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novas tecnologias e oportunidades de participação nos media convencionais

No documento AS CARTAS DOS LEITORES NA IMPRENSA PORTUGUESA (páginas 176-185)

Como já vimos anteriormente, a introdução das novas tecnologias nos media tradicionais serviu de reforço às suas dinâmicas empresariais, intensificando, ao nível do jornalismo, a tensão entre a obtenção de lucro e a sua missão de serviço público. no entanto, não podemos ignorar o contributo da internet não só no alargamento das formas de participação do público, mas também nos desafios que coloca à actividade jornalística actual. As novas tecnologias redefiniram alguns paradigmas e transformaram o jornalismo – em particular, a internet mudou o modo como a informação é produzida e consumida (cfr. scott, 2005: 92), alterando, de certa forma, o equilíbrio de poder entre o emissor e o receptor e os modelos unidireccionais de comunicação (cfr. sousa, 2006: 379). Com a utilização da internet, “os cidadãos vêem assim reforçada a possibilidade de uma participação mais activa em processos de deliberação, num quadro de interacção que é agora muito diferente daquele proporcionado pelas tecnologias da comunicação mais convencionais (rádio e televisão, ou mesmo a imprensa), cujas características evidenciam fortes condicionalismos de unidireccionalidade” (esteves, 2007: 220)7.

a internet introduziu também um novo tipo de jornalismo – o jornalismo

online, presente quer na transposição das edições em papel dos jornais para a

internet, por exemplo, quer na criação de projectos jornalísticos exclusivamente

7) Convém referir, neste contexto, que a discussão sobre as novas tecnologias, internet e sociedade de informação se encontra, muitas vezes, polarizada por posições antagónicas (cfr. esteves, 2007: 209; Hujanen et al., 2004: 384) – de um lado, uma posição optimista, que associa a internet a uma idealização extrema da democracia e que sublinha o seu potencial positivo na transformação dos consumidores de notícias em participantes activos da informação; de outro, uma posição pessimista, com ênfase nas consequências negativas, nomeadamente a fragmentação das audiências ou a perda do sentido de comunidade. não cabe aqui, porém, essa discussão, sendo o nosso propósito examinar e avaliar as potencialidades (e a extensão das mesmas) de participação nos meios tradicionais.

online. apesar de, em 1996, a maior parte dos media tradicionais norte-americanos

já ter uma presença na web (cfr. ibidem), em portugal, o Jornal de Notícias foi o primeiro diário português de informação geral a colocar a sua edição impressa

online em 1995 (cfr. bastos, 2008: 170 e 171; sousa, 2006: 376); posteriormente,

no mesmo ano, o Público e o Diário de Notícias seguiram-lhe o exemplo. Mais tarde, foram desenvolvidos projectos jornalísticos exclusivamente online, como o Setúbal na Rede (1998) – que foi o primeiro órgão digital a registar-se no instituto da Comunicação social (cfr. bastos, op. cit.: 175) –, o Diário Digital (1999) ou o Portugal Diário, em 2000.

sendo a internet uma forma de comunicação bastante distinta de outras formas de comunicação interpessoais, como o telegrama ou o telefone, ou de massa, como os jornais, a rádio e a televisão, a sua introdução nos meios tradicionais veio transformar o seu modo de funcionamento (cfr. Chadwick, 2006: 4) e, também, as formas de expressão pública no processo democrático, criando mais oportunidades para uma cidadania activa (cfr. schultz, 2000: 207). “os jornais não estão imunes às novas tecnologias (...). isto é bom para os jornais e para o papel crítico que eles desempenham no processo democrático. ao criar condições para o ‘input’ dos leitores, através da utilização das novas tecnologias, os jornais permanecem como um fórum importante para a expressão pública numa democracia participativa” (Dupre et al., 2000: 4). devido à existência de uma maior gama de canais de acesso, o cidadão comum, mais capacitado, “dispõe hoje de meios para imputar os jornalistas de pelo menos alguns malefícios da comunicação social” (Oliveira, 2007: 318).

