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Se nos fosse perguntado por que foram fundadas as religiões – segun- do a acepção corrente da palavra – e instituídas com elas as crenças e os dogmas, responderíamos que isso foi e segue sendo uma necessida- de das pessoas, mais emocional e instintiva do que de caráter racional, pois a razão sempre teve que se deter nos umbrais dos templos.

Os mais graduados em quaisquer das categorias em que se diferenciam as camadas sociais assistem aos respectivos cultos atraídos pelo espetáculo dos cerimoniais e obrigados, digamos assim, por força das circunstâncias. Alguém não professar o culto da camada social que freqüenta é criar para si uma si- tuação incômoda. A alta sociedade cuida de sua tradição e sente como uma necessidade a manutenção das normas sociais que lhe dão lustre e distinção. A classe média – que devemos classificar em três categorias, ou seja: aquela que está mais perto da alta sociedade, seja pela condição econômica que a co- loca em posição vantajosa, seja por parentescos que de alguma forma a ligam àquela; a segunda ou típica, que por sua febre de figuração leva o nome de

cursi*; e a terceira, que não tem tais preocupações – segue em maior ou me-

nor grau as inspirações da nata social. Por último, a chamada "plebe", classe de humilde condição, para a qual dá no mesmo ir para um lado ou para ou- tro, é levada a esta ou àquela crença por força de simples insinuação, pois já sabemos como se propaga o fanatismo nos meios inferiores.

Raros são, pois, os que acodem a elas em busca de um pouco de paz para sua alma, e estes geralmente o fazem quando os templos estão va-

* N.T.: Na Argentina, pátria do autor, o termo cursi se aplica, neste contexto, à classe daqueles que, pretendendo ser ou parecer elegantes, refinados ou chiques, mais não conseguem que mos- trar-se afetados ou ridículos.

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zios; assim, longe de todo olhar indiscreto, a sós consigo mesmos, en- tregam-se, nesse momento de sossego, nesse instante de emoção mís- tica, a íntimas reflexões, e até chegam a desafogar suas penas.

O que dissemos nada tem a ver com a religião em si, já que uma coisa é a atitude religiosa, que, segundo expressamos, é mais emotiva e instintiva do que racional, e outra coisa é ou deveria ser o imperativo da consciên- cia, nascido nas mais profundas reflexões do espírito como uma necessi- dade da razão de discernir e julgar o alcance que possa ter sua vinculação consciente com todos os sinais da inteligência que façam possível a comu- nhão do entendimento com a Razão Suprema, único meio de acercar-se pela via mais legítima e direta ao pensamento de Deus.

A origem das religiões remonta, pode-se dizer, aos alvores do mun- do. Sabe-se que em tempos primitivos o homem elevava seu sentir ao Sol e a tudo aquilo que surgia à sua vista como algo sobrenatural, sa- turado de mistério e de contornos sugestionantes. Mais tarde se foram perfilando os objetos que seriam motivo de veneração e culto.

A idéia de Deus como árbitro universal e absoluto em uns, e a de deuses ou profetas em outros, foram criando a necessidade de estabelecer práticas, ritos, etc., a fim de unificar o anelo comum na celebração dos atos e cultos dessas crenças. Religião implicava, segundo os gnósticos, re-ligar, voltar a unir; em outras palavras, significava estabelecer o ponto de união entre o humano e o divino, acondicionando as crenças a uma espécie de estatuto do qual, uma vez aceito, não era permitido apartar-se, sob pena de ser castigado. Organizados os cultos em cada uma das crenças que professavam os diversos agrupamen- tos de indivíduos, fez-se necessária a existência de autoridades que regulassem os ofícios desses cultos, surgindo, em conseqüência, a hierarquia, e as religiões se estabeleceram como norma comum para as aspirações do espírito.

No entanto, o vulgo, ou seja, a massa inculta ou pouco ilustrada, que, lamentável é ter de dizer, é a mais numerosa, entende que a religião de sua preferência, em cujo seio se agitam com caráter de exclusividade o espírito dos anjos, dos santos e dos profetas, é ou deve ser a única. Su- gestionado por essa idéia, fanatiza-se ao extremo de crer cegamente que a religião que ele professa é a única depositária da palavra de Deus. Quantos não recorrem à hipertrofiada imaginação para agigantar pe-

quenas coincidências de fatos que não teriam nenhuma importância se não fossem elevados à categoria de milagres, os quais são mantidos sempre à mão pelos fiéis para alimentar sua veemência, que chamam de fé, e a sempre oscilante dos demais crentes. E é curioso que tais fan- tasias místicas cheguem, às vezes, até a transtornar o bom senso.

A nosso juízo, se a religião, seja qual for seu nome, pretende elevar o pensamento do homem a Deus e emancipar sua consciência, deve come- çar por lhe abrir os olhos à luz do conhecimento, em lugar de cegar sua razão e adormecer sua inteligência, pois já dissemos, e isto é o que a Lo- gosofia sustenta com firmeza, que só por meio do verdadeiro saber pode- rá acercar-se o homem aos pés do Supremo e Todo-Poderoso Criador, sem apreensões ou temores e com a máxima confiança em si mesmo.

