• Nenhum resultado encontrado

%

Como estamos vivendo numa perpétua interrogação, será bom que nos ocupemos em fazer uma substanciosa discriminação do termo que serve de ponte às inquietudes do pensamento, para que este possa transpor os umbrais da dúvida. Pensamos que uma explicação assim possa ser de suma importância, não só no campo da docência comum, em quaisquer de suas ordens, mas também, e muito especialmente, na chamada alta docência, onde as perguntas já incursionam noutros campos que transcendem a cátedra ou, melhor ainda, os âmbitos uni- versitários, para se internar nos profundos problemas que o Universo e a própria vida propõem à inteligência humana.

Ainda que o ato de perguntar pareça carecer de transcendência e encer- rar tão-somente uma mera fórmula de entendimento comum, nem por isso deixa de implicar uma série de sugestões dignas de ser consideradas e desenvolvidas, pela variedade e riqueza de matizes que ele contém.

A indiferença, com o frio secular que lhe tem sido atribuído – talvez por não propiciar calor ou vida ao pensamento, que por tal causa mor- re congelado nela –, constitui uma particularidade da psicologia huma- na, da qual não é possível esperar as vivas manifestações do sentir nem tampouco os justos reclamos do pensar corrente.

A pergunta surge impulsionada pelo interesse que uma determinada pessoa, coisa ou assunto desperta, e é sempre animada por uma inquie- tude, que pode ser leve ou profunda.

Existe, por assim dizer, uma hierarquia na escala de perguntas, e também uma escala nos estados conscientes da psicologia humana. De modo que uma pergunta pode ser formulada em certo estado psicológico e não ser necessária em outro, como também pode ensejar um simples esclareci-

96

mento do que no momento se presuma indispensável. Aqui, ainda que a pergunta abarque um conjunto de determinados motivos, a resposta deve ser dirigida ao propósito observado como proveniente de um estado parti- cular de ânimo. Quando a pergunta, contendo um conjunto de motivos, é formulada por uma necessidade de enriquecer o acervo pessoal, isto já re- quer uma consideração especial. Nesse caso, deverão ser analisados tais motivos, comprovando-se, ao mesmo tempo, até onde chegou o esforço próprio na busca, antes de ser lançada a pergunta.

O ato de perguntar está condicionado a uma série de exigências que nas- cem ou surgem do cultivo das prendas morais, espirituais e, sobretudo, para sermos mais claros, das faculdades que se manifestam na inteligência. O investigador, por exemplo, seja na ordem social ou científica, tem para suas perguntas uma norma estabelecida. Para ele, as respostas te- rão de ser convincentes, porque significarão a última etapa de seus avanços na investigação e, portanto, elas não necessitarão incluir deta- lhes que ele já conhece, senão aspectos, fundamentos ou conteúdos que passaram inadvertidos à sua penetração.

Naquelas famosas assembléias dos sábios da Antigüidade, que se constituíam sob o signo da meditação e da colaboração mútua para o esclarecimento das verdades, as perguntas que entre eles se expunham eram, em geral, o fruto de longos anos de investigação, e mais de uma vez costumavam dizer que, mesmo com o concurso de todos, necessi- tavam de muito tempo para encontrar a resposta.

Existem interrogações que permaneceram séculos sem serem respon- didas, e há aquelas que ficarão sem resposta enquanto os homens não sejam capazes de desentranhar os mistérios que ocultam essas subli- mes explicações que tantas gerações ansiosamente têm anelado.

O ato de pensar, em sua acepção mais pura, faz com que se manifeste uma condição que é natural da consciência. Ela só pode admitir alguma coisa sob condição de que aquilo que haverá de sustentar depois como valor in- questionável pertença ao foro de suas legítimas aspirações de verdade. A mente, sim, pode aceitar a priori, e até conservar, digamos assim, os pensa- mentos ou idéias que lhe sirvam para seus trabalhos de maturação na retor-

ta do entendimento; porém, o labor seletivo da inteligência e as funções do juízo sempre permanecerão fora da consciência, enquanto não se obtenha a resposta que haverá de condensar-se em convicções profundas. O conhe- cimento dilui a dúvida e destrói os preconceitos, que são o produto de res- postas prematuramente obtidas e, portanto, defeituosamente elaboradas.

Há perguntas que partem da imaginação, e há outras formuladas pelo sentimento ou pelo instinto; também, e numa proporção que não po- deríamos precisar, existem as que provêm da razão ou do juízo. Deve- mos diferenciar, então, a qualidade da pergunta e responder a ela se- gundo sua origem. É um erro comum não levar em conta nem apreciar o fato assinalado, pois é precisamente o que dá lugar a muitas confu- sões. A palavra sábia vai sempre ao encontro da pergunta, fazendo an- tes um rápido reconhecimento dela para determinar sua natureza.

