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Na acepção comum, o amor-próprio é tido como uma manifestação da dignidade pessoal, mas o problema é que essa reação se repete no ser com muita freqüência e, na maioria das vezes, sem justificativa, chegando até a impregnar-se de suscetibilidade. Tanto é assim, que se vê nos néscios, por exemplo, uma verdadeira obsessão por causa de seu amor-próprio. Sem- pre vivem na dependência da palavra ou do olhar do semelhante, e num estado tal de hipersensibilidade, que vêem fantasmas por toda parte. Tudo lhes parece uma alusão direta ou indireta à sua pessoa, alusão na qual sem- pre vêem refletidos pensamentos de ironia ou de má intenção. Nesse tipo de seres é tal o relaxamento da reflexão, que costumam ser acometidos por verdadeiros ataques de insensatez.

É interessante observar, na vida corrente, os diferentes tipos de rea- ções que se produzem nas pessoas, conforme seu grau de cultura; refe- rimo-nos exclusivamente às promovidas pelo amor-próprio. Enquanto em algumas essas reações se manifestam com caráter violento, em ou- tras se pronunciam discretamente, na forma de desgosto, que se apro- funda ou se dissipa segundo o motivo que o produziu e os fatores que intervieram nessa circunstância, como também a boa vontade que pos- sa ter havido no causador para avaliar sua infortunada atuação e, ao mesmo tempo, dissipá-la.

O amor-próprio é uma das particularidades típicas da psicologia hu- mana, cujo conceito, justamente por ter ficado tanto tempo indefinido, causa diversas confusões no trato comum, já que, apesar de existir uma conformação psicológica similar em todos os seres humanos, cada um tem a própria, que o caracteriza particularmente. E se levarmos em

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conta que esta conformação é alterada exteriormente, quando não inte- riormente, por estados também particulares e próprios do temperamen- to humano, chegaremos à conclusão de que nem sempre, diante de um mesmo motivo e em idênticas circunstâncias, reage-se de igual modo. Já não se viu, por acaso, alguém tolerar, e até com agrado, dez brincadeiras similares, e a décima primeira, talvez a mais inofensiva, provocar uma reação tumultuosa do amor-próprio? Não se tem visto, também, mais de um vínculo familiar ou de amizade ser truncado, ou ensombrecer-se um conceito, por certas manifestações intempestivas do mesmo?

É fato observado, por exemplo, que as pessoas ignorantes e incul- tas têm sobre isso um critério que difere fundamentalmente do ma- nifestado pelas classes instruídas e cultas. Nas primeiras, exalta-se o amor-próprio até assumir graus de verdadeira intolerância no tra- to habitual com os demais. Suprem, muitas vezes, a falta de ilustra- ção e cultura com um estado de suscetibilidade que não permite se- quer pensar que poderia haver neles insuficiência de qualquer ín- dole, e se colocam, em geral, em extremos de excitação, presos fre- qüentemente à modalidade particular de modificar ou, pior ainda, desfigurar o sentido das palavras que escutam. Não queremos dizer com isto que as pessoas de mediana ou grande cultura não tenham também reações causadas pelo amor-próprio, mas nesse caso suas reações obedecem a outro gênero de apreciação. Comumente, ao se- rem contrariadas em sua vontade ou ofendidas, ainda que involun- tariamente, em seu orgulho ou vaidade, apelam para uma expressão muito particular do caráter dos que se atribuem uma grande estima, ou seja, o uso de frases cortantes que revelam seu desgosto, em al- guns casos o desprezo, ou o laconismo nas expressões, que revela o efeito causado em seu ânimo.

O chamado amor-próprio assume curiosos aspectos de obstinação naqueles que, propondo-se realizar alguma coisa, diante do fracas- so, seja por incapacidade, seja por mil circunstâncias que eviden- ciam, com sinais inequívocos, a razão de não insistir, e presas des- sa sugestão caprichosa que os faz supor que oferecem um quadro de inferioridade, obstinam-se em sair airosos ou, como vulgarmente se

diz, salir con las suyas*. Estamos de acordo que se lute até alcançar o triunfo, porém a própria luta deverá indicar as modificações lógicas no empenho, e não levar a cabo o que se tenha proposto guiando-se pela obstinação de um pensamento, com exclusão de todos os demais.

A esta altura, seria interessante perguntar que papel desempenha o amor a si mesmo diante de tais episódios da vida corrente.

Entendemos que o amor a si mesmo deve levar cada um a aperfeiçoar seu caráter, sua conduta e seus conhecimentos da vida. Esse amor deve encarnar uma das máximas aspirações do espírito, qual seja a de dotar a si mesmo das melhores condições de capacidade, saber e superação em tudo quanto configure a psicologia humana.

Consideramos que esse é o verdadeiro amor-próprio, o que enaltece e honra. Assumirá assim as formas mais elevadas na concepção do amor a si mesmo, e, efetivamente, o próprio ser se fará invulnerável a todos os estados inferiores de compreensão e de evolução que pudes- sem afetá-lo. A reação de defesa que então poderia implicar um possí- vel pronunciamento do amor-próprio se manifestará em evidentes si- nais de superioridade, mostrando-se o ser acima de toda pequenez, de toda suspeita e suposta malevolência.

O amor a si mesmo deve estar condicionado aos esforços que cada um realize na busca de uma superação integral que o eleve, como dissemos, por cima de tudo o que possa dizer respeito à vulgaridade. Desta manei- ra, o conceito sobre o amor-próprio terá de variar fundamentalmente, se comparado ao que a concepção comum lhe atribui, pois esta nova forma de conceber seu significado encerra todo um motivo de meditação, que estimamos de suma importância pelas reflexões que contém.

A CULTURA

Suas três fases na vida do ser: