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ovas ferramentas para criar capital social

No documento La Vem Todo Mundo Shirky Clay (páginas 100-105)

Em University Place, na parte sul de Manhattan, a algumas quadras de meu escritório, fica a pista de boliche local. O boliche muitas vezes evoca uma época de cercas de estacas e Coca-Colas a 25 centavos, e até o nome da nossa pista lembra aquele tempo – Bowlmor Lanes. Nas noites de sexta- feira, porém, o Bowlmor parece uma instituição muito badalada, com uma clientela de jovens  bebendo drinques sofisticados em vez de operários que aparecem para tomar uma cerveja e

relaxar. O boliche foi persistentemente reinventado através das décadas, e continua sendo uma atividade popular. Mas entre os anos 1950 e agora houve uma mudança importante: um acentuado declínio do boliche como esporte, com os associados, as temporadas, os uniformes e todo o resto.

Embora vários grupos joguem boliche no Bowlmor Lanes, eles se constituem quase sempre de  pessoas que já se conhecem; o jogo é mais uma consequência que uma causa da interação em grupo.

O desaparecimento gradual das ligas de boliche é uma das muitas reduções dos mecanismos sociais mediante os quais pessoas podem ser apresentadas umas às outras em consequência de uma atividade compartilhada. Isso não importa muito para o destino do Bowlmor Lanes – um cliente é um cliente, quer pertença ou não a uma liga –, mas pode importar para o país.

Quando Robert Putnam, um sociólogo de Harvard, publicou Bowling Alone em 2000, o livro foi uma sensação imediata. Sua análise do enfraquecimento da comunidade nos Estados Unidos,  baseada em uma enorme quantidade de indicadores, desde o declínio dos piqueniques até o

abandono das ligas de boliche, ofereceu duas observações provocativas. Primeiro, grande parte do sucesso dos Estados Unidos como nação teve a ver com sua capacidade de gerar capital social, aquele conjunto misterioso, mas decisivo, de características de comunidades ativas. Quando seu vizinho passeia com o seu cachorro enquanto você está doente, ou quando o sujeito atrás do balcão confia que você pagará da próxima vez, o capital social está em ação. Ele é a sombra do futuro em uma escala social. Em grupos com mais capital social (isto é, com mais hábitos de cooperação), os indivíduos estão em melhor situação segundo numerosos critérios, desde saúde e felicidade até  potencial de ganho, que aqueles em grupos com menos capital social. As sociedades caracterizadas  pela abundância de capital social total saem-se melhor que aquelas com pouco capital social em

uma variedade igualmente ampla de critérios, desde taxa de criminalidade até crescimento econômico, passando pelo custo de empreendedorismo.

Isso é a sombra do futuro em ação: a reciprocidade direta supõe que, se você fizer um favor para alguém hoje, essa pessoa lhe fará outro amanhã. A reciprocidade indireta é ainda mais notável –  ela supõe que, se você fizer algum favor para alguém de sua comunidade hoje, alguém dessa comunidade poderá lhe fazer um favor amanhã, mesmo que não seja a mesma pessoa. As normas e os comportamentos que representam a sombra do futuro constituem o capital social, um conjunto de normas que facilitam a cooperação dentro de grupos ou entre grupos.

Foi a segunda observação de Putnam, contudo, que provocou a reação mais significativa. Em um espectro consideravelmente grande de critérios, a participação em atividades em grupo, veículo  para a criação e a manutenção de capital social, estava em declínio nos Estados Unidos. Reunindo as duas observações, ele concluiu que um dos maiores recursos para o crescimento e a estabilidade do país estava se esvaindo. Uma causa do declínio no capital social era um simples aumento na dificuldade que as pessoas enfrentavam para se reunir – um aumento dos custos transacionais, para usar a expressão de Coase. Quando uma atividade torna-se mais dispendiosa, seja em custos diretos ou em incômodo, as pessoas vão deixando de praticá-la, e várias mudanças ocorridas nos últimos cinquenta anos – como famílias menores, casamentos tardios, famílias em que o casal trabalha, a difusão da televisão e a suburbanização – elevaram os custos transacionais para a coordenação de atividades em grupo fora do trabalho. Para a maioria das pessoas, a única reação  possível à conclusão de Putnam era a nostalgia por um mundo perdido de Rotary Clubs e quermesses. Uma pessoa, porém, viu nisso uma oportunidade. Nos anos 1990, Scott Heiferman havia fundado e vendido uma bem-sucedida empresa de web na cidade de Nova York e estava  procurando uma ideia para seu próximo negócio quando leu Bowling Alone. Em vez de encará-lo

como a constatação de um declínio inevitável, decidiu tentar revigorar a criação de capital social  por meio de interação no mundo real. A solução que ele arranjou era surpreendentemente simples.

