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1.4 POR UMA LEITURA PLURAL DA ECONOMIA DA REVELAÇÃO CRISTÃ

1.4.2 O pluralismo religioso no horizonte da reflexão teológica

O pluralismo religioso, situado no horizonte do fazer teológico atual, convida, segundo Geffré, a reinterpretar algumas das verdades fundamentais do cristianismo, além de exercer a função de um novo paradigma teológico.311 O surgimento de novos paradigmas é provocado,

segundo Kuhn, pelas novas demandas sociais.312 Após séculos de uma teologia endógena e

autorreferencial, Libanio acredita que o Concílio Vaticano II abriu os horizontes da teologia católica para uma perspectiva mais ampla, descentrada da Igreja e recentrada no Reino de Deus que se manifesta nos “sinais dos tempos” (GS 4), significando oficialmente o fim de uma postura absolutista e eclesiocêntrica.313 Geffré ressalta que pela primeira vez na história

das teologias cristãs e dos atos solenes do magistério católico, nutre-se uma atitude de estima e de respeito em relação às outras tradições religiosas.314 Para Panasiewicz, a relevância dada à

questão do pluralismo religioso pelo Concílio Vaticano II, “desinstala a Igreja católica de sua posição tradicional e de sua certeza absoluta ante a concepção de revelação e de salvação”315,

dispondo-a a tomar mais a sério e a refletir sobre a realidade do pluralismo religioso.

309 Cf. GEFFRÉ, Claude. De Babel a Pentecostes, p. 24-25.

310 Cf. TILLICH, Paul. Christianity and the encounter of the world religions, p. 4-5.

311 Cf. GEFFRÉ, Claude. Crer e interpretar, p. 131. Para Geffré, o pluralismo religioso é o grande horizonte da

teologia atual. Nota-se na experiência histórica contemporânea a coexistência entre secularização, ateísmo, indiferença religiosa e retorno pluriforme do religioso (Cf. Id. Ibid., p. 134; Id. De Babel a Pentecostes, p. 27).

312 Cf. KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas, p. 218. 313 Cf. LIBANIO, João Batista. Concílio Vaticano II, p. 145-146. 314 Cf. GEFFRÉ, Claude. Crer e interpretar, p. 132.

A Declaração Nostra Aetate do Concílio Vaticano II, apesar de ser um texto ainda bastante tímido do ponto de vista teológico, tem um alcance ético considerável a respeito das relações do cristianismo com as outras religiões, cujos desdobramentos doutrinais são vislumbrados, por exemplo, no encontro de Assis, em 27 de outubro de 1986. Esse encontro teve basicamente duas intenções: ressaltar a dimensão espiritual e religiosa da paz e esfatizar a corresponsabilidade de todas as religiões em sua edificação; despertar nos líderes religiosos a sua responsabilidade em ajudar as crenças pessoais e comunitárias a se traduzirem na construção efetiva da paz, superando toda forma de instrumentalização da religião como elemento de conflito, sem cair no relativismo ou no sincretismo – como busca de um consenso religioso irenista ou de uma negociação pragmatista das convicções de fé.316

Sendo assim, Geffré afirma que é preciso refletir sobre o pluralismo religioso, pois, apesar dos gestos geralmente comunicarem mais do que palavras, podem causar equívocos quando compreendidos erroneamente.317 Exemplo disso é a declaração de Lefèbvre sobre o

encontro de Assis. Lefèbvre, crente de estar defendendo a verdadeira tradição, parte de uma visão preconceituosa e bastante limitada da ação do Espírito Santo na economia da salvação para criticar a postura do Papa João Paulo II nessa ocasião, qualificando-a como um escândalo sem precedentepor encorajar falsas religiões a rezar a falsos deuses.318 O pluralismo religioso

precisa ser levado a sério pela reflexão teológica, a fim de evitar esse tipo de incompreensão. Geffré propõe pensar se a um pluralismo de fato corresponde um pluralismo de

princípio, ou seja, se a vitalidade das religiões não cristãs se deve “à cegueira e ao pecado dos

seres humanos, a um certo fracasso da missão cristã, ou se este pluralismo religioso corresponde a uma vontade misteriosa de Deus.”319 O Concílio Vaticano II deixa essa questão

em aberto, afirmando que as divergências religiosas tanto podem significar a desorientação do espírito humano (LG 16), quanto as riquezas que Deus outorgou aos povos (AG 11). Também a Escritura, no Antigo Testamento, não oferece grande auxílio para entender essa questão. A narrativa de Babel (Gn 11,1-9), por exemplo, interpreta a diversidade das línguas, e, portanto, das culturas e religiões320, como um sinal ambíguo diante do desígnio unitário de Deus.

316 Cf. GEFFRÉ, Claude. Crer e interpretar, p. 133; Id. De Babel a Pentecostes, p. 29; Id. Le fondement

théologique du dialogue interreligieux, p. 75; AMALADOSS, Michael. Prier ensemble sur la paix, p. 105-116; TEIXEIRA, Faustino. O cristianismo entre a identidade singular e o desafio plural, p. 88; Id. O paradigma de Assis, p. 122-133; Id. O diálogo inter-religioso, p. 135-136.

