Convivendo com outros exilados, comerciantes e oficiais, buscava meios de sustentar-se financeiramente. Para tanto, cogitou a possibilidade de um emprego na indústria de mineração de ouro, que se desenvolvia na região do rio Lena. Mas, diante da proibição de viajar longas distâncias, teve de dedicar-se às aulas particulares de francês. Apaixonou- se, naquela ocasião, por uma de suas alunas, Antonia

Ksaverievna Kwiatkowska – uma polonesa de 17 anos (e, portanto, 27 anos mais nova que ele), filha de um comerciante aurífero –, com a qual se casou em outubro de 1858.

Viveram alguns meses em Tomsk e mudaram-se, em março de 1859, para Irkutsk, na fronteira com a Mongólia. Lá, Bakunin conseguiu um emprego na Companhia Fluvial do Amur, que promovia o comércio na região recém-conquistada. A mudança e o emprego foram possibilitados pela ajuda de um parente poderoso e bem-relacionado: o primo de Varvara (mãe), general Nikolai N. Muraviev-Amurski, do qual Bakunin aproximou-se, pessoal e politicamente. Governador da Sibéria Oriental desde 1847, Muraviev, conforme caracterização de Leier (2006, p. 155), era um “imperialista e patriota russo”, que foi “amplamente responsável pela anexação de grandes partes do norte da China, acima do rio Amur”. Havia empreendido, entre 1854 e 1858, expedições pelo rio Amur, com as quais garantiu a expansão do Império Russo – e, com isso, além de um enorme território, um acesso fluvial ao Pacífico –, “estendeu as redes de comércio da Rússia ao longo e além do rio e colonizou novos territórios para o czar”, especialmente com a transferência de cossacos da região de Dauriya (Transbaikalia). O general “considerava-se um liberal, e, no contexto da Rússia do século XIX, realmente era”. Mas se ele “apreciava as instituições democráticas americanas e lamentava a servidão”, “as crenças políticas que professava eram frequentemente contraditas por suas ações”.

A partir dos fins de 1858, ainda em Tomsk, Bakunin havia começado a reestabelecer seus contatos políticos, que se fortaleceram durante o período em Irkutsk. Relação importante

daquele período foi estabelecida com Muraviev, com o qual passou a encontrar-se frequentemente e no qual enxergou possibilidades de uma liderança forte, capaz de impulsionar, de cima para baixo, a bandeira da revolução ou mesmo das reformas na Rússia. (Leier, 2006, pp. 154-156) Outra relação foi aquela reestabelecida com os antigos companheiros Herzen e Ogarev que, desde 1857, publicavam em Londres o periódico radical Колокол / Kolokol [O Sino], lido pela imigração russa na Europa, frequentemente contrabandeado para a Rússia e consumido mesmo em terras siberianas. (Bakunin, 58004[c]; Grawitz, 1990, p. 235) Além dessas relações, que foram as mais marcantes do período de exílio, Bakunin conviveu com outros exilados, dentre os quais vários decembristas.

Em 1860, o Kolokol dedicou algumas de suas colunas à análise da Sibéria e, dentre as críticas, estavam algumas contra Muraviev. Inicialmente, ele foi acusado de violação de correspondência e, depois, num artigo intitulado “A Tirania de Muraviev na Sibéria”, foi condenado por suas iniciativas expansionistas no Amur. Durante aquele ano, Bakunin saiu em defesa de Muraviev, enviando duas cartas ao Kolokol e outras duas a Herzen, nas quais intercede, em mais de 50 páginas, na defesa do general e na desqualificação de seus adversários. Numa carta a Herzen, de novembro de 1860, Bakunin (60005[c], p. 2) alega que Muraviev é “um dos melhores homens, um dos mais úteis da Rússia”, que “quer a grandeza e a glória da Rússia na liberdade”; tratava-se, segundo argumentava, de “um democrata determinado”, “um homem que podemos considerar absolutamente nosso e pelo qual a Rússia hoje pode esperar ser efetivamente servida e talvez até salva”. As posições relativas a Muraviev ecoam aquilo que Bakunin chamará, algum tempo depois, de “pan-eslavismo petersburguês” ou “pan-eslavismo imperial russo”, que ele mesmo defendera em alguns trechos da “Confissão” – marcando assim um novo flerte com o nacionalismo estreito.

Ainda em solo siberiano, Bakunin publicou, em abril de 1861 – logo após a emancipação dos servos concedida por Alexandre II –, dois artigos em Амур [Amur], o primeiro jornal político-literário da Sibéria Oriental, criado no ano anterior por Mikhail Petratchevski. No primeiro, discute aspectos da vida social de Irkutsk; no segundo, mais longo, analisa a dinâmica das classes sociais na Mongólia, destacando a contribuição do governador (ambam) chinês e, especialmente, dos comerciantes e dos jovens para aquilo que chamou de “ressurreição popular” na região, a qual teve por fundamento a instrução e a iniciativa prática. O caso da Mongólia, afinal, mostrava caminhos possíveis para uma Rússia, que parecia suscetível à via das reformas vindas de cima. (Bakunin 61001[e]; Bakunin, 61002[e])

Contudo, durante aquele início de 1861, Bakunin já não planejava mais permanecer na Sibéria. Com a aposentadoria de Muraviev, que ocorrera em janeiro, tornava-se mais viável a possibilidade de articular uma fuga. Ademais, a chegada do governador substituto, o general Mikhail S. Korsakov, que também tinha com ele um laço não muito distante de parentesco, não parecia ser um empecilho. De um comerciante de Kyakhta, Bakunin conseguiu um emprego e um adiantamento de salário para contribuir com a expansão comercial ao longo do rio Amur; do governador, sob a palavra de que retornaria a Irkutsk, conseguiu uma

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