a capacidade interactiva, com a utilização de determinadas ferramentas informáticas, é unanimemente considerada como um dos mais importantes atributos da Internet, desafiando o tradicional fluxo unidireccional da informação e dando às audiências uma maior escolha, permitindo até que participem na sua produção (cfr. Chung, 2008: 658; idem, 2007: 43). por exemplo, a versão online dos jornais oferece várias possibilidades de interactividade e de feedback, quer através dos fóruns de discussão ou da possibilidade de contactar os jornalistas por correio electrónico, quer através da “customization”, ou seja, a possibilidade de os leitores seleccionarem e gerirem o seu próprio conteúdo e as suas preferências (cfr. beyers, 2004: 11 e 12). Mark deuze distingue, neste contexto, três tipos de

interactividade oferecidos pelos sites de notícias: a interactividade navegacional, com a possibilidade de contacto dos jornalistas por email, usada pela maioria dos media “mainstream”; a interactividade funcional, em que o utilizador pode participar, até certo ponto, no processo de produção do site e interagir com os outros utilizadores; e a interactividade adaptativa, em que a programação do site se adapta ao utilizador, “lembrando-se” das suas preferências (cfr. Deuze, 2003: 214 e 215).

o feedback das audiências, a criação de comunidades virtuais ou o fenómeno dos blogues evidenciam diferentes graus de participação das audiências desenvolvidas no jornalismo online (cfr. domingo, 2008: 687-94). neil Thurman identificou, com efeito, sete principais formatos de participação nos 10 sites de notícias “mainstream” do Reino Unido, como os jornais The Guardian,

Financial Times ou Independent, ou ainda a estação BBC: “Polls” (sondagens),

“Have your says” (em que os jornalistas colocam questões sobre a actualidade, às quais os leitores respondem), “Chat rooms” (salas de chat), “Q&A” (perguntas submetidas pelos leitores a pessoas conhecidas), blogues (com a permissão de comentários), fóruns de discussão com moderação prévia e fóruns de discussão com moderação a posteriori (cfr. Thurman, 2008: 140). um estudo mais recente sobre os vários tipos de “user-generated content” presentes nas várias redacções da bbC, no reino unido, observou também as principais formas através das quais o público tem a possibilidade de participar, destacando-se: o conteúdo noticioso (envio de fotos ou vídeos, bem como sugestões para notícias), o conteúdo não- noticioso (por exemplo, fotos da natureza ou do tempo), o conteúdo colaborativo (colaborações offline entre jornalistas e membros da audiência, como os projectos Web diaries ou Video Nation), o comentário (através de sms, email, ou fóruns de discussão) e o chamado jornalismo “networked” ou em rede, com com o objectivo de melhorar o output jornalístico (Williams et al., 2011: 88). os autores identificaram, ainda, duas categorias através das quais o conteúdo dos utilizadores pode ser incorporado nos processos noticiosos dessa organização jornalística – a geração de “estórias” (através de dicas para notícias ou, também, de “crowdsourcing”) ou testemunhos sobre “estórias” já existentes (com o envio de vídeos e fotos, materiais altamente valorizados em acontecimentos de grande dimensão, como ataques terroristas, cheias ou terramotos).

para alguns autores, no entanto, o potencial interactivo das publicações online foi visto com demasiado optimismo, ao contrário do que anteciparam a indústria noticiosa e uma parte da academia (cfr. Chung, 2008: 671-3; idem, 2007: 46). schultz critica inclusive os entusiastas da internet, que preconizam o surgimento de uma nova elite de “netizens”, e chama a atenção para a predominância de formas de pseudo-participação, como as sondagens online, em que as manchetes são utilizadas como questões a colocar aos utilizadores ou o facto de a maioria dos jornais online não oferecer outras opções interactivas além dos endereços de correio electrónico dos jornalistas (cfr. schultz, 2000: 210). por isso mesmo, é possível afirmar a comunicação e a participação, por si sós, não significam mais qualidade no seu conteúdo e que o uso das novas tecnologias não significa necessariamente mais interactividade nem tão-pouco, ainda, uma relação de forças equilibrada entre as organizações jornalísticas e os seus públicos.

