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5 O RECRUDESCIMENTO DO DISCURSO MISÓGINO NA ESCALADA DA

5.4 Discurso misógino e efeitos de erotização da infância

No atual estágio da experiência capitalista no Brasil, não há limites morais, políticos nem jurídicos para o discurso misógino que impregna as letras da música carnavalesca baiana mais recente. Em suposta defesa da “liberdade de expressão”, condição necessária para a livre atuação das leis do mercado, a ideologia hedonista tem se materializado num discurso misógino que segue seu curso incólume em letras não apenas da música carnavalesca baiana, mas do cancioneiro brasileiro, como se aviltar, agredir e discriminar a mulher, de todas as faixas etárias, não passasse de uma derrisão carnavalesca inofensiva, de uma brincadeira sem consequências

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danosas para a feminilidade particularmente e para as alternativas da sociabilidade humana em geral. Em nossa perspectiva discursivo-ontológica, compreendemos que há escolhas alternativas qualitativamente superiores a outras, na medida em que elas tanto podem contribuir para elevar a qualidade de nossas relações sociais e para a emancipação do gênero humano, quanto podem fazer o humano regredir em suas conquistas e afundar-se em relações opressivas e desumanizadoras.

Como meio adequado à finalidade lucrativa da indústria fonográfica, o discurso misógino parece casar-se bem com o processo de exacerbação da ideologia hedonista levado a cabo sobretudo pelo discurso do pagofunk. Muitas letras dessa tendência musical realizam paráfrases de canções destinadas ao público infantil ou, pelo menos, tematizam o mundo da infância, fazendo seus sentidos mais ou menos estabilizados deslizarem para outro lugar erotizado. Textualidades que passam a significar diferentemente, em função de alterações em sua materialidade, visto que “qualquer modificação na materialidade do texto corresponde a diferentes gestos de interpretação, compromisso com diferentes posições do sujeito, com diferentes formações discursivas, distintos recortes de memória” (Orlandi, 2007, p. 14).

Nas paráfrases de textos clássicos infantis realizadas pelo discurso do pagofunk, o objeto de desejo masculino são as “novinhas”, termo cujos sentidos abarcam o público infanto-juvenil feminino como um flanco vulnerável às investidas machistas. A música “Lobo Mau (Vou Te Comer)” – do grupo de pagode baiano O Báck, mas que explodiu em sucesso na voz de Ivete Sangalo e da banda Psirico – produz efeitos de sentido que erotizam a infância, fato que analisaremos a partir de sua letra:

SD (50)

[...]

Eu sou o lobo mau, hau, hau E o que você vai fazer haaaaaaa

Vou te comer, vou te comer, vou te comer [...]

Chapeuzinho, pra onde você vai? Diz aí, menina, que eu vou atrás [...]

Pra que você quer saber? Eu sou o lobo mau, hau, hau [...]

E o que você vai fazer

Vou te comer, vou te comer, vou te comer [...]

Merenda boa, bem gostosinha Quem preparou foi a vovozinha

Êta, danada, êta! [...]

Vou te comer, vou te comer, vou te comer (LOBO MAU,[2009?])

Em Análise de Discurso, “o funcionamento da linguagem se assenta na tensão entre processos parafrásticos e processos polissêmicos” (ORLANDI, 2010, p. 36), os quais correspondem, respectivamente, à retomada dos já ditos estabilizados e aos deslocamentos, deslizamentos no processo de significação: o mesmo e o diferente. Nessa paráfrase discursiva, o diálogo com o conto clássico “Chapeuzinho Vermelho”58 fica estabelecido pela presença das

duas principais personagens, a Chapeuzinho e o Lobo, mas também por um elemento central do enredo: o Lobo deseja comer a Chapeuzinho. Paráfrase discursiva. Entretanto, os sentidos aos quais o grupo O Báck procura dar evidência fazem deslizar para outro lugar a semântica não só do verbo “comer”, mas também do objeto alvo dessa ação e do sujeito que a concretiza. O imaginário das leituras da infância coloca em cena o assustador animal folclórico ou mitológico e a menina de família nobre/burguesa numa luta pela sobrevivência, na medida em que a fome de um implica a morte da outra. No universo infantil, o sujeito é um animal malvado (o Lobo) e o objeto, em última instância, uma menina indefesa (qualquer filhinha de família nobre/burguesa representada por Chapeuzinho Vermelho) e a ação, uma imposição da natureza (comer para saciar a fome do estômago).