Primeiro Heiferman supôs que as pessoas sabiam o que estavam perdendo e gostariam de tê-lo de volta se pudessem; em uma era de capital social declinante, elas tomariam medidas para aumentar sua participação comunal se alguém conseguisse fazer com que isso voltasse a ser fácil. Segundo, ele reconheceu que tratar a internet como uma espécie de espaço distinto – o ciberespaço, como ela frequentemente era chamada – fazia parte do problema. Essa palavra, cunhada por  William Gibson em seu romance Neuromancer , refere-se a uma espécie de realidade alternativa mediada pelas redes de comunicação do mundo. O ciberespaço de Neuromancer   é uma representação visual de todos os dados do mundo. John Perry Barlow, ativista dos direitos digitais, depois usou o termo para designar os espaços sociais da internet. Fosse ele visual ou social,  porém, o sentido básico de ciberespaço era de um mundo distinto e à parte do mundo real. O ponto

final previsto desse processo era uma separação progressiva entre a vida social e o espaço real, levando à morte das cidades, à medida que as populações se dispersassem para locais mais  bucólicos.

A suposição de que as ferramentas de comunicação são (ou serão algum dia) um bom substituto  para as viagens pressupõe que as pessoas se reúnem sobretudo por motivos utilitários de

compartilhamento de informação. As companhias vêm nos vendendo essa ideia desde a invenção do telégrafo, e o famoso Picturephone da AT&T, lançado na Feira Mundial de 1964, foi promovido como uma forma de reduzir a necessidade de se viajar. Essa redução não aconteceu, nem em 1964, nem nunca. Se comunicações fossem um substituto para as viagens, os efeitos já teriam aparecido a esta altura, mas não apareceram. Em 1978, o presidente Carter desregulamentou as companhias aéreas, provocando uma queda dos preços das passagens, mas as ações das empresas de telecomunicação não despencaram; elas subiram. De maneira semelhante, em 1984 o juiz Harold Greene dividiu a AT&T, o que levou a uma rápida redução dos preços de telefonemas interurbanos; nesse ano, a clientela das companhias aéreas aumentou. Comunicação e viagem se complementam, não se substituem. Chris Meyer, consultor do Monitor Group que viaja pelo mundo todo, observa: “Melhores comunicações facilitam meu contato com o escritório, então eu passo mais tempo na estrada, conversando com clientes.”

 Nós nos reunimos porque é útil, mas também porque gostamos. Supor que videofones, e-mails ou realidade virtual vão reduzir a quantidade total de viagens é como supor que as lojas de bebida vão acabar com os bares, já que vendem bebida a preços muito menores. Na verdade, as pessoas não vão a bares simplesmente para beber, mas para fazê-lo em um ambiente de convívio. De maneira semelhante, as cidades não existem só porque as pessoas precisam estar próximas umas das outras  para se comunicar; existem porque as pessoas gostam de estar perto umas das outras, e é esse fato, e não a mera troca de informações, que gera capital social. (Quem prevê a morte das cidades certamente já está casado.) Essa óbvia preferência humana foi desconsiderada no início da difusão  pública da internet, em grande parte porque o usuário médio interagia com pessoas diferentes na

eb e fora dela.

 No ano da fundação do Meetup, o que havia parecido uma profunda mudança social da década de 1990 se revelara um acidente temporário. A ideia de um ciberespaço fazia sentido quando a  população da internet tinha só alguns milhões de usuários; naquele mundo, as relações sociais na

eb eram separadas das relações fora dela, porque as pessoas que conhecíamos em um universo eram diferentes das que conhecíamos no outro, e esses dois mundos raramente se sobrepunham. Mas essa separação era um acidente resultante da adoção parcial da rede. Embora a internet tenha

começado a funcionar em sua forma mais primitiva em 1969, foi só em 1999 que um país chegou a ter a maioria de seus cidadãos conectados. (A Holanda foi o primeiro, mas hoje essa é a situação da maioria dos países desenvolvidos.) No mundo desenvolvido, a experiência de uma pessoa comum de 25 anos é de uma substancial sobreposição entre amigos e colegas dentro e fora da internet. Na verdade, a sobreposição é tão grande que tanto a palavra quanto o conceito de “ciberespaço” caíram em desuso. A internet não fornece uma alternativa à vida social do mundo real, ela a incrementa. Em vez de se tornar um ciberespaço à parte, nossas redes eletrônicas estão se tornando profundamente implantadas na vida real.

