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Em vez de planejar, coordenar

No documento La Vem Todo Mundo Shirky Clay (páginas 91-93)

A Blitzkrieg, ou “guerra-relâmpago”, é uma das poucas estratégias militares cujo nome é conhecido  por quem não é historiador. A visão dos tanques alemães Panzer atropelando desafortunadas defesas francesas em maio de 1940 está gravada na memória coletiva; depois da primeira vitória alemã, a França levou apenas seis semanas para se render. Mas, por mais onipresente que ela seja, a imagem da força alemã e da debilidade francesa tem muito de enganoso. Na década de 1930 o Exército alemão era menor que o da França (uma condição imposta no final da Primeira Guerra Mundial) e em 1940 a Alemanha estava praticamente falida; seus temíveis tanques Panzer III e IV, decisivos para a Blitzkrieg, eram em muitos aspectos inferiores aos Char Bs franceses que eles iriam enfrentar. Para que os alemães levassem a melhor de maneira tão decisiva, algo além de armas e blindagem esteve em jogo.

Embora tivessem armas menores e menos blindagem, os Panzers vinham equipados com algo que os tanques franceses não possuíam: rádios. Não costumamos pensar em rádios como arma de guerra, mas eles permitiram aos comandantes dos tanques compartilhar informação e tomar  decisões no calor da batalha, ao passo que os franceses, cuja comunicação com os comandantes de seus tanques era limitada, tinham dificuldade em coletar informações. Essa desvantagem restringiu severamente sua capacidade de reagir a mudanças no campo de batalha. Os rádios transformaram os Panzers em uma espécie de arma de grupo coordenada, em vez de peças independentes de equipamento militar.

Uma razão para que os tanques franceses, com suas armas e blindagem superiores, não tenham vencido, nem mesmo com a vantagem natural da posição defensiva, foi sua incapacidade de  processar informação tão rapidamente quanto os alemães. Teria o curso do século XX sido radicalmente diferente se os tanques franceses estivessem munidos de rádios? É sempre perigoso imaginar histórias alternativas, dado o número de variáveis envolvidas, mas os franceses estavam instalando rádios em seus tanques na primavera de 1940, quando os alemães atacaram. Se tivessem feito isso um mês antes, ou se os alemães tivessem atacado um mês depois, teriam os franceses

vencido?

É improvável, porque os alemães levaram uma segunda vantagem para o campo de batalha; eles compreendiam para que os rádios serviam. Os franceses encaravam o tanque como uma plataforma móvel para acompanhar soldados de infantaria. Os alemães, por outro lado, entendiam que o tanque  permitia um novo tipo de combate, um estilo rápido de ataque que exigia um grau muito maior de

autonomia entre os comandantes e um nível muito maior de coordenação no campo.

Em outras palavras, a capacidade de transformar um conjunto de tanques em uma força coordenada baseava-se em dois fatores muito diferentes. Primeiro, exigia meios de comunicação com que coordenar os tanques. Sem rádios, não haveria Blitzkrieg. Segundo, exigia uma estratégia que levasse em conta as novas possibilidades. Sem uma nova estratégia, também não haveria Blitzkrieg. Nem a mudança tecnológica nem a estratégia teriam sido suficientes por si sós para assegurar a vitória alemã, mas juntas elas mudaram o modo como o mundo funcionava.

Ao contrário da imagem que temos dela como envolvendo uma esmagadora força alemã, a Blitzkrieg foi, na verdade, uma estratégia para usar forças menores, porém mais ágeis, contra um adversário bem-preparado. Ela usou a mesma vantagem que os manifestantes bielo-russos têm aproveitado – uma ferramenta social que permitia a ação coletiva. Embora a flash mob seja uma adição relativamente nova ao repertório, a capacidade de grupos fracos de coordenarem suas ações contra grupos fortes é um traço característico de muitas ações políticas. Em 1999, a Falun Gong, uma organização religiosa chinesa, impressionou e aterrorizou o governo chinês ao reunir 10 mil  pessoas em Zhongnanhai, um complexo de edifícios de acesso restrito em Pequim onde residem

muitos líderes chineses. A concentração foi pacífica, mas sua execução atordoou o governo chinês,  pois as autoridades não tinham a menor ideia de que ela aconteceria, uma vez que fora organizada

mediante mensagens de texto enviadas por celulares. Em Smart Mobs, Howard Rheingold documentou um evento nas Filipinas em que milhares de cidadãos indignados coordenaram rapidamente um protesto em Manila depois que o governo votou a favor de debilitar o julgamento do presidente Joseph Estrada por corrupção. A rápida reunião de milhares de filipinos nas ruas, os quais encaminhavam mensagens de texto informando às pessoas aonde ir e exortando-as a “Vestir   preto”, convenceu o governo a deixar o julgamento prosseguir, terminando com a condenação de

Estrada. Na Espanha, depois que Partido Popular (PP), então no poder, acusou erroneamente terroristas bascos pelo horrível atentado nos trens de Madri, a oposição arregimentou-se para derrubá-lo, enviando a simples frase “Quem foi” de telefone para telefone.

A maioria de nós já viu esse tipo de abandono do planejamento prévio com a adoção dos telefones celulares. À medida que eles se difundiram, as pessoas passaram a fazer planos menos definidos. Não dizemos mais: “Vou encontrá-lo às seis na esquina da rua 33 com a Terceira Avenida.” Dizemos: “Dê um toque quando sair do trabalho” ou “Ligo para você quando chegar ao  bairro”. As mensagens de texto permitem que grupos inteiros também experimentem essa mudança. Os exemplos políticos anteriores demonstram a crescente facilidade desse tipo de coordenação. A Falun Gong, sendo uma organização, ainda tinha algumas das vantagens da coordenação central. Os filipinos não tinham esse grau de coesão, mas vinham testemunhando durante meses o espetáculo da luta de Estrada para escapar de acusações de corrupção. Na Espanha apenas quatro dias se  passaram entre os atentados e as eleições, para as quais o PP era franco favorito. Quanto mais um

método de comunicação for onipresente e utilizado, mais a coordenação em tempo real pode substituir o planejamento e menos previsíveis se tornam as reações de grupo.

No documento La Vem Todo Mundo Shirky Clay (páginas 91-93)