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Existe a convicção geral, reafirmada pela experiência, de que são mui- to poucos os que, tendo empreendido uma determinada atividade, che- gam ao objetivo perseguido.

Estimamos que, da análise que realizaremos sobre este ponto, have- rão de surgir para a alma jovem e ansiosa de triunfos muitos aspectos de grande interesse e indubitável valor, os quais, se levados em consi- deração, propiciarão depois os mais formosos resultados.

É uma verdade inegável que, à medida que o ser humano penetra e se interna na vida, vai construindo seu verdadeiro arquétipo: o arqué- tipo ideal que dará forma ao conteúdo de sua existência.

Esse arquétipo que o homem constrói toma para os demais o nome de conceito; e já se sabe que cada um é julgado conforme o concei- to que merece de seus semelhantes. Não se deve, pois, esquecer que, por pertencer o conceito à categoria do ideal, e de certo modo estar igualmente compreendido no mundo do abstrato, é suscetível de so- frer diversas alterações e chegar, em alguns casos, até à desqualifica- ção, ou, dizendo melhor ainda, ao desconceito. Daí que se deva cui- dar do conceito como se cuida da própria vida, querendo isso dizer: cuidar de tudo que possa desmerecê-lo ou causar-lhe dano, a fim de mantê-lo incólume ante o juízo dos demais. Mas isso não basta; é preciso defendê-lo também contra toda malícia e toda tentativa alheia de agredi-lo e feri-lo: a inveja, o ódio e o pedantismo depre- ciativo fomentam na mente humana os mais estranhos antagonis- mos, cuja finalidade é, comumente, a de atacar o semelhante com a

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mais crua intenção de ferir seu conceito, principalmente quando este já alcançou uma posição de prestígio.

Não é necessário fazer ressaltar muito essa circunstância para se perce- ber quão indispensável é forjar o arquétipo de referência e construí-lo so- bre alicerces inalteráveis; mais ainda, indestrutíveis e eternos, de forma que, se a vida sucumbe na luta, o arquétipo sobreviva, como foi visto em muitos casos, anotado com letras de ouro nas páginas da História, aureo- lado com um esplendor imortal, configurado aos olhos humanos como algo sobrenatural, pois esse mesmo arquétipo, já plasmado na História e na recordação perene de todos os que conheceram sua vida, segue se cons- tituindo em exemplo de virtudes e é o mais poderoso acicate do espírito naqueles que querem alcançar a glória edificando um arquétipo similar.

Seria bom chamar a atenção aqui para o erro em que muitos incor- rem, ao pensarem que é suficiente seguir uma conduta mais ou menos ordenada, durante certa época da vida, para depois se afastarem dessa linha traçada, entrecortando-a com atitudes e comportamentos contrá- rios a ela. Isto é não ter uma noção exata da transcendência de que se reveste o cuidado do conceito e seu significado espiritual no presente e no futuro da existência humana.

Dito isso, vemos desenhar-se com nitidez dois casos que particulari- zaremos expressamente. Tomemos primeiro o conceito comum, qual seja o que se elabora, quase poderíamos assegurar, com fins preferen- temente utilitários, ou seja, com propósitos egoístas, nos quais estão presentes desde o elogio pessoal até a ostentação, e onde se busca e se força, por assim dizer, a valorização do próprio conceito junto aos de- mais. Podem ser incluídos também neste caso aqueles cujo conceito não ultrapassa os limites da amizade pessoal ou dos exíguos ambientes em que atuam. Caso se quisesse pormenorizar exemplos a propósito da mediocridade do conceito, daria para escrever volumes inteiros, mas o primordial aqui é assinalar o caso oposto, em que adquire importância e transcendência o termo mercê do qual a vida assume sua verdadeira dignidade, isto é, o conceito em sua elevada expressão, que é em sín- tese a credencial com que cada um se vincula a seus semelhantes e, ao mesmo tempo, recebe deles o tratamento que essa credencial outorga.