Nesse gesto de leitura, não está ao alcance da compreensão das crianças os sentidos libidinosos que subjazem latentes no próprio conto clássico, do qual uma leitura teoricamente orientada pode depreender que a fêmea, de alguma maneira, constitui o objeto de desejo do macho e que ela pode servir de “comida” para saciar a fome sexual dele. Com o grupo O Báck, porém, o gesto interpretativo faz os sentidos libidinosos saírem do estado de latência e adquirirem visibilidade, de maneira que as crianças também passam a depreender que o Lobo Mau da música já não é mais o animal assustador, que a Chapeuzinho pode ser qualquer menina ou adolescente vulnerável às investidas masculinas e que a ação de comer metaforiza a posse sexual. Os efeitos de erotização da infância saltam ao primeiro plano no discurso misógino que perpassa a letra da canção.

Os demais elementos da superfície da trama clássica (conselhos da mãe, desobediência da filha etc.) ficam silenciados pela dominância de um jogo alternativo de pergunta (“E o que você vai fazer”) e resposta (“Vou te comer, vou te comer, vou te comer”) cuja finalidade é

58Embora já fizesse parte dos contos populares de tradição oral, “Chapeuzinho Vermelho” foi publicado pela

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evidenciar os sentidos libidinosos, “comer” funcionando como paráfrase de “foder”. Até o deslocamento espacial da trama recebe uma nova descrição/interpretação erotizada: “Chapeuzinho, pra onde você vai? / Diz aí, menina, que eu vou atrás”. Além dos sentidos cantados/ditos com propósito libidinoso, as coreografias, reproduzidas também pelas crianças, sugerem a posição sexual na qual o homem se coloca atrás da mulher para penetrá-la. Ir atrás pode significar também, nesse dizer musical, possuir sexualmente pela traseira, pela bunda, pela penetração no ânus, interpretação que se realiza facilmente com a ajuda das condições imediatas da produção desse discurso acompanhado de coreografias reveladoras. A penetrada por trás, nesse discurso misógino em conflito com o construto jurídico da pedofilia, pode ser a menina ou a adolescente submetida aos desejos do macho, sem que esse canto/dizer seja tomado como uma contravenção penal. Contradições da ideologia jurídica, que não consegue barrar os imperativos do capital, cuja lógica mercenária atropela a proteção legalista à infância e à adolescência.

Outro clássico cuja memória significa no dizer da música carnavalesca baiana é o conto “Branca de Neve e os sete anões”, publicado pelos Irmãos Grimm59. O interdiscurso acontece

sobretudo mediante o diálogo da música baiana com a canção de retorno dos anões à sua casa após o dia de trabalho, na versão que transforma a narrativa escrita em filme. A voz dos anões cantando é recuperada no início de uma canção da banda baiana O Troco, cujo título indica os caminhos da ressignificação desse legado cultural relacionado à infância, tal como se pode ler abaixo:

SD (51)

Puteiro

Eu vou, eu vou, pro puteiro agora eu vou... (4x)

Olha que eu vou na padaria comprar pão com o padeiro Zorra nenhuma, tu tá indo é pro puteiro

Amor eu vou no banco, pra poder tirar dinheiro Zorra nenhuma tu tá indo é pro puteiro

Eu vou no alfaiate, eu vou lá no sapateiro Zorra nenhuma tu tá indo é pro puteiro

Eu vou dar um rolé na barra, eu vou lá no Rio Vermelho Zorra nenhuma tu tá indo é pro puteiro

Eu comprei uma casinha, num lugar muito maneiro Em uma ruazinha, coladinha com um puteiro Minha mulher agora me vigia o dia inteiro Se eu boto o pé pra fora, ela cai no desespero

59 Entre os anos de 1812 e 1822, os Irmãos Grimm compilaram contos da tradição oral alemã, entre os quais

Ai ela perguntou assim pra mim: amor, tu tá indo pra onde? Olha que eu vou na padaria comprar pão com o padeiro Zorra nenhuma, tu tá indo é pro puteiro

Amor eu vou no banco, pra poder tirar dinheiro Zorra nenhuma tu tá indo é pro puteiro

Eu vou no alfaiate, eu vou lá no sapateiro Zorra nenhuma tu tá indo é pro puteiro

Eu vou dar um rolé na barra, eu vou lá no Rio Vermelho Zorra nenhuma tu tá indo é pro puteiro

Eu vou, eu vou, pro puteiro agora eu vou... (4x) (PUTEIRO, [2010?])

Logo de início, o termo “Puteiro” afasta qualquer gesto interpretativo relacionado ao universo da infância, uma vez que seus sentidos mais cristalizados foram trabalhados como um espaço social frequentado por homens adultos interessados em comprar prazeres sexuais a mulheres que negociam os usos de seus corpos, transformados em mercadoria venal. Mas a primeira sequência discursiva da letra propriamente dita, operando a intersecção carnavalesca de elementos que se repelem (a infância e a prostituição), recupera a voz dos anões: “Eu vou, eu vou, pro puteiro agora eu vou”. Após o dia de labuta, a volta para “casa” cantada na voz dos anões (“Eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou”) dá lugar à ida ao “puteiro” na voz da banda O Troco, uma prática social que se instituiu simultaneamente à instituição das sociedades patriarcais, que impuseram a monogamia para as mulheres e toleraram a prática poligâmica dos homens (ENGELS, 1991). Substitui-se o canto de regresso ao lar pelo canto da frequentação ao prostíbulo. A deriva de sentidos, que desloca o script do imaginário infantil para o script do adultério masculino (POSSENTI, 2014), pode até provocar algum efeito humorístico a quem, consciente ou inconscientemente, revela-se receptivo ao discurso hedonista-misógino. Mas tal derrisão reproduz a misoginia como um discurso negativo a respeito da mulher, seja pela transformação de seu corpo em mercadoria, seja pela quebra do compromisso com ela estabelecido matrimonialmente.

Para preservar sua força ideológica opressiva, o discurso misógino procura manter-se extremamente reacionário aos avanços relativos no campo das relações de gênero, por isso ele se filia a todos os valores que outrora sustentaram e fortaleceram a ideologia machista discriminatória. Nele, ainda faz sentido uma divisão social do trabalho na qual a mulher continua presa ao lar, ocupada com os chamados afazeres domésticos, ao passo que o homem reivindica para si a liberdade de frequentar os espaços públicos: a “padaria/padeiro”, o “banco/dinheiro”, “sapateiro” e “Rio Vermelho” (bairro boêmio de Salvador).

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Linguisticamente, para produzir o efeito sonoro da rima, a seleção vocabular prioriza os espaços e as profissões em cuja denominação se apresenta o sufixo “eiro” ou sonoridade similar, que rima com a sufixação de “puteiro”. Mas, discursivamente, tal divisão social do trabalho, historicamente usada como estratégia para a dissimulação da prática do adultério masculino, cria efeitos de deslocamento de sentido quanto aos lugares frequentados pelo homem, que afirma ir a um lugar para dissimular que vai a outro. Entretanto, a tentativa de deslocamento de sentido não confunde quanto à alternativa da poligamia masculina, tanto que a voz atribuída à esposa não passa de uma voz masculina convicta de que a mulher não se engana e conhece o ardil masculino: “Zorra nenhuma tu tá indo é pro puteiro”.

Dessa forma, não há efetivamente o que esconder da mulher. Ao contrário, é preciso dizer à mulher que, além dela, há as “putas”: “Eu vou, eu vou, pro puteiro agora eu vou”. Mais que aceitar ser “traída”, o discurso misógino se compraz prazenteiramente em cantar/confessar à mulher que ela é vítima de “traição”. Se outrora a poligamia masculina precisou ser mantida como uma prática clandestina, conservada em silêncio para preservar a mulher“traída” desse vexame ou para não macular a reputação do “adúltero” perante a opinião pública, agora essa prática social conta com o complemento da confissão discursiva. Uma confissão pública ao alcance da vítima do “adultério”, não por arrependimento nem por procura de perdão, mas para escarnecer a mulher. É como se o discurso misógino de sabor hedonista, aliando-se ao fatalismo da alternativa capitalista, encontrasse prazer em dizer à mulher que não lhe resta alternativa senão aceitar sua condição de oprimida. É sintomático do quanto a atual sociedade brasileira não tem conseguido avançar para relações qualitativamente superiores, destituídas de preconceito e discriminação, o fato de a banda O troco cantar/dizer abertamente o adultério masculino como quem sorri carnavalescamente da feminilidade, como quem desdenha de seus limitados poderes, como quem faz questão de mostrar à mulher que ela não passa de uma oprimida conhecedora de sua condição subalterna. Prazer da humilhação.

