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2 UMA EXPERIÊNCIA A PARTILHAR: O CAMPO, O MÉTODO E SEUS

2.2 TUDO JUNTO, AO MESMO TEMPO, AGORA

2.3.2 Efeito Orloff”  Tempo Dois

Entre maio e junho de 2013, Turquia, Bulgária e Brasil entraram na rota das revoltas populares de grande magnitude. No Brasil, as manifestações fizeram eco a processos similares de organização política que, desde 2011, vinham incorporando novas concepções e práticas sobre a participação em ações coletivas em defesa do bem comum, mobilizações e transmissões em tempo real pela internet11. Ao longo de junho de 2013, as manifestações brasileiras que, inicialmente, ganharam a alcunha popular de “Revolta do Vinagre”12

, se intensificaram, tomando proporções multitudinárias, com repercussões imprevisíveis, e passaram a ser conhecidas como “Jornadas de Junho”.

Essas manifestações tiveram como origem a luta pelo passe livre e pela melhoria da qualidade dos transportes, chamada pelo Movimento do Passe Livre (MPL), em diferentes estados, mas se desdobraram em várias outras pautas de diferentes sujeitos coletivos e individuais. Elas explodiram poucos dias depois de concluído o sumário comentado do projeto desta pesquisa, ao passo que eu prosseguia na preparação para iniciar a redação dos capítulos que seriam submetidos à qualificação, no segundo semestre de 2013. Em minha

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São alguns exemplos: a Marcha da Liberdade, Marcha das Vadias, ambas em vários pontos do país, e #ForaMicarla (Natal), todas ocorridas em 2011 e em 2012, #OcupeEstelita (Recife), #SomosTodosGuaranisKaiowás (nacional) e a “Revolta do Busão”, também contra o aumento dos transportes públicos, em Natal.

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O uso da alcunha “Revolta do Vinagre” se deu pelo fato de os manifestantes terem passado a levar este produto às passeatas para minimizar os efeitos do gás lacrimogêneo jogado pela polícia na contenção dos protestos. Na manifestação ocorrida em São Paulo, no dia 13 de junho, a polícia militar prendeu vários manifestantes por portarem garrafas de vinagre. A repressão policial foi um importante catalisador da resistência popular que levou às ruas milhares de pessoas, disseminando uma onda de protestos em defesa de diferentes pautas em todo o país. É interessante notar que o termo permite um paralelo com a “Revolta da Vacina”, ocorrida em 1904, no Rio de Janeiro, no início da República. Embora os motivos da revolta fossem mais amplos, o estopim do protesto foi a forma autoritária e violenta usada pelo governo federal para tornar obrigatória a vacinação contra varíola

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percepção, o que ocorreu em 2011, em diferentes países, particularmente na Europa, se apresentava como um “efeito Orloff” para o Brasil: “Eu sou você amanhã”, ou seja, esperava- se que revoltas com esta dimensão viessem a acontecer, porém, apenas depois de 2014 – ano que, até então, trazia consigo a promessa de Copa do Mundo, um imaginário renovado pelo desenvolvimento “em ritmo de Brasil grande” e eleições gerais.

Os acontecimentos se moviam com intensidade, velocidade, em fluxos e contrafluxos. Era impossível ficar alheia e apenas assistir ao que se passava. Fui para a passeata do dia 20 de junho. Era a primeira vez como pesquisadora, e não como militante, embora fosse impossível dissociar totalmente uma da outra, já prevendo que a dinâmica da realidade abria possibilidades de mudanças significativas no projeto. No dia 25 de junho, depois de longa reunião on-line com o orientador, luz verde para mudar o campo.

A decisão provocou uma reviravolta, exigindo revisão imediata do processo construído até ali: objetivos, premissas, corpus, método. Era preciso considerar o contexto nacional no qual a situação de aparente estabilidade econômica e “ascensão social” de um grande contingente de pessoas que viviam em situação de pobreza e de miséria e os vínculos estreitos entre partidos no poder e movimentos sociais13 produziam uma atmosfera muito diferente da situação de crise experimentada em outros países. Daí, inclusive, a suspeição de que essas revoltas viriam a acontecer, mas apenas depois da Copa do Mundo. Contudo, o processo brasileiro, apesar das semelhanças com as demais experiências monitoradas, com elas guardava diferenças significativas que precisavam ser levadas em conta para compreender o que se passava. Mas, em um mês, o projeto de pesquisa e o sumário comentado precisavam estar reescritos. Era o início. De novo.

A ideia original da proposta continuava pertinente diante dessa nova situação. Mantive o interesse em compreender de que forma os processos comunicacionais que atravessam os espaços virtual e urbano, mediando a experiência pública nas “Jornadas de Junho” de 2013, têm contribuído para a instituição de uma experiência coletiva igualitária de construção do comum.

Os rumos que as revoltas tomaram no Brasil apontavam mais para seus limites do que para suas potencialidades, colocando em xeque algumas das premissas durante a elaboração das análises. Ao mesmo tempo, os episódios mais emblemáticos para a discussão proposta aqui se encontravam fora do Recife. Entretanto, a forma de aproximação do objeto, o propósito de uma dissertação e, sobretudo, os prazos para conclusão de uma pesquisa de

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mestrado esbarram em limitações concretas. Trata-se, portanto, de dados de realidade que nos fizeram abrir mão de investigar, em profundidade, como os dissensos se expressavam em protestos ocorridos em outras cidades, particularmente no Rio de Janeiro, onde conflitos e tensões entre manifestantes e o Estado ocorreram em maior diversidade de formas e com mais contundência do que no Recife.

O debate de qualificação da pesquisa apontou a necessidade de fazer um recorte da ideia inicial, apontando para uma escolha: focar na experiência sensível ou no papel da comunicação na construção do comum. A escolha recaiu sobre a última opção, respeitando a ideia original contida no anteprojeto. Mas, por considerarmos que a construção do comum é, em si, uma experiência coletiva, perpassada por afetos de diferentes ordens, o recorte para garantir o foco nesta questão não poderia abandonar totalmente a discussão sobre experiência. O caminho encontrado foi revisar todo o material escrito para redimensionar a presença da discussão sobre experiência, colocando-a em um segundo plano, mas sempre direcionando o trabalho para o foco escolhido.