Se a pergunta é feita pela inocência da criança, a resposta deve estar con- dicionada à sua incipiente compreensão, pondo-nos a seu alcance, e deve ser embalada em imagens simples, de fácil captação. Assim, cuidaremos de não lesar os ternos filamentos de sua sensibilidade, e deixaremos satisfeita sua inofensiva curiosidade com respostas que, mesmo compostas com sin- geleza, cooperam com o espírito construtivo infantil.

Ante o dilema que uma pergunta formulada com má intenção costu- ma suscitar, e que, sem chegar a ser um atropelo à dignidade, contém, no entanto, um menoscabo para quem é interrogado, responder-se-á tratando de reprimir a intenção.

Também há perguntas que são feitas em tom de brincadeira e que, se- gundo seja a reação de quem as recebe, ganham outro sentido. Nestes ca- sos, quem as formula sempre trata de reservar para si o direito de negar qualquer parentesco com a brincadeira ou, pelo contrário, jurar por toda a sua árvore genealógica que tudo não passou de uma brincadeira. Aqui cabe discriminar que a resposta dependerá sempre das circunstâncias em que se produz o fato e das pessoas envolvidas. Sabe-se que, se a brincadei- ra parte de um superior, o subalterno deverá ser o mais prudente e tole- rante possível; porém, se um e outro se acham no mesmo plano, a obten- ção do êxito dependerá muito da habilidade de quem responde, sem se chegar a nenhum extremo de contrariedade.

98

Tudo isto mostra o que está relacionado ao alcance das perguntas e às respostas que a elas podem ser dadas, de acordo com os fatores que intervêm e com as situações pessoais dos envolvidos. Só na matemáti- ca encontramos respostas que são moldes perfeitos. Quanto é dois mais dois? Quatro, é a resposta que nos darão redondamente, ainda que o quatro nos pareça ser quadrado.

Existe do mesmo modo uma multidão de interrogações que cor- respondem a diversas idades, como também a épocas diversas, e que não poderão ser respondidas a não ser de acordo com a idade ou a época de origem.

Dentro da vida de cada ser, parece que as perguntas se procriam se- gundo as exigências do espírito ou as necessidades da evolução natu- ral. Pode-se até estabelecer uma classificação delas de acordo com a or- dem em que vão surgindo, quer dizer, à medida que se manifestem es- sas exigências ou essas necessidades. Se o fizéssemos, descobriríamos que elas são repetidas em similares situações por muitíssimos seres, es- tejam uns no Equador e outros no Pólo. O que demonstra esse fato? E o que demonstra o fato de que as perguntas se repitam de geração em geração? Isso demonstra ou revela, melhor dizendo, que essas interro- gações obedecem a um perfeito plano de evolução sincronizado em to- dos os seres, sob a aparência comum de acontecimentos sem importân- cia, vistos como meras coincidências.

As perguntas nem sempre são expostas conforme o que se quer inda- gar; nem sempre são o reflexo fiel do imperativo que as anima ou pro- picia; é possível que seja pela dificuldade que existe em muitos para expor com clareza seus pensamentos. Daí que as respostas, na maioria das vezes, não satisfaçam a esses imperativos.

Vamos, agora, até os domínios das explicações claras, onde as per- guntas são respondidas com reflexões.

– Como é Alexandria, Cairo e Atenas? – pergunta-se a quem volta de uma viagem por essas terras. Responderá que são cidades formosas, históricas e até legendárias, e seguramente ensaiará alguma ligeira des- crição delas. O que não se pensa é que a resposta para essa pergunta

está contida em tudo o que o viajante experimentou, observou e viveu durante sua excursão a esses lugares; isso quer dizer que, enquanto um obterá uma resposta limitada, ao carecer de uma multidão de fragmen- tos com os quais se poderia completar uma imagem clara, o outro terá a resposta em sua totalidade.

Esta observação deve inclinar o homem a admitir a importância que assume, para sua consciência, conhecer os fatos ou as coisas por esfor- ço próprio. Saber por referência de outros significa estar exposto a mo- dificar o informe obtido, cada vez que uma ou outra eventualidade po- nha em evidência o fato de que não se está ajustado à realidade.

A flor e o fruto são a melhor resposta à ansiedade de quem cultiva a planta. Quanto mais formosas forem as flores e melhores os frutos, tan- to mais eloqüente será a resposta à grande interrogação.

CONCEPÇÃO LOGOSÓFICA