Heiferman percebeu que, se houver um número suficiente de pessoas conectadas, não é preciso agrupá-las apenas por afinidade (amantes do boxe, fãs do White Stripes, libertários etc.). Em vez disso, é possível agrupá-las por afinidade e proximidade (amantes do boxe em Poughkeepsie, fãs do White Stripes em Walla Walla). Ele criou o Meetup para ajudar as pessoas a se encontrar na internet e depois no mundo real, tirando das mãos dos usuários em potencial o fardo da coordenação. Os usuários do Meetup podem fazer buscas por interesse (“Há algum Meetup  pertinente em minha cidade?”) ou por área (“Moro em Milwaukee, há algum Meetup por perto?”).

Ao registrar os interesses e a localização das pessoas, o Meetup pode identificar grupos latentes e ajudá-los a se reunir. Heiferman apostou que, por todos os Estados Unidos (e mais tarde, o mundo), grupos latentes adorariam se reunir se alguém resolvesse o problema da coordenação. Armado com essa intuição (e o trabalho de um talentoso grupo de programadores e designers), ele lançou o serviço. Em conversas iniciais com usuários ou investidores em potencial, ele às vezes apresentava o Meetup como uma espécie de máquina do tempo, que revigora os clássicos grupos de interesse americanos – pessoas que compartilhavam um interesse por boliche, automóveis ou chihuahuas. (Na verdade, ele falava com tanta frequência sobre pessoas que gostavam de chihuahuas que essa se tornou uma marca registrada de sua argumentação.)

Os grupos que acabaram realmente usando o Meetup não corresponderam em nada ao que Heiferman esperava. Eis a lista dos quinze Meetups mais ativos no ano em que o site foi lançado:

Assunto Número de Meetups Número de membros

Bruxas 442 6.757 Slashdot 401 11.809 LiveJournal 311 110.6911 Bloggers 1136 4.222 Pagãos 90 2.841 Fark 81 4.621 Ex-testemunhas de Jeová 67 1.609 BookCrossing 56 4.414 Xena 511 11.6411 Tori Amos 47 2.2611 Ultima 38 2.467

Radiohead 32 11.986

Vampiros 28 11.339

Ateus 27 11.338

Essa lista é diferente de qualquer lista de grupos americanos já montada. Ela mede algo importante (ou melhor, reúne várias coisas importantes diferentes) porque demonstra que o poder  de reunião do Meetup reside não em recriar grupos cívicos antigos, mas em criar novos.

Os grupos representados aqui podem ser divididos em três categorias amplas. A primeira, que inclui Bruxas, Pagãos, Ex-testemunhas de Jeová e Ateus, é de pessoas que compartilham algum  ponto de vista religioso ou filosófico, mas não têm apoio da cultura americana mais ampla. Há muito mais presbiterianos que pagãos nos Estados Unidos, mas os presbiterianos não estão nessa lista porque não precisam do Meetup para descobrir quando e como se reunir; eles se encontram todos os domingos na igreja presbiteriana. Como dispõem ao mesmo tempo de organização interna e apoio externo, os presbiterianos são menos afetados pelos custos transacionais que os pagãos, que não têm nenhum lugar ou hora culturalmente tradicionais para se encontrar e nenhuma maneira fácil de divulgar seus interesses sem censura. As testemunhas de Jeová gozam de vantagens semelhantes às de outras seitas cristãs, mas ex-testemunhas recorrem ao Meetup porque não desfrutam desse tipo de coordenação socialmente apoiada.

