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Se algo persiste com maior insistência na alma do ser, à medida que os anos correm pelo caminho da vida, é o desejo de conservar eterna- mente a inefável e fresca fragrância da meninice; referimo-nos à subli- me candura da infância, em cuja idade as imagens se calcam tão assom- brosamente vívidas no interior do coração humano, e com tanta exu- berância de matizes e coloridos, que sua simples recordação abre logo caminho a um sem-número de gratas reminiscências, chegando inclu- sive a enternecer, pelo sentimento que a graça da criança inspira em seus primeiros tratos com o mundo.

Quantas vezes o homem se comporta como uma criança, e até lhe é grato voltar às travessuras de seu tempo de menino, porém es- quece que perdeu a inocência e que tais posturas, embora particu- larizem um estado de ânimo festivo, não se ajustam às regras de conduta próprias de um homem maduro. Semelhantes manifesta- ções aparentariam ser extemporâneas, se não fossem tomadas como imitações divertidas, sempre que sejam ocorrências felizes que dêem ao ambiente uma nota amena e alegre.

A inocência, vista e apreciada em seu verdadeiro significado, é uma das expressões mais concludentes da pureza. Uma vez perdida, pode o ser humano voltar a possuí-la? Não é aventurar muito afirmar que sim, que ela pode voltar a se instalar dentro do ser como conteúdo essen- cial da vida. Mas isto há de ser feito à custa de não pretender burlar a lei, que, se tal ocorresse, interviria no processo de restauração.

As primeiras contaminações que se produzem na terna idade da infância e que influem tão consideravelmente no ânimo, na moral e instintos do ser, ocorrem na mente. É nela que tomam forma e se

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instalam como senhores os pensamentos que mais tarde gravitam decididamente no gênero de vida que se elege para satisfação deles. É fácil, então, compreender que, para eliminar todo pensamento no- civo e impuro, daqueles que corroem o entendimento, seja necessário efetuar uma rigorosa limpeza mental. Isto é primordial, fundamental, caso se queira resgatar paulatinamente o diáfano fulgor da inocência.

É preciso saber que a inocência no homem deve ser produto de uma condição superior. A boa intenção, como a boa-fé, o altruísmo, o senti- do do bem, do belo e do justo, são sinais característicos de elevação mo- ral. Ali aparece a pureza de tudo de bom que se pode reunir como mani- festação de uma vida gentil, amável, doce e consciente de sua natureza inofensiva e leal. No caso de haver alguma dúvida acerca disso, pergun- tamos se por acaso não existem aquelas pessoas que ninguém se atreve- ria a culpar de terem tido sequer um pensamento que causasse algum dano ao semelhante. Não seriam estas, então, completamente inocentes? Poder-se-á objetar ainda que, em outros aspectos, não o são, ao que responderemos: é, porventura, quando se abrem os olhos a certas cruezas de âmbito instintivo – casos que acontecem comumente na adolescência – que se deve entender que se perdeu a inocência? Afir- mando isto se incorreria num erro que correria o risco, se já não cor- reu, de converter-se num conceito crônico, deformado e carente de todo valor convincente.

Não sendo, pois, assim, teríamos de concluir de acordo com o que a Logosofia sustenta a respeito; do contrário, teríamos de admitir que exis- tem caminhos fechados às possibilidades humanas, e que pouca ou ne- nhuma probabilidade, segundo cada caso, resta ao espírito humano para retomar o fio de sua existência, reconstruir a vida sobre bases e caracte- res mais propícios aos fins de uma evolução pujante e fecunda e renovar o entendimento, quantas vezes forem necessárias, numa revisão total das apreciações, até alcançar pronunciamentos definitivos da razão.

Visto de onde deriva esse complexo e errôneo conceito sobre a per- da da inocência, vemos sem maior esforço que é possível voltar a ela, quer dizer, à pureza no pensar, no sentir, no proceder e, adicionemos

também, no tratamento que dispensamos a nós mesmos. E dizemos a nós mesmos porque é preciso saber que há uma vida de relação pró- pria, uma vida íntima que pertence única e particularmente a cada um. Ali, nesse íntimo enlace entre a consciência, o coração e a mente, é onde se está perante o juízo que nos interroga e onde todo ser deli- bera sobre a natureza e o alcance de suas decisões. É justamente nes- sa vida de relação consigo mesmo que se deve cultivar a pureza ferti- lizante e ativa que depura o campo mental, permitindo que se dêem à luz os pensamentos mais preeminentes e fecundos, capazes de operar verdadeiros prodígios no interior do ser, como o de conduzi-lo a in- suspeitadas metas do conhecimento.

Se a Verdade, mãe de todas as verdades, é fonte inesgotável de pureza e de saber, nada mais lógico que o homem busque submergir sua cons- ciência nessa fonte e se sature desse princípio eterno que infunde a tem- perança e a benignidade, tão necessárias ao temperamento humano.

Quantas fisionomias, ao higienizar-se a mente, não se limpariam des- sas expressões de malícia, e quantos olhares maliciosos e intrigantes não se tornariam inofensivos, dissipando o receio do próximo ao influ- xo de sadios e elevados pensamentos, em cuja convivência a vida se transforma em formosos exemplos de bem! Figuras assim são invulne- ráveis e se agigantam ante a ironia do néscio. Deixemos de lado, pois, este último, que não sabe distinguir entre o culto e o inculto, o grande e o pequeno, e entre o saber que faz os seres prudentes e a ignorância que os torna imprudentes. Deixemo-lo menear a cabeça diante de nos- sa conduta e convenhamos que, se contemplarmos o estado comum da humanidade, haveremos de nos convencer de que o homem perdeu a inocência, mas conserva intacta sua ingenuidade.

TRAÇOS CIENTÍFICOS SOBRE