Apesar de todas as transformações nas rotinas e práticas profissionais geradas por uma nova ecologia mediática, andy Williams, Claire Wardle e Karin Wahl-Jorgensen, no seu estudo de caso sobre as atitudes e usos dos jornalistas da BBC em relação ao “user-generated content” (utilizando como metodologias observação participante e entrevistas com mais de uma centena de profissionais), concluíram que, apesar de esta organização jornalística encorajar a participação de variadas formas e de acolher projectos pioneiros na relação entre jornalistas e públicos no que respeita à recolha de informação, esse potencial acaba por se diluir na dificuldade da corporação em aceitar um modelo de parceria mais equilibrado, menos “journocentric”, no qual os públicos acabam por manter a mesma posição, numa colaboração desigual – em última análise, os utilizadores dão mais e... a organização recebe mais (Williams et al., 2011: 95-96). um estudo anterior, com o propósito de delinear as características e as formas de jornalismo participativo nas versões online de 16 jornais em oito países, tinha chegado a uma conclusão semelhante: tendo verificado um incipiente desenvolvimento de opções participativas nas fases de selecção e de edição da informação (onde o utilizador teria maiores possibilidades de se constituir como co-produtor de conteúdo jornalístico), os autores destacaram a prevalência do papel do jornalista enquanto “gatekeeper” da informação, cabendo-lhe a última palavra na gestão e controlo de cada estádio da produção noticiosa (domingo et al., 2008: 334-335).

no entanto, a nosso ver e apesar das pesquisas consultadas, não é possível negar a evidência de que os utentes dos media convencionais têm, actualmente e de uma forma cada vez mais vincada, uma vasta gama de oportunidades de participação, oportunidades essas que, potenciadas pela internet, vieram alargar os meios através dos quais as audiências se podem relacionar com os media, em plataformas diferentes das tradicionais. e, no entanto, estas novas potencialidades de participação não estão, porém, isentas de reflexão e de reformulação contínua por parte dos editores e profissionais, a começar pelas próprias características da discussão passível de ocorrer em espaços de interpretação/comentário (como os fóruns de discussão ou os comentários às notícias), havendo uma preocupação geral relativamente à qualidade das comunicações que se desenvolvem no interior destes dispositivos online (cfr. Chung, 2007: 54).

Se o debate democrático pode ser definido, em parte, pela qualidade da conversação, por vezes as discussões que ocorrem nos fóruns ou nos comentários às notícias apresentam opiniões consideradas problemáticas, como seja posições discriminatórias, extremadas ou ofensivas (cfr. Wright et al., 2007: 852; beyers, 2004: 14; Chung, op. cit.). em particular, na análise do espaço dos comentários às notícias, vários estudos concluíram que, não obstante o seu potencial na promoção do diálogo e da reciprocidade entre os públicos dos meios convencionais, as suas realizações efectivas que apontam para uma incivilidade e não-polidez nos debates que aí ocorrem (cfr. ruiz et al., 2011; noci et al., 2010; silva, 2013), o que tem consequências ao nível do cumprimento de alguns dos pressupostos de deliberação, nomeadamente a tolerância (cfr. Crawford, 2009: 458). É possível também afirmar que, enquanto na selecção das cartas dos leitores a maioria dos critérios são comuns, independentemente da publicação, no caso dos comentários às notícias, o próprio sistema de gestão é muito variável e sujeito a alterações (cfr. reich, 2011).

o correio electrónico, dentro deste contexto do peso das novas tecnologias sobre o jornalismo, veio também introduzir importantes transformações no relacionamento dos profissionais com os seus públicos e com as suas fontes. Tornou-se habitual, quer no website, quer na versão impressa de algumas publicações, a indicação do endereço electrónico do jornalista que faz uma determinada notícia, para que possa receber feedback do seu trabalho;

hoje em dia, de facto, os jornalistas consideram o email como a sua ferramenta

online mais importante, particularmente no que diz respeito à comunicação

com as fontes (cfr. Singer, 2006: 8). Uma notícia do Editor & Publisher, em 2006, dava conta da decisão dos jornais norte-americanos The New York Times e Washington Post em dar a possibilidade de os leitores enviarem mails para a redacção, através de um formulário baseado na web, de forma a melhorar a relação com as suas audiências (cfr. strupp, 2006: 1); é curioso que, no caso do

The New York Times, esta decisão surja na sequência do relatório siegal que,

como vimos atrás, reviu as práticas e os códigos de conduta deste jornal após o caso Jayson blair.

os leitores podem assim utilizar o correio electrónico para, por exemplo, comentar artigos, fazer perguntas específicas, solicitar mais informações sobre um determinado artigo, sugerir notícias ou, ainda, envolver o jornalista numa discussão mais geral sobre um determinado assunto (cfr. schultz, 2000: 211). ainda que a comunicação por email possa trazer alguns problemas, como o maior risco de recepção de “hate mail” ou “junk mail”, o inquérito de Schultz a jornalistas do The New York Times demonstrou que a maioria destes profissionais crê que o email facilita a interacção com os leitores, considerando as suas mensagens como “construtivas” (cfr. ibidem: 213).

