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A presente pesquisa teve como objetivo compreender o funcionamento de um grupo de trabalho informal constituído por mulheres integrantes do Programa de Ação Social Vivendo e Aprendendo, situado na região metropolitana de Curitiba, Estado do Paraná, para contribuir na construção de conhecimentos sobre este tipo de empreendimento solidário em relação a sua autonomia organizativa. Para tanto, buscou-se referenciar este campo com a perspectiva teórica do construcionismo social e da psicologia social usando como referências: Ibáñez (1993), Iñiguez (2002), Spink (2000); Spink & Frezza (2000); Spink & Medrado (2000) e Spink (2000, 2005). E da Economia Solidária, Singer (2006; 2004; 2002, 2000; 1999, 1998, 1988), Mance, (2006, 2003), Arruda (2006), Tiriba (2006, 2004, 2002), Tiriba & Picanço (2004), Souza (2006), Schiochet (2006), Verardo (2005), Arruda (2006), Spink (2003). Os métodos que caracterizaram esta pesquisa foram o estudo de caso de um grupo de trabalho informal, entrevistas em profundidade; além da observação participante em relação ao seu progresso durante um ano e meio. Sabemos que milhares de trabalhadores e trabalhadoras excluídos do mercado formal de trabalho, tiveram que trabalhar, ou melhor, ganhar a vida, em várias atividades econômicas ditas informais, como: comércio ambulante, coleta e reciclagem de lixo, pequenos serviços domésticos, micronegócios familiares, hortas comunitárias, drogas, prostituição (TIRIBA, 1997), quase chegando a pequenas transgressões e delitos. Tal informalidade não seria suficiente nem para abarcar todas as pessoas desempregadas em idade economicamente ativa e nem para resolver a questão da falta de emprego. Então, constatou-se a existência de movimentos da sociedade em prol da denúncia e da busca de soluções para os seus problemas sociais. Ainda que de maneira “subterrânea”, sem real espaço na mídia dominante, ouvem-se vozes por meio de eventos que se organizam nas mais variadas regiões do país e do mundo como fóruns, encontros, reuniões, clubes de trocas, entre outros. Neste sentido, chegou-se ao que chamaríamos a um “mundo novo” acontecendo por “debaixo” da economia vigente. O mundo dos empreendimentos solidários que varia: desde grupos informais até cooperativas e associações, de pequenos empreendimentos até a idéia de se criar uma rede de empreendimentos solidários seguindo a cadeia produtiva. Este “mundo novo” é onde acontece outra economia baseada em valores/princípios como a solidariedade, a cooperação, a distribuição de renda e a autogestão, sendo que este último princípio será

o foco desse estudo, pois quando se trata de desenvolver empreendimentos populares solidários uma das características que se diferencia das empresas capitalistas é justamente a autogestão denominada como: “os/as trabalhadores/as são os/as efetivos/as gestores/as do processo produtivo e das relações de trabalho”. O projeto de Ação Social Vivendo e Aprendendo surgiu em 2000, sendo desenvolvido num espaço cedido e administrado por uma instituição cristã-evangélica, localizada em Curitiba, no Estado do Paraná. Para a criação do projeto, foi realizada uma pesquisa com a população do bairro, em relação à saúde, educação e trabalho. Tal projeto contou com parcerias de uma Universidade e de uma Faculdade da região que duraram por 5 anos (2000 a 2005). Enquanto a primeira fornecia cestas básicas mensais, a segunda possibilitou que as mulheres integrantes do projeto procedessem ao preventivo de câncer, além de participar de palestras sobre saúde da mulher. Dentro da área do trabalho, um dos resultados do Projeto Vivendo e Aprendendo, foi a construção de uma cozinha industrial-comunitária que, por meio de doações de vários quilos de frutas por semana, as mulheres começaram a fabricar geléias. Com o objetivo de melhor, qualificar as referidas mulheres, houve a organização de um curso denominado: “Capacitação e Qualificação Profissional para Processamento e Produção de Alimentos”. Na época, as mulheres que atuavam com a cozinha comunitária chegaram a

produzir 300 potes de geléias por semana, mas apesar de ser considerada uma fonte geradora de trabalho e renda, depois de alguns meses, as mulheres desistiram de produzir, porque sentiram inúmeras dificuldades para comercializar, principalmente por não ter nota fiscal, o que inviabilizou a entrada do produto no mercado. Durante o processo de produção das geléias, o grupo contava com quarenta e duas mulheres. Quando decidiram interromper a produção das mesmas e a distribuição de cestas básicas, o grupo reduziu-se para quinze. No início de 2006, estava com aproximadamente doze mulheres e em setembro de 2006, o grupo contava com aproximadamente oito mulheres. Em 2006, a partir de uma reunião com o pastor, sua esposa e com a pastora decidiu-se fazer entrevistas com as mulheres para delimitar qual seria o melhor produto e/ou caminho a seguir. Com as entrevistas, podem-se descobrir pontos de interesses para o desenvolvimento de um produto, especialmente a tendência do grupo ao artesanato. Então, a partir de março de 2006, deram-se início as aulas de artesanato com a produção de bolsas de palha de taboa. Em dezembro desse mesmo ano, as mulheres participaram da II Feira Estadual de Economia Solidária, em Londrina (Paraná), expondo a sua produção. Ao observarmos o desenvolvimento do Projeto Vivendo e Aprendendo, composto por 13 mulheres, durante 18 meses pôde-se verificar que não houve por parte das pessoas responsáveis pela sua implantação (a pastora

