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observação participante e a sua viabilidade nas publicações analisadas

No documento AS CARTAS DOS LEITORES NA IMPRENSA PORTUGUESA (páginas 196-200)

a análise de conteúdo é um método que permite a obtenção de determinados dados, sistemáticos e objectivos, mas assumimos, tal como Gregory & Hutchins (cfr. 2004: 187), que é necessário estabelecer uma conexão entre as cartas dos leitores em si mesmas e as práticas editoriais, ou seja, os processos sociais que intervêm na criação da secção, de forma a examinar as acções do responsável

de conjunto sobre o nosso corpus total – além de várias outras modificações, sobretudo ao nível de acrescento de variáveis.

pela mesma, nomeadamente, como e por que é que este selecciona ou rejeita algumas cartas (cfr. grey et al., 1970: 453) – tendo, pois, presente a ideia de que as acções individuais fornecem indicações sobre o contexto no qual operam (cfr. Wahl-Jorgensen, 2007: 59).

por isso, optou-se por combinar a análise dos textos dos leitores com uma metodologia de carácter mais qualitativo, que conferisse uma maior riqueza e textura aos dados obtidos – a observação participante. referindo-se à produção das notícias, Chris paterson enfatiza que, sem a existência de pesquisas de tipo etnográfico, as percepções sobre o jornalismo estariam circunscritas à simples observação do conteúdo noticioso ou àquilo que os jornalistas dizem que fazem, o que, frequentemente, difere em muito do que fazem, na realidade (cfr. paterson, 2008: 2).

da mesma forma, procurámos combinar a análise do conteúdo das cartas com a observação da produção da rubrica de correspondência in loco, ou seja, no contexto das publicações examinadas. partimos, assim, de um posicionamento científico que perspectiva as interacções, as acções, os comportamentos e a forma como as pessoas os interpretam como centrais, com um interesse particular nas rotinas diárias, conversas, linguagem e retórica utilizadas, estilos de comportamento, construção activa de documentos e de textos em cenários específicos (cfr. Mason, 1996: 61).

A “observação participante” é um termo frequentemente utilizado para expressar o envolvimento do investigador nas actividades que estão a ser analisadas (cfr. Hesse-biber et al., 2004: 136; deacon et al., 1999: 256). este método requer, por sua vez, a descrição do real e do quotidiano a partir de uma relação humana (cfr. Mucchielli, 1996: 147), permitindo, simultaneamente, o acesso directo ao comportamento social que está a ser analisado (cfr. deacon et

al., op. cit.), do ponto de vista do “nativo” (cfr. Saukko, 2003: 57).

existem, porém, diferentes graus de envolvimento do investigador nas actividades que está a observar. Adler & Adler (apud Johnson et al., 2006: 115; Lindlof & Taylor, 2002: 151) distinguem entre três níveis de participação na observação participante: periférica, activa ou completa, isto é, desde a observação “pura” até à imersão total, o que implica, neste caso, uma reduzida distância entre o pesquisador e o seu objecto de pesquisa (cfr. labaree, 2002: 101) – o

investigador pode identificar-se tanto com o grupo que perde a perspectiva de um observador externo (cfr. giddens, 2007: 649).

podemos, neste sentido, situar as observações participantes levadas a cabo no presente estudo ao nível da participação activa – a investigadora não se limitou a observar e a registar comportamentos, mas desempenhou um papel relativamente activo nas actividades diárias, pedindo, por exemplo, explicações sobre decisões ou acções (cfr. ibidem: 648), mas também participando na edição das cartas dos leitores (ao nível da detecção de pequenos erros ou gralhas) e na escolha dos títulos de algumas cartas, dando a sua opinião, quando solicitada, sobre alguns textos e, ainda, lendo algumas cartas em voz alta, para ajudar ao trabalho de dactilografia dos editores responsáveis, dos textos enviados por meios tradicionais (correio/fax). por outras palavras, o principal objectivo consistiu na observação, mas isso não excluiu a possibilidade de interacção casual com os interlocutores (cfr. lindlof et al., 2002: 149).

Num trabalho de tipo etnográfico, dentro do qual se situa a observação participante, é colocada a ênfase nos contextos e nas situações, nas particularidades, em detrimento das generalizações (cfr. Hartmann, 2006: 255). apesar de os acontecimentos observados não serem passíveis de um controlo tão efectivo como noutro tipo de metodologias, mais quantitativas, o carácter não exaustivo da observação participante é, de certa forma, compensado pela densidade dos testemunhos (cfr. Mucchielli, op. cit.: 148).

a observação participante tem, por isso, benefícios difíceis de obter com outro tipo de metodologias – uma das suas vantagens mais evidentes consiste no “estar lá”, ou seja, testemunhar os acontecimentos ou os processos que estão a ser investigados, sem estar dependente de indicadores em segunda mão (cfr. deacon

et al., op. cit.: 259; paterson, op. cit.: 5). “uma vez compreendidas as coisas

‘por dentro’ de um determinado grupo, iremos provavelmente entender melhor por que razão determinadas pessoas agem de certa maneira” (Giddens, op. cit.: 649) e, também, como é que a informação é reunida, sintetizada, armazenada e disseminada através da comunidade (cfr. labaree, op. cit.: 104). em última análise, a observação participante permite revelar aspectos da vida social que de outra forma permaneceriam escondidos (cfr. Hesse-biber et al., op. cit.: 2), tornando visível o invisível (cfr. Hansen et al., 1998: 43).