“este tipo de interacção no âmbito das novas tecnologias contribui para um jornalismo que volta a assemelhar-se a uma conversação, muito à imagem do jornalismo original que tinha lugar nos pubs e botequins de há quatro séculos” (Kovach et al., 2004: 24). no caso das cartas dos leitores, o email constitui um instrumento essencial para aumentar a interactividade, uma vez que se afigura como “um canal rápido e directo entre os leitores e os editores ou jornalistas” (schultz, op. cit.). a existência cada vez mais premente do correio electrónico exige um esforço menor ao leitor, em comparação com o correio tradicional ou com o fax, pelo que lhe é mais fácil tomar a iniciativa de contactar o jornal para dar a sua opinião ou comentar um determinado assunto. Com efeito, rogério santos, no seu estudo de caso sobre as cartas ao director publicadas no Público a propósito do acidente de Entre-os-Rios, afirma que a emergência do correio electrónico “fez aumentar o número de cartas chegadas à redacção” (Santos, 2001: 3). por outro lado, o email é também útil para o editor que selecciona as

cartas, na medida em que o texto do leitor vem “pronto a utilizar”, daí que o trabalho de dactilografia da carta deixe de ser necessário.

No nosso estudo de caso sobre o mesmo jornal, verificámos, com efeito, que o facto de as cartas dos leitores serem enviadas por meios mais tradicionais (via correio ou fax) servia inclusive como factor de exclusão das mesmas. por outro lado, os leitores utilizavam maioritariamente o email como forma principal de envio das cartas, o que demonstra que o correio electrónico está a ultrapassar os meios convencionais de comunicação neste âmbito (cfr. silva, 2007: 98).

na sequência da emergência de novos espaços de participação dos leitores nos jornais em ambiente online, podemos questionar que papel terão as cartas dos leitores neste contexto. perderão elas a sua importância? estarão condenadas a desaparecer? não obstante o facto de as oportunidades de participação dos leitores na imprensa terem sido alargadas para outras plataformas, que não a edição “em papel” – e tal é uma evidência incontestável – isso não significa necessariamente o declínio inevitável do espaço das cartas dos leitores, até pelo simples facto de se tratar de um dos únicos lugares possíveis de participação dos leitores na versão impressa de uma publicação. Com efeito, esta secção continua a marcar presença em grande parte das publicações impressas, mesmo face aos requestionamentos e às reestruturações pelas quais a maior parte da imprensa teve de passar, de forma a enfrentar os novos desafios que se lhe colocaram. além disso, consideramos que o alargamento dos espaços de participação não se faz por troca, ou seja, a existência de outros lugares onde os indivíduos podem debater assuntos que consideram importantes não tem necessariamente de implicar uma perda de significado ou da importância das cartas dos leitores.

por outro lado, as próprias características de um espaço como as cartas dos leitores e, por exemplo, os comentários às notícias publicadas no website do jornal são muito diferentes. não só pelo tipo de escrita e de leitores que aí intervêm (de uma reflexividade e aprofundamento totalmente distintos dos comentários dos utilizadores às notícias do site, além de que as cartas não têm de versar, necessariamente, sobre a informação publicada), mas também pelos rigorosos critérios de escolha e enquadramento pelos quais estes textos têm que passar antes da sua publicação nas páginas impressas do jornal, onde o leitor tem

a expectativa de ser lido e apreciado pelos demais e, eventualmente, entabular a discussão com outro leitor, um colunista ou mesmo o director do jornal.

[as Cartas dos leitores na imprensa portuguesa:

uma forma de comunicação e debate do público, pp. 177 - 198]

No documento AS CARTAS DOS LEITORES NA IMPRENSA PORTUGUESA (páginas 176-185)