Enquanto o homem não sentir outras inquietudes além das vulgares sobre o destino de sua existência, exclusivamente relacionadas à sua ma- nutenção física e às obrigações inevitáveis que a convivência humana lhe impõe, não necessitará, para acalmar suas eventuais curiosidades, de ou- tras satisfações além das que sua limitada compreensão das coisas lhe pode dar. E, ao dizermos limitada compreensão das coisas, referimo-nos àquelas que dizem respeito às inquietudes aludidas. Um ser nessas con- dições, apagadas as luzes de seu espírito pela abulia, reduz nesse parti- cular suas exigências a crer, crer cegamente, sem a menor intenção de analisar o que admitiu abrindo mão de todo reparo, talvez por lhe ser cô- modo deixar para os demais a tarefa de analisar e julgar.

Muito contrário a isso é o que acontece com o espírito de quem, não se conformando com o absolutismo imposto pelas crenças e pe- los dogmas, experimenta dentro de si a necessidade de saber, de co- nhecer com consciência tudo que venha a ingressar nos domínios de sua inteligência e de seu sentir e, em conseqüência, venha a perten- cer ao foro discricionário de sua vontade. Este é o que opta por se emancipar do círculo estreito das crenças para ir em busca de outros horizontes mais amplos, onde a consciência possa submergir e en- contrar, em sucessivas explorações, os fragmentos perdidos da ver- dade que haverá de aproximá-lo, como já dissemos, das sublimes re- giões do pensamento, ali onde tudo é pureza e realidade, e onde

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tudo se transforma ante o extasiado olhar que contempla o que é verdadeiro e eterno.

O imperativo da consciência é, neste caso, lei do espírito, e força o homem a não deixar de ouvir seus ditados. Recorre-se assim às reservas internas que cada um possa ter para se amparar contra as agressões da dúvida e contra as resistências que seus parentes e amigos haverão de opor, os quais acredita- rão ver, nessa atitude para eles incompreensível de decidida emancipação dos preconceitos e das ligações do formalismo batismal, uma manifestação de ateísmo, tachada de ímpia e catalogada pelos dogmatismos como heresia. Eis aí o magnífico contraste que nos apresenta este espetáculo digno da mais acentuada reflexão: por um lado, os que mantêm para si uma crença que, na maioria dos casos, lhes foi imposta pela educação recebida na in- fância ou pela inculcação sistemática dos adultos que guiaram sua juven- tude, e pensam que seria um sacrilégio desertar da tradição religiosa fami- liar; por outro lado, os que, com louvável valentia moral, assumem digna- mente o direito de escolher o caminho que melhor satisfaça às exigências de seu espírito e aos justos reclamos de sua consciência.

Como se poderá apreciar, a Logosofia é o conhecimento vivo e fecundo na mais ampla acepção da palavra. As religiões, para ela, não são outra coi- sa que o resultado de uma série de acondicionamentos de fatos que os ho- mens, dos seus respectivos pontos de vista, vincularam ao divino, ao so- brenatural, chegando, no paroxismo do fervor e da exaltação sectária, até a assegurar, em cada um dos diversos e grandes agrupamentos religiosos que se rivalizam no vivo ardor que cada crença fomenta, o consentimento de Deus para exercer por sua vontade os supremos mandatos que atribuem a si mesmos para inculcar e impor os dogmas sustentados por elas.

Ao projetar sua diáfana e penetrante luz sobre o arcabouço das religiões exis- tentes e iluminar a razão do homem, a Logosofia mostra o que elas devem sig- nificar para o entendimento humano, assinalando-as como necessárias para as almas incipientes e ingênuas, pois que, enquanto não puderem encaminhar os passos por si mesmas, guiadas pela luz de um conhecimento superior e ativo, deverão admitir a prédica dos púlpitos ou das sinagogas como destinada a mantê-las pelo menos submissas à idéia de Deus, ainda que nada compreen- dam de quanto lhes seja dito nem se preocupem em discerni-lo.

O que em nossos dias não existe com caráter de algo público e uni- versal é o Templo do Conhecimento, onde cada alma, sedenta daquilo que está além do saber comum, possa comparecer para iluminar sua mente e alcançar, quando isto lhe seja dado por seus esforços, paciên- cia, perseverança e consagração, as altas verdades de onde flui a pró- pria Sabedoria.

Esse Templo do Conhecimento transcendente, que nada teria a ver com as religiões existentes, nem com as ciências ou filosofias conheci- das, agruparia em seu seio todos os seres, qualquer que fosse sua con- dição, classe e fortuna, que anelassem nutrir sua inteligência na fonte viva da Sabedoria prodigiosa.

Se aqui, na América, neste continente de climas privilegiados e nas- centes manifestações de inquietudes superiores, fosse levantado esse Templo, poderíamos assegurar que em pouco tempo se veria, como ocorreu no Egito e depois na Grécia, chegarem homens de todas as la- titudes em busca desse ouro imaterial que fluiria de seu seio como uma irradiação inesgotável de luz para o entendimento e prazer inefável para as consciências.

ESTUDO SOBRE AS PERGUNTAS