• Nenhum resultado encontrado

%

Para os que estudam com profundidade a psicologia humana, pen- samos não ser novidade o fato de que o germe do despotismo luta para manifestar-se no homem desde seus primeiros dias, quer dizer, desde quando mal balbucia as primeiras palavras. O excesso de ca- rinho e tolerância que, mesmo com seu pouco alcance, percebe em pais e familiares, faz com que sinta prazer em suas exigências, cada dia mais extremadas, até estas se converterem em caprichos que chegam a ser intoleráveis.

Mas a questão é que, se consideramos aquelas crianças a quem se deu uma educação mais ou menos rígida, e nas quais se combateu tal ten- dência até com rigor, também observaremos que esse despotismo ina- to se mantém latente, esperando o momento propício de se manifestar com a corda toda*, como vulgarmente se diz.

Seguindo a linha ascendente da infância até a mocidade, encontrare- mos o jovem que, entre os amigos, trata de impor aquilo que a seu juí- zo pensa ser superior ao que eles opinam, seja em idéias, seja em brin- cadeiras ou críticas sobre estudos ou professores.

Chegamos, assim, ao homem que entra na vida alheio a tudo quanto ela há de significar para sua conduta futura, e que nem por sonho prevê, como é natural, as situações incômodas, os castigos e os reveses que a adversidade, sempre à espreita e jamais inativa, lhe infligirá.

Temos então que a criatura humana penetra no mundo em que há de forjar seu destino sem outras defesas além de sua candidez e suas ne-

36

cessidades, as quais, justamente, temperam o espírito e aguçam a cria- tividade para deter as investidas do infortúnio.

É curioso observar que cada golpe que recebe por seus descuidos, cada sacudida que sua alma experimenta por sua imprevisão e inadver- tência, instigam mais e mais suas ânsias de desforra, ou seja, de se con- verter em déspota, ou, em outras palavras, na própria adversidade, para golpear seus semelhantes e lançar sobre eles sua sanha. Assim pensa em segredo o estudante que deseja ser professor para reprovar seus alunos, mas não por justiça, senão pelo prazer de fazer os demais sentirem as angústias que ele experimentou e que, de forma geral, res- pondiam a suas faltas ou a sua incapacidade. Nós o vemos também se manifestar no ânimo do empregado que sonha em ser chefe para exer- cer sua autoridade despoticamente, fazendo o que ele tantas vezes cen- surou, e em todas as demais situações em que existam governos e go- vernados. É natural que essa exaltada tendência recrudesça também no ambiente da política, onde cada aspirante aos altos cargos públicos já leva dentro de si o vírus do despotismo.

Talvez seja por isso que sempre se elege, para reger os destinos de um país, um cidadão de idade madura, pois se considera que essa tendên- cia se tenha adormecido, ainda que muitas vezes os colaboradores que rodeiam o mandatário costumem avivá-la, ou exercê-la eles mesmos, em toda oportunidade que se apresente.

Porém, pelo próprio espírito de conservação e de iniciativa, outra tendência aparece no homem: a que enfoca seus esforços nos ideais de liberdade. Eis aqui em pugna as duas tendências que, durante sé- culos, foram protagonistas das maiores lutas que a espécie humana teve de enfrentar.

Em nossos dias, ante as poderosas correntes do despotismo que tanto corpo ganharam no Velho Mundo, erguem-se não menos gi- gantescas as forças da liberdade, num duelo de morte sem preceden- tes na história da humanidade*. Por exemplo, vimos como reagiram governos e povos, condenando em termos claros e definitivos o des-

potismo, a tirania e a agressão; vimos com que fervor instituições respeitáveis, que agrupam milhares e até milhões de almas, levanta- ram sua voz de protesto; e vimos, também, tal como fazem as águas enfurecidas pela tempestade quando se retiram da terra inundada, aplacar-se a fúria das paixões humanas, quando os fatos excedem e fazem estancar a tolerância do mundo.

É que a arbitrariedade dos poderes ilimitados jamais conduz os po- vos à grandeza ou à união. Sabe-se que o déspota é néscio por excelên- cia e faz de sua razão a única luz que julga e castiga sem apelação. Não admite crítica nem contestação de ninguém; daí que muitas vezes faça os progressos alcançados pela civilização retroceder séculos.

Nestas horas de provação, vêm sendo vistas muitas coisas que não deixam de ter valor para nossos futuros estudos, pois o ensinamento logosófico, embora nada tenha a ver com os que fazem de sua fé um lema de absolutismo despótico, abarca todos os pontos de estudo que possam interessar ao homem, ajudando-o a cultivar seu espírito com objetivos de superação. Os preciosos direitos que cabem a cada ser li- vre de dedicar suas horas a eliminar seus defeitos e ilustrar-se nas altas verdades do conhecimento, a fim de ser útil e eficiente para a socieda- de de cujo seio é parte integrante e inseparável, jamais devem ser lesa- dos, caso se queira conservar a pureza nas manifestações do espírito in- dividual, que em definitivo são expressões que culminam na obra co- mum de progresso e elevação humana.

A VERDADE SOBRE A