aplicada aos media, esta metodologia permite uma perspectiva única sobre o “santuário” da produção jornalística, investigando os seus “bastidores” (cfr.

ibidem: 35). o sociólogo philip schlesinger sublinha, aliás, que um dos benefícios

do acesso directo à compreensão daqueles que estão envolvidos na produção noticiosa consiste no afastamento das “teorias da conspiração” explicativas desse mesmo processo (apud deacon et al., op. cit.: 256)5. da mesma forma, procurou-se, neste estudo, compreender os processos de selecção e de edição das cartas, observando as actividades no seu contexto, de forma a obter uma visão mais abrangente e multifacetada dos factores que intervêm na construção da voz dos leitores na imprensa.

Contudo, a observação participante apresenta algumas dificuldades na sua concretização, que podem inclusive trazer constrangimentos à riqueza de dados que seria expectável. desde logo, constitui um método que implica uma disponibilidade temporal considerável, além de que nem sempre é fácil sistematizar tudo o que se observa (cfr. paterson, op. cit.). Mas talvez a sua maior dificuldade resida na possibilidade de perturbação das actividades de rotina a observar e na falta de confiança na figura do investigador. O processo de aceitação é longo e complexo; o pesquisador pode ser aceite enquanto tal, mas ainda assim ser olhado como um estranho, um “outsider” (cfr. Giddens, op. cit.: 648; Johnson et al., 2006: 112). pode inclusive dizer-se que o investigador ocupa uma posição liminal ou “in-between”, ou seja, entre o mundo social que observa e os seus objectivos de pesquisa (cfr. lindlof et al., op. cit.: 135), sentindo também essa mesma marginalidade a nível interno.

philip elliot (1971), no seu estudo sobre a produção de uma série de televisão britânica, refere, de igual forma, que uma das desvantagens do papel de observador é o tempo que demora para ser aceite (apud deacon et al., 1999: 263). elliot relata

5) segundo Hansen, Cottle, negrine e newbold (1998: 38-43), é possível agrupar os estudos etnográficos sobre a produção noticiosa em três fases distintas: 1) foco em aspectos específicos da produção jornalística, como o estudo dos “gatekeepers” (White), entre muitas outras pesquisas realizadas durante a década de 70; 2) interesse na natureza organizacional, burocrática e profissional da produção noticiosa, procurando verificar, por exemplo, como é que as redacções se organizavam em termos espaciais e como as notícias estavam sujeitas a rotinas temporais, a partir de meados dos anos 70 até aos finais dos anos 80; 3) foco na intervenção das instituições na produção noticiosa, bem como na circulação de conhecimento na arena pública, nomeadamente, o acesso de diferentes vozes ao espaço mediático, a partir da década de 90.

que costumava tirar apontamentos à medida que a equipa de produção trabalhava, mas os seus membros mostravam estranheza e até desconfiança em relação ao que estava a escrever. é curioso que, na observação participante que levámos a cabo no jornal Diário de Notícias, o jornalista responsável pela gestão da secção das cartas, cujo trabalho acompanhámos, mostrou também, inicialmente, algum desconforto em relação à presença da investigadora, tentando olhar para as notas de registo que esta tirava, esporadicamente6.

no entanto, à medida que o tempo foi passando e que a familiaridade foi aumentando, o jornalista foi aceitando a nossa presença com bastante naturalidade, já não revelando ansiedade em relação às notas da investigadora. de facto, podemos dizer que o observador se torna invisível quando os seus informadores deixam de estar preocupados com a pesquisa que está a ser feita e quando se estabelece uma relação empática com o observador (cfr. berg, 2004: 163).

Mas antes de podermos falar sequer em aceitação ou em integração do investigador, a questão mais premente que se coloca é a da entrada como observador no meio a estudar, uma vez que, nesta pesquisa em particular, os locais objecto de observação são fechados, pelo que o seu acesso está obrigatoriamente condicionado por uma negociação ou autorização prévias – sem que esta etapa se cumpra com êxito, a observação não se torna possível (cfr. Hansen et al., 1998: 51).

É, ainda, necessário que haja um “consentimento informado”, ou seja, que aqueles que participam na investigação saibam, à partida, quais os objectivos do estudo (cfr. Hesser-biber et al., 2004: 138). se o investigador dispuser de contactos e relações no meio, pode ser útil usá-los para fazer uma primeira abordagem no campo a observar (cfr. Hansen et al., op. cit.: 52; berg, op. cit.: 151). Com efeito, na presente pesquisa, os contactos iniciais com as redacções das publicações analisadas deveram-se à intervenção de profissionais (editores

6) optámos, tal como outros investigadores, por registar as actividades e os comportamentos observados através de apontamentos escritos, em detrimento de uma gravação áudio, por considerarmos que a sua utilização poderia não só afectar o que era dito, mas também constituir um elemento adicional de perturbação/intrusão no ambiente observado (cfr. Hansen et al., 1998: 56), além de que inviabilizaria a obtenção de dados através da linguagem não verbal.

No documento AS CARTAS DOS LEITORES NA IMPRENSA PORTUGUESA (páginas 196-200)