Deve ficar bem compreendido que a edificação do conceito não é coi- sa fácil, nem tampouco difícil, mas sim um assunto muito sério, prin- cipalmente se apreciado em toda a sua amplitude como algo próprio e inevitável da própria vida. Tanto o músico que conseguiu arrancar aplausos delirantes do público que o escuta, assim como o orador que conseguiu se destacar, deverão, se querem conservar seu prestígio, re- correr a constantes superações, a fim de não romper a harmonia esta- belecida entre o público que os aplaude e a qualidade do que lhe ofe- recem, pois bastaria uma redução nas respectivas aptidões para provo- car na opinião desse público uma reação, que recairia, pode-se supor, desfavoravelmente sobre seus conceitos. O pintor, o escultor, o poeta, o escritor e todos os que cultivam alguma das predileções do espírito devem produzir, para afiançarem um conceito significativo, obras fe- cundas em que se perceba o continuado esforço de superação do autor, evidenciado através de sucessivos trabalhos na eliminação dos defeitos. Queremos estabelecer agora a diferença que julgamos existir entre conceito e arquétipo.

Enquanto o conceito é o produto do juízo dos demais em correspon- dência com os merecimentos do conceituado, o arquétipo vem a repre- sentar o conjunto de todas as virtudes e valores conquistados pelo ser, os quais formam a personalidade ideal ou, o que é igual, a estruturação da vida imaterial, que influi não só quando encarna na vida física, mas também quando esta desaparece da natureza humana.

Se o empenho do espírito em modelar um arquétipo psicológico supe- rior ao comum transcende, digamos, os séculos, já que foi posto de ma- nifesto em todas as épocas, não se poderia conceber que um afã tão jus- to e sublime fosse caprichosamente truncado com a morte do corpo; pelo contrário. Temos, aí, estampado sobre a imensidão do tempo e do espaço, o primeiro ensinamento que nos fala da eternidade da Criação.

Essa lei suprema estabelece, e toda elevada reflexão assim deve con- ceber, a perfeita unidade da existência universal, e justamente porque não está excluída dela a existência do ser humano, este não pode pere- cer, ainda que sua vida feneça como tal; deve existir apesar da morte e experimentar – algum dia este segredo será revelado – a realidade des-

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se existir, tal como pode experimentá-lo durante sua vida física. Por ora, seria bom não perder de vista os que edificaram um arquétipo muito acima do comum, tão escoriado este quanto cheio de defeitos.

Quem observe com pura e boa visão não deixará escapar detalhes de inapreciável valor, ao fixar o olhar naqueles que hoje nos fazem escutar, utilizando a boca de outros como se fosse a própria, o mes- mo que disseram há séculos, para apontar um rumo ou exercer uma influência direta no sentir dos que buscam uma inspiração em suas palavras. Há estátuas que se erguem imortalizando as grandes figuras consagradas pela opinião geral; elas têm a virtude de suscitar o co- mentário de todos os que se detêm perante elas, renovando-se de for- ma permanente a recordação dos pensamentos que animaram suas existências, como também seus feitos, seus esforços e seus sacrifícios. Por acaso essas mesmas almas que superaram a vida humana não fa- zem com que se inclinem, com toda a reverência, os que acodem a seus sepulcros para comemorar as duas datas que efetivaram o perío- do de sua existência entre nós, ou para prestar, como às vezes suce- de, homenagens a datas que foram faustosas para os povos ou para o mundo, devido a fatos que demarcaram etapas de suas vidas? Seja isso, pois, a melhor demonstração da sobrevivência da alma. E que outra coisa poderia pedir o ser humano, para lavrar sua grandeza, a não ser constituir-se, ao evocar esses altos exemplos, num infatigável e inteligente obreiro de sua própria vida?

Da capacidade individual, do esforço, do empenho e da consagração dependerá a altura alcançada na edificação do próprio arquétipo na realização desta obra pessoal.

O FATALISMO