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Interações complexas

No documento La Vem Todo Mundo Shirky Clay (páginas 144-147)

É bastante fácil acompanhar três coisas. Se é possível criar novas formas de ação grupal com uma  promessa plausível, ferramentas adequadas à tarefa e um acordo aceitável, por que as pessoas não

conseguem simplesmente inserir esses itens em uma lista de passos e produzir um sucesso? Em outras palavras, por que a maioria dos esforços em grupo propostos fracassa?

Em primeiro lugar, porque acertar cada uma dessas três coisas é na verdade um grande desafio, e acertar todas as três é essencial. Em segundo lugar, como ocorre com os próprios grupos, a complexidade resulta não só dos elementos, mas das suas interações. Lembra-se da mensagem inicial de Larry Sanger, pedindo às pessoas para contribuir com a Wikipédia? “Façam-me um agrado. Vão lá e acrescentem um artigo. Isso não vai levar mais que cinco ou dez minutos.” Ele apresentou a questão como um favor e um experimento, e a ênfase recaiu sobre quanto um wiki

facilitaria o processo. Foi dado destaque à simplicidade da ferramenta e ao acordo; a promessa foi  pouco mais que “você vai tentar uma coisa nova e me fazer um favor”. Agora compare isso ao modo como Jimmy Wales descreveu a missão da Wikipédia: “Imagine um mundo em que o livre acesso à soma de todo o conhecimento humano seja dado a todas as pessoas, sem exceção.” A amplitude da promessa explícita aumentou com a qualidade da execução. Essa promessa explícita é diferente da implícita, e é improvável que os usuários que fazem apenas uma alteração em um único artigo (o caso mais comum na Wikipédia) estejam motivados por essa linguagem arrebatadora. A  promessa implícita é mais simples: se você ajudar, isto aqui vai ficar melhor.

As ferramentas são igualmente complexas. De fato há um espectro de tamanhos de grupos até dentro de comunidades isoladas, já que a maioria dos grupos grandes é sustentada graças aos esforços de um pequeno grupo embutido dentro do grande. Como os grupos costumam conter  diferentes subgrupos, o acordo também é diferente para diferentes usuários. É possível ver como essas questões interconectadas se tornam complexas formulando uma pergunta simples: a Wikipédia é uma comunidade? Uma resposta óbvia é: sim, pessoas trabalham juntas para criar e defender algo que claramente amam. Outra resposta igualmente óbvia é: não, porque a maioria dos colaboradores acrescenta um único item e nunca interage com ninguém. Ambas as respostas estão certas. Existe uma comunidade central da Wikipédia, mas ela é composta por apenas uma fração dos colaboradores da enciclopédia. Os membros da comunidade provêm das fileiras dos colaboradores (de fato, passar de leitor a colaborador é um pré-requisito para a obtenção desse status), mas a comunidade não equivale ao grupo de colaboradores.

A comunidade central da Wikipédia não poderia criá-la sozinha, porque não poderia gerar  matéria-prima suficiente ou beneficiar-se de um número suficiente de novos pontos de vista. De maneira semelhante, o grupo enorme mas relativamente difuso dos colaboradores que não têm consciência de fazer parte da comunidade poderia editar artigos, mas, a menos que os membros mais comprometidos da comunidade as defendessem, essas edições seriam destruídas por  vândalos. Isso não se aplica apenas à Wikipédia como um todo – aplica-se também a cada artigo individual, de Asfalto a Zoroastro. Alguns colaboradores se preocupam com a qualidade da Wikipédia como um todo, e alguns com a qualidade de qualquer artigo, ao passo que a maioria quer  apenas corrigir um erro de digitação ou acrescentar uma informação que possui, e em cada nível a interação desses grupos preserva o todo. Isso é o que está errado em muitas otimizações 80/20 – a crença de que se pode otimizar a eficácia de um sistema truncando-o na cabeça; em muitos casos, isso na verdade amputa um pedaço crítico do ecossistema global.

Algumas partes de uma ferramenta são usadas somente pelos colaboradores principais. Como assinalou Fernanda Viégas, pesquisadora da Wikipédia na IBM, a enciclopédia tem mais de uma dezena de diferentes coleções de páginas, para funções como a história de artigos específicos e das discussões sobre eles, a administração da Wikipédia em si e assim por diante. Só uma dessas coleções destina-se aos artigos propriamente ditos; o resto aborda, de uma maneira ou de outra, o funcionamento do site. A enciclopédia, que parece uma obra de referência para o usuário médio, é na verdade uma comunidade dedicada principalmente à discussão. Os artigos são o resíduo dessa discussão, sendo a última coisa de que alguém abriu mão de discordar. Só os usuários mais comprometidos, porém, acessam a maioria das outras coleções de páginas.

