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3 ÀS CIDADES, A CIDADANIA

4.2 IMPRESSÕES SOBRE UM OBJETO EM MOVIMENTO NÃO IDENTIFICADO

4.2.3 Imagem nº 2: percepções iniciais sobre o espaço e o ambiente

Junho de 2013, como de costume, foi mês de chuvas intensas em Recife. Porém, na quinta-feira, dia 20, o sol apareceu, convidando à rua. A concentração estava marcada para o final da tarde (16h00), para dar tempo a quem estivesse no trabalho de participar e também para coincidir com as demais capitais. Espontaneamente, as pessoas começaram a chegar ao ponto de encontro duas horas antes, às 14h, na Praça do Derby. Trata-se de uma pequena praça bastante arborizada cujo centro é cortado por uma via que faz a ligação do centro com a zona oeste da cidade. No local, há terminais de ônibus e grande circulação de pessoas.

O quadrilátero da praça se localiza entre o quartel central da Polícia Militar e a Avenida Agamenon Magalhães, artéria principal da cidade que, ao norte, a liga à cidade vizinha, Olinda e, ao sul, faz a ligação com os bairros de Pina, Brasília Teimosa e Boa Viagem. Em frente à praça, em direção ao leste, a Avenida Conde da Boa Vista se dispõe em cruzamento à Avenida Agamenon, fazendo a ligação com a área urbana central, ocupada, principalmente, pelo comércio popular, educandários, serviços de saúde e instituições públicas, até chegar à antiga zona portuária onde se localiza o Marco Zero. Hoje, esta região recebe grandes investimentos em infraestrutura e modernização, o que deve mudar a paisagem da cidade.

O Derby se situa em um ponto bastante estratégico da cidade e, nos últimos tempos, tem servido como ponto de encontro para boa parte das manifestações populares, que costumam percorrer este trajeto, às vezes, com variações no destino, como a Rua Aurora, onde se localiza a Assembleia Legislativa de Pernambuco. Um pequeno coreto na praça costuma servir de espaço tanto para pregações evangélicas quanto para performances políticas.

Dali, a passeata seguiria pela Avenida Conde da Boa Vista, atravessando a ponte de mesmo nome para prosseguir pela Avenida Guararapes, cortar o rio Capibaribe, ainda mais uma vez, atravessando a Ponte Buarque de Macedo, até chegar ao Marco Zero da cidade, no Bairro do Recife – antiga zona portuária da cidade  percurso que cobre 3,3 km de distância. O trajeto poderá ser observado nas Figuras 15 e 16, respectivamente uma cartografia e uma foto aérea do traçado urbano. A imagem da região da concentração observada na Figura 16 é um print screen da página de uma comunidade no Facebook, que gerou 580 “curtidas” e comentários ufanistas alusivos ao “orgulho de ser pernambucano”, devido ao ambiente pacífico e à “pluralidade de causas e união de forças”.

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Figura 15  Mapa do trajeto da passeata: do Derby (A) ao Marco Zero (B)

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Figura 16  Concentração no Derby e imediações

Fonte: Página do grupo Manifesto Recife no Facebook. Crédito da foto: Programa Click na TV

O Derby é um bairro contíguo àquele onde moro, assim, em poucos minutos, seria possível para mim alcançar o local da concentração. Desde cedo começara a ouvir o som dos helicópteros da polícia e da TV Globo, que monitoravam o espaço da concentração e seu percurso. A chegada ao local com bastante antecedência era compreensível, já que, nas redes sociais digitais, circulavam informações dissonantes sobre o horário marcado para a concentração e a disponibilidade de transporte coletivo. Um grupo de amigos chegou à minha casa para seguir dali ao centro. Neste momento, éramos quatro adultos e uma criança.

Meio da tarde, 15h50. Havia muitas pessoas espalhadas pela praça, no seu entorno, e ao longo da Avenida Agamenon Magalhães (Figura 17), aproveitando que o trânsito havia sido interrompido no local. Tudo chamava a atenção: inúmeras rodas de conversa; pessoas que pareciam estar aguardando algo acontecer; um grupo de jovens que dançava ciranda na pista local acompanhados por um pequeno grupo de músicos; muitas pessoas faziam fotos, outros tantos pousavam para elas, empunhando cartazes; polícia a postos; um grupo de pessoas portadoras de necessidades especiais se deslocava pela avenida em suas cadeiras de rodas com cartazes nos quais informavam suas reivindicações.

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O barulho insuportável dos carros de som que costumavam acompanhar passeatas organizadas por sindicatos e movimentos sociais havia sido abolido. Em seu lugar, apitos, algumas pessoas que se uniam em coro para gritar palavras de ordem e slogans, por vezes, incompreensíveis, outras que se faziam acompanhar de instrumentos musicais para acompanhar o canto. À algaravia se misturavam buzinas de automóveis, sirenes de motocicletas da polícia, sem contar o barulho dos helicópteros, presença constante em todas as aglomerações.

Figura 17  Concentração no Derby: 1º Ato “À Luta, Recife!” – 20 de junho de 2013

Fonte: Acervo pessoal

De longe, podia ver que uma multidão já seguia pela Avenida Conde da Boa Vista. Havia marcado um encontro com outros amigos, mas, quando cheguei, estes já não se estavam mais no local combinado, um bar nas imediações da praça. Poucos conhecidos se encontravam no local, um contingente policial pequeno garantia a segurança, embora fosse possível notar a presença da força policial ao longo de todo o trajeto. Buscando localizar as habituais faixas, bandeiras, o colorido de distintos movimentos e mesmo dos partidos políticos, só era possível encontrar muitas pessoas e seus cartazes diversos muitos dos quais traziam frases e design inspirados nos memes popularizados na internet.

Os coletivos com identidade autodefinidas e visibilizadas eram poucos. Alguns eram facilmente identificáveis pela cor da roupa, como os profissionais de saúde em seus jalecos brancos e pessoas portadoras de deficiência em suas cadeiras de roda que se reuniram no local. Demorou algum tempo para perceber um único movimento popular de luta pela moradia, a Organização de Luta pela Moradia Popular (OLMP), afiliada ao Fórum de

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Reforma Urbana de Pernambuco (FERU), que reúne e articula movimentos deste campo de lutas (Figura 17). Soube depois que havia outras lideranças no local, mas ninguém se identificava como participante de movimento social, organização popular, associação comunitária ou ONG; já a OLMP trazia suas faixas com palavras de ordem e reivindicações, uma das quais dizia: “Aumento de 50% no auxílio moradia e correção anual. OLMP”. Constatei, então, com certo alívio, que ao menos dois movimentos sociais haviam aderido à convocatória das redes sociais sem abrir mão de sua identidade enquanto coletivo. Sabia que o movimento LGBT fizera o mesmo, mas não foi possível encontrá-lo, dado que havia saído do Derby tão logo a multidão se dirigiu à Avenida Conde da Boa Vista. Franca minoria, portanto.