e a esposa do pastor) um delineamento claro do que seria um empreendimento popular solidário em seus princípios básicos. Neste sentido, apesar dos princípios de atitude emancipadora e de transformação da sociedade, existirem como parte do discurso praticado pelos mesmos, a prática demonstrou que houve apenas a manutenção do sistema. Isso porque tanto a pastora quanto a esposa do pastor atuaram como empreendedoras do projeto, centralizando decisões, atuando como líderes do grupo, sem trazer reflexões ou oportunidades para que o próprio grupo pudesse atuar e resolver seus próprios problemas, a partir de discussões e debates, entre outras formas participativas. Neste sentido, apesar de não haver um discurso assistencialista, houve a promoção da dependência do grupo. Observações levantadas quando da participação da pesquisadora no curso de Capacitação e Qualificação Profissional para Processamento e Produção de Alimentos (maio a junho/2005) e das anotações do diário de campo, demonstraram que durante o primeiro módulo denominado de Desenvolvimento Comunitário, a professora trouxe conteúdos que exprimiam mais uma postura individual e empreendedora de encarar o mundo do trabalho do que propriamente de um trabalho coletivo e comunitário, como o nome do módulo poderia sugerir. Outra questão levantada trata- se da postura da educadora ou do educador frente ao grupo. Na realidade, a educadora não deveria assumir a frente do grupo, mas sim, estar junto com ele,

começando a descobrir formas de se avançar no processo de geração de trabalho e renda. A idéia que se coloca é justamente a formação dos educadores cientes e preparados para não reproduzirem o que o sistema econômico propõe, mas de tratar de uma educação voltada para a real emancipação do ser humano. Portanto, durante o Projeto Vivendo e Aprendendo, não houve por parte dos responsáveis pelo mesmo, o interesse ou a consciência em demonstrar a questão crítica da sociedade em que se vive, nem teve o objetivo de fazer com que as mulheres desenvolvessem atitudes coerentes com a autonomia e desprendimento. Ao contrário, pode-se perceber que todo o trabalho intelectual e de planejamento, organização das vendas, introdução do produto no mercado, elaboração de rótulo, do nome do produto, entre outros, passou por pessoas mais qualificadas como o pastor, a pastora, a esposa do pastor, professores universitários voluntários e estagiários universitários. Não houve a inclusão do grupo nas discussões e nos problemas. Ou seja, as mulheres, ao que parece, não eram estimuladas a pensar, analisar, refletir e tomar decisões que lhes influenciassem diretamente, acarretando inclusive forte pressão e cansaço em quem estava gerenciando todo o trabalho, pois à medida que uma ou duas pessoas acumulavam inúmeras funções e responsabilidades sem compartilhar com o grupo, estava-se reproduzindo o que o sistema capitalista promove: uma hierarquia que centraliza informações e decisões. Na realidade, a intervenção

nesse grupo surgiu a partir do interesse de uma comunidade religiosa que estava disposta a realizar trabalhos sociais e não pelo engajamento do próprio grupo de mulheres em relação ao seu desenvolvimento. Para implantar o Projeto de Ação Social houve a busca de apoio por meio de parceiros como, por exemplo, as instituições de ensino. Tal apoio foi caracterizado por um trabalho de esclarecimento de questões ligadas à saúde, ao trabalho e à educação, desacompanhado da questão política e, portanto, de caráter assistencial. Observou-se também que não havia profissionais preparados para lidar com conteúdos referentes à Economia Solidária. Muitos dos profissionais, inclusive, demonstraram total desconhecimento. Faz-se necessário, então, investir na formação dos educadores,

pelo menos no Estado do Paraná, para que os princípios do movimento da Economia Solidária não se desvirtuem e se transformem em coadjuvantes do sistema econômico atual, principalmente quando se remete ao conceito e a prática de autogestão, onde se precisa de pessoas politicamente formadas, abertas para a compreensão de que o processo de tomada de decisão é descentralizada, porém integrante de um campo de forças de poder e que o grupo deve encarar o processo de frente e não esperar que alguém resolva os seus problemas.

Palavras-chave: psicologia social; economia solidária; empreendimentos solidários; grupo de trabalho informal; sentidos; mundo do trabalho.