A segunda categoria de grupos Meetup inclui membros de sites e serviços que gostariam de se reunir na vida real com outros usuários desses serviços. Esse grupo inclui Slashdot, LiveJournal, Bloggers, Fark, Ultima e BookCrossing. (Curiosamente, os números mostram como esses grupos estão concentrados; embora tivessem mais membros que Bruxas, Slashdot e LiveJournal reuniam-se em um número menor de cidades; em outras palavras, as bruxas estavam mais distribuídas na sociedade americana que os geeks ou os blogueiros.) É este o fim do ciberespaço: a popularidade desses grupos de Meetup sugere que encontros virtuais não são o bastante e que, depois de se comunicarem uns com os outros usando esses vários serviços, os membros se convencem de que compartilham interesses suficientes para quererem se encontrar no mundo real. Especialmente relevante para essa tese é o grupo Ultima. O Ultima é um jogo on-line ambientado em Britannia, um mundo imaginário elaborado em 3D, no qual os jogadores interagem uns com os outros. Ele  pertence a uma classe de jogos chamada “massively multiplayer online role-playing games” (jogos de interpretação on-line para jogadores em massa, ou MMOs). Se as interações virtuais fossem plenamente satisfatórias em algum contexto, seria nesses mundos virtuais. Mas a  popularidade dos grupos Meetup para a formação de contatos virtuais mostra que até mesmo comunicação pela internet que emula a interação face a face deixa as pessoas com vontade de contato humano verdadeiro.

A terceira categoria inclui fãs de ícones culturais idiossincráticos o bastante para que esses fãs queiram estar na presença uns dos outros. Usuários do LiveJournal podem, ao menos  potencialmente, entrar em contato uns com os outros no próprio site, mas os fãs de Tori Amos estão

simplesmente apostando que vão se encontrar no Meetup. (O grupo Vampiros cai tanto na primeira quanto na terceira categoria.) A vontade que as pessoas sentem de estar na companhia de outras sem nunca ter conversado com elas antes, com base em uma afinidade cultural compartilhada, é uma excelente publicidade para a tese inicial de Heiferman – de que, mesmo em uma era mediada,

as pessoas anseiam por contato humano real.

Essas três categorias têm várias coisas em comum. Primeiro, representam não só coisas que as  pessoas fazem, mas as maneiras como elas pensam sobre si mesmas (e sobre os outros). Muito mais  pessoas usam o Google que o LiveJournal, mas não há um amplo interesse por um grupo Meetup de usuários do Google. Segundo, essa imagem de si mesmo traduz-se em um desejo de conhecer outras  pessoas que compartilham os mesmos interesses. Havia muito mais gente assistindo a Everybody  Loves Raymond  em 2002 que a Xena: A princesa guerreira, mas o conjunto de fãs de Xena foi um indicador melhor de interesses de fato em comum. Por fim, antes do Meetup o mundo não  proporcionava a essas pessoas nenhuma maneira fácil para se encontrarem. Como o público de

ena  era entusiasmado, mas pequeno, também era pequena a probabilidade de que os fãs dessa série se encontrassem por acaso, mas é precisamente devido a esse status minoritário que era maior  que a média a probabilidade de que, uma vez que reunidos, eles se sentissem de certo modo aparentados. Esse efeito é geral. Lada Adamic, pesquisador nos HP Labs, estudou os usuários de um centro estudantil on-line em Stanford chamado Club Nexus e descobriu que dois estudantes tinham probabilidade de tornarem-se amigos se seus interesses se sobrepusessem e que, quanto mais específicos fossem esses interesses comuns, maior essa probabilidade. (É mais provável que duas pessoas interessadas em esgrima sejam amigas que duas que gostem de futebol.) A conclusão é que é mais fácil gostar de pessoas que têm as mesmas esquisitices que você, mas é mais difícil encontrá-las. O Meetup, ao resolver o problema do encontro, permitiu a formação de muitos novos grupos – grupos que antes nunca tinham podido se reunir.

O Meetup acabou não recriando o velho modelo de comunidade, porque forneceu um conjunto diferente de possibilidades; os grupos que aproveitaram melhor e primeiro essas possibilidades foram aqueles que tinham um desejo latente de se encontrar, mas enfrentavam obstáculos até então insuperáveis. Esses grupos não são os clássicos grupos de interesse americanos de outrora; muitos dos mais populares entre eles revelam-nos coisas surpreendentes sobre como é nossa sociedade neste exato momento.

No documento La Vem Todo Mundo Shirky Clay (páginas 100-105)