Em algumas letras da música carnavalesca baiana, além do diálogo com as referidas narrativas literárias infantis, há ecos também de canções folclóricas relacionadas ao mundo pueril cujos sentidos são deslocados para o campo da obscenidade e da erotização da infância. São letras que entram em conflito com os dispositivos jurídicos que se propõem a defender o público infanto-juvenil da violência inerente às pulsões sexuais, cujo controle social se efetua contraditoriamente, com interdições e concessões, com proibições e incitações etc. Uma das letras que seguem essa tendência remete à canção infantil “Cai cai, balão”, que a Banda Pagodão parafraseou com o novo título de “Cai cai novinha”:

SD (52)

Cai cai novinha Cai cai novinha Mas caia bem aqui

Caia assim caia assim caia assim Caia por cima de mim

[...]

Mas não é de qualquer jeito A brincadeira não é essa

Cai, cai, cai, cai, cai, cai de perna aberta Se já caiu

Não pare não Se já caiu

Só pare quando esquentar no chão Esquenta no chão

Esquenta no chão

Esquenta no chão (esquenta) [...]

(CAI CAI NOVINHA, [2013?])

Do lugar de analista de discurso, procuramos compreender, na tensão entre o mesmo e o diferente, “como o político e o linguístico se inter-relacionam na constituição dos sujeitos e na produção dos sentidos, ideologicamente assinalados (ORLANDI, 2010, p. 38). A duplicidade do verbo cair nos dois primeiros versos, uma estrutura que vem de um já-dito noutro lugar, conserva a memória da canção folclórica infantil cantada nas escolas por docentes e discentes, bem como nos lares e demais lugares sociais onde as crianças interagem ao som desse legado cultural. O deslocamento de sentido aparentemente acontece no plano da sintaxe por meio da alteração nos termos que preenchem os papeis temáticos dos verbos: em vez da imaginação pueril suplicando a queda do “balão”, quem deve cair, no gesto interpretativo da Banda Pagodão, é a “novinha”, a mulher substituindo o objeto voador ou colocada ideologicamente na condição de objeto. Entretanto, é a mudança nos objetos de desejo que altera o percurso dos sentidos, revelando as posições ideológicas assumidas pelo sujeito do discurso.

A queda imaginada para o balão diferente semântica e ideologicamente da queda desejada para a “novinha”. No universo fantástico, a imaginação pueril pede que o balão caia na mão da criança (“Cai cai balão / Aqui na minha mão”). O desejo do qual a Banda Pagodão é porta-voz extrapola para sentidos que erotizam a canção infantil e recoloca o público infanto-

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juvenil feminino na condição de objeto sexualmente desejado: “Mas caia bem aqui / Caia assim caia assim caia assim / Caia por cima de mim”. Os termos dêiticos “aqui” e “assim” perdem sua carga significativa se apartados da coreografia que acompanha a letra da canção e intensifica seus sentidos, uma vez que, nas encenações da música em questão, os gestos e os movimentos corporais deixam entender que o primeiro termo remete ao membro masculino e o segundo, à posição sexual da “novinha”.

Como o discurso misógino funciona à revelia da ideologia jurídica “protetora” da infância e da juventude, a própria letra da canção esclarece que os sentidos nela trabalhado diferem da brincadeira proposta na versão infantil: “Mas não é de qualquer jeito / A brincadeira não é essa”. Feita tal advertência, desnecessária porque as sequências discursivas anteriores prenunciam a ideologia do hedonismo misógino em funcionamento, o deslocamento em direção à erotização da canção infantil ratifica os novos sentidos da “brincadeira”: “Cai, cai, cai, cai, cai, cai de perna aberta”. Portanto, uma canção que trabalha simbolicamente o desejo de posse sexual das “novinhas”, incitadas também a realizar os movimentos coreográficos que, centrados no baixo corporal feminino, criam efeitos de sentido desmoralizante para a feminilidade: “Se já caiu / Não pare não / Só pare quando esquentar no chão / Esquenta no chão”.