Esse tipo de organização, em que pequenos grupos se formam no âmbito de um grupo maior, mais difuso, é a norma para grandes conjuntos de pessoas (o padrão do Mundo Pequeno em ação

novamente), e muitos sites grandes são na verdade projetados para fazer com que isso aconteça. O MySpace, considerado como um todo, parece uma ferramenta para grupos grandes e duradouros, mas a maioria dos usuários não o considera como um todo. Em vez disso, partindo de uma visão de mundo “primeiro eu, depois meus amigos, depois os amigos deles”, a maioria dos usuários considera o MySpace uma ferramenta para grupos muito menores, e esse tipo de densidade entre grupos de amigos pode fazer do site um lugar para interações muito mais rápidas e estreitamente organizadas. O protesto antianti-imigração em 2006 não surgiu do MySpace como um todo – teria sido tão impossível para a News Corp patrocinar algo assim como para o Meetup patrocinar o Stay at Home Moms de Atlanta. Na verdade, o caráter circunscrito da rede significou que os usuários  puderam anunciar a manifestação uns para os outros sem nunca transmitir uma mensagem para o site

inteiro.

Muitos grupos que se formam hoje em dia estão usando softwares que precisam ser adaptados  para um grupo específico. Os grupos que usam o Meetup têm taxas de sucesso extremamente variáveis – os grupos Stay at Home Moms, tão populares nos Estados Unidos, dificilmente se reproduzem em qualquer outro lugar do mundo. Esse tipo de adaptação de uma plataforma de software significa que a questão de promessa, ferramenta e acordo ocorre em múltiplos níveis. A  promessa básica de qualquer grupo Meetup é que o usuário poderá conhecer outras pessoas que

moram perto dele e compartilham de seus interesses. Além disso, cada grupo precisa fazer sua  própria promessa específica – as promessas das ex-testemunhas de Jeová e as dos jogadores de  pingue-pongue serão muito diferentes – e decidir que características do software usará: a postagem de fotos dos Meetups será incentivada ou proibida? Membros em potencial podem ler os quadros de mensagens, ou isso está reservado aos membros efetivos? E assim por diante.

Embora tendam primeiro a se amalgamar em torno de uma ferramenta específica, os grupos são livres para adotar ferramentas adicionais. Jessica Hammer, pesquisadora na Universidade Columbia, acompanhou a comunidade que se formou em torno dos quadrinhos on-line Sluggy  Freelance. Ela descobriu que a comunidade usava várias ferramentas diferentes, inclusive um fórum no site Sluggy Freelance e não apenas uma, mas duas listas de discussão para coordenar  diversas atividades. O grupo formou-se em torno de um site específico de conteúdo, mas a lógica interna de sua coesão permitiu-lhe expandir o número de ferramentas usadas. De maneira semelhante, embora tenha começado como uma proposta em um fórum na Usenet, o Linux expandiu- se ao longo dos anos para incluir inúmeras listas de discussão, sites e até uma ferramenta criada especialmente para o manejo do próprio código-fonte.

Ainda que seja raro que um grupo desenvolva um software complexo para uso próprio, a adaptação do ambiente para a vida do grupo é bastante comum. Os fãs de Buffy que encomendaram Bronze:Beta também adaptaram essa ferramenta para sua comunidade; o Black and White Maniacs no Flickr adaptou um conjunto de regras para o acordo social que queria impor. Por vezes esse tipo de adaptação torna-se parte da cultura. Em alt.folklore.urban, um fórum de discussão sobre folclore urbano, residentes antigos usavam a palavra “voracidade” cada vez que queriam dizer  “veracidade”. Fazendo isso de maneira constante, conseguiam provocar em recém-chegados furores de retidão linguística; quando estes percebiam que haviam caído em uma pegadinha, ou adquiriam um novo respeito pela coesão da comunidade, ou iam embora, ofendidos. (Nem é  preciso dizer que os membros regulares viam esses dois resultados como positivos.) Esse tipo de ritual de iniciação, ou provocação, não era de maneira alguma uma característica da ferramenta

social que alt.folklore.urban estava usando: era uma norma adotada e sustentada pela comunidade.

No documento La Vem Todo Mundo Shirky Clay (páginas 144-147)