Não há, pois, apenas um processo de erotização da infância. Muitas letras da música carnavalesca baiana realizam também um trabalho simbólico que reconstrói discursivamente as identidades do público infanto-juvenil feminino, estereotipado sob o signo da devassa ou da pervertida. Tal como propõe Bloch (1995), não basta fazer o inventário da monotonia misógina, é preciso denunciar as contradições internas do discurso da misoginia. Assim, por um lado, há toda uma construção discursiva que, ideologicamente, incita a infância e a adolescência feminina a servir de objeto sexual para os homens. Por outro lado, o discurso misógino se encarrega de rebaixar moralmente e desqualificar as “novinhas” que sucumbem aos apelos cantados/ditos”. Assim, a vítima se converte em culpada e recebe a condenação do discurso misógino, que produz seus efeitos de erotização da infância e da adolescência à revelia da ideologia jurídica.

Há casos em que o conflito com a ideologia jurídica extrapola o universo do discurso musical e envolve os próprios artistas em seu cotidiano. Nesse sentido, é significativa a razão pela qual a Banda Pagodão foi obrigada a cancelar um show programado para o dia 2 de abril de 2015, na casa de show The Hall, no bairro Pituca, em Salvador. Segundo o noticiário das redes sociais, até aquela data, o recém-chegado vocalista da Banda Pagodão, Dudu Martins, que substituiu Biel Rios, ainda não havia sido julgado no processo que o acusava de ter participado de um estupro coletivo na época em que ainda integrava o grupo de pagode baiano

New Hit. O silêncio diante de tão grave acusação teria levado manifestantes a fazerem inscrições nos muros da casa de show chamando Dudu Martins de “estuprador”. O grupo decidiu então cancelar o show agendado para aquela data.O ex-vocalista da Banda Pagodão, Biel Rios, também se envolveu recentemente em polêmicas, uma das quais diz respeito à denúncia de assédio sexual feita por uma jornalista, que diz ter sido a vítima. Além disso, declarações racistas (“Bom dia negros fedidos”) e misóginas ("Quem odeia Evanescence e acha que ela [Amy Lee] devia cair do palco e ser estuprada por fans psicóticos dá retweet") são atribuídas a Biel Rios, de quem já se fala em fim de carreira. Essas polêmicas e acusações, revelando conflitos da ordem social patriarcal e misógina, sinalizam sintomaticamente para o processo de constituição dos sujeitos e dos sentidos do que eles cantam/dizem.

Se não há discurso sem sujeito nem sujeito sem ideologia (Pêcheux, 2009), devemos considerar relevante saber de que posição ideológica o sujeito do discurso canta/enuncia a iniciação sexual das “novinhas”, tópico discursivo recorrente nas canções da Banda Pagodão. É importante lembrar que, em Análise de Discurso, “o sujeito é uma “posição” entre outras. O modo pelo qual ele se constitui sujeito, ou seja, o modo pelo qual ele se constitui enquanto posição não lhe é acessível. Esse é o efeito ideológico elementar (Orlandi, 2007, p. 48). Não há neutralidade ou isenção num discurso que se ocupa em criar efeitos de evidência para a intimidade sexual das adolescentes, na medida em que as letras das canções realizam gestos interpretativos que veiculam valores mais ou menos opressivos, mais ou menos emancipatórios. Se é inegável que a escolha de determinadas temáticas atende a imperativos econômicos, tendo em vista seu potencial de lucratividade, também é verdade que determinadas escolhas materializam percepções, avaliações e julgamentos que dizem respeito a como os sujeitos se relacionam com cada complexo da vida social e, no caso da canção a seguir, com a sexualidade das adolescentes:

SD (53)

Relaxa, fique calma É a sua primeira vez Vou fazer de um jeito Que vai querer outra vez Você diz que tá doendo Que não tá lubrificada Já sei o que eu vou fazer’ Pra você ficar molhada Relaxe, fique calma Abre as perninhas Agora fecha os olhos

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Vou tirar sua calcinha Sentiu o movimento Da língua entrando [...]

(SENTIU O MOVIMENTO, [2013?])

A construção discursiva de uma cena em que um homem toma uma “novinha” para iniciá-la sexualmente parece atender a desejos que vão além da necessidade de cantar e fazer sucesso. Pulsa nesse dizer sentidos que acordam fantasias eróticas relacionadas às práticas sexuais contraventoras, que a atual ideologia jurídica denomina pelos termos de pedofilia e

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