317 Cf. GEFFRÉ, Claude. Crer e interpretar, p. 133.

318 Cf. LEFÈBVRE, Marcel. Declaração contra a Reunião de Assis. 319 GEFFRÉ, Claude. Crer e interpretar, p. 135.

320 Segundo Tillich, a religião é a substância da cultura e a cultura é a forma da religião (Cf. TILLICH, Paul.

Teologia da cultura, p. 232). Nesse sentido, Geffré afirma que “quem diz pluralidade das culturas diz também pluralidade das religiões” (GEFFRÉ, Claude. Crer e interpretar, p. 137). Sendo assim, acolher e valorizar outra cultura pode significar também acolher e valorizar outra religião, e vice-versa.

No entanto, no Novo Testamento, por ocasião da atividade pastoral de outros líderes religiosos, Jesus ressalta que “quem não é contra nós é por nós” (Mc 9,40), dando a entender que o Reino de Deus é superior às vinculações religiosas; Pedro declara que “Deus não faz acepção de pessoas, mas que, em qualquer nação, quem o teme e pratica a justiça, lhe é agradável” (At 10,34-35); e Paulo afirma que Deus “quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,4). O Concílio Vaticano II afirma que o Espírito Santo oferece a todos a possibilidade de participarem no mistério de Cristo “por um modo só de Deus conhecido” (GS 22), pois, em última instância, a economia da salvação mergulha no mistério insondável do próprio Deus. Segundo Coste, na medida em que há abertura à experiência do Espírito Santo, é possível ser alcançado pela salvação de Deus.321

Seguindo essas intuições, Geffré infere que “o pluralismo religioso pode pois ser considerado como um destino histórico permitido por Deus cujo significado último nos escapa.”322 Sendo

assim, acolher a pluralidade das manifestações do sagrado corresponde, nesse sentido, a receber a ação multiforme do Espírito de Deus que age incessantemente na história da humanidade – nas culturas e religiões.

Para Geffré, a pluralidade de formas religiosas favorece uma manifestação mais rica do mistério de Deus. As diferenças religiosas, longe de contradizerem ou reduzirem o desígnio divino da salvação, antes, traduzem de forma mais ampla o desejo de Deus de estabelecer aliança com o ser humano. Geffré chega a falar de uma pluralidade insuperável de caminhos que conduzem a Deus, convidando a teologia a perscrutar o ensinamento que emana da economia da revelação, a fim de reconhecer, para além de ambiguidades, erros e perversões, que elementos positivos há nas diversas tradições religiosas que favoreçam uma experiência profunda de salvação, até mesmo em termos de graça e justificação. Geffré reconhece a presença do Logos spermátikos na sabedoria dos filósofos e de suas culturas – e religiões – como manifestação do Logos divino e prefiguração da plenitude da revelação no Cristo encarnado. No entanto, essa ação divina transborda por caminhos misteriosos, sendo possível encontrar elementos soteriológicos nas próprias tradições religiosas. Não é o caso de relativizar o cristianismo em sua singularidade ou de negar a unicidade da mediação de Cristo, mas sim, de compreender a religião cristã de maneira menos totalitária. Geffré fala de uma unicidade relacional do mistério de Cristo em relação às outras religiões.323

321 Cf. COSTE, René. Théologie de la liberté religieuse, p. 491. 322 GEFFRÉ, Claude. Crer e interpretar, p. 136.

323 Cf. GEFFRÉ, Claude. Crer e interpretar, p. 138-142; Id. La place des religions dans le plan du salut, p. 78-

97; Id. La singularité du christianisme à l’âge du pluralisme religieux, p. 351-369. Sobre isso, ver: GOMES, Tiago de Fraga. A economia do Verbo encarnado e o diálogo entre as religiões em Claude Geffré, p. 312-316.

Em Dupuis, unicidade e universalidade em Cristo não são nem relativas, nem absolutas, mas constitutivas, enquanto relacionais, na medida em que são compreendidas na perspectiva da historicidade, como condição de possibilidade de sua efetuação.324 A esse

propósito, a CTI ressalta que a universalidade da graça salvífica é realizada pela mediação única e universal de Cristo (CTIb 46), e Geffré sustenta que Cristo é normativo e constitutivo para a salvação: normativo, porque é a norma e a referência da revelação; constitutivo, porque é a causa da salvação de toda a humanidade. Portanto, Geffré é inclusivista por acreditar que todas as religiões salvam pela mediação misteriosa de Cristo, mas é pluralista por defender que os elementos intrínsecos das próprias religiões favorecem a salvação de seus membros.325

A respeito disso, Knitter afirma que o Concílio Vaticano II é um divisor de águas na atitude da Igreja católica diante das outras religiões. Porém, permanecem resíduos de ambiguidade quanto à compreensão da eficácia soteriológica – verdade e graça – das outras religiões.326 Segundo Rahner, o Concílio Vaticano II não oferece uma resposta explícita para a

questão dos não cristãos receberem ou não a salvação dentro das suas próprias religiões.327 Por

isso, Maurier chega a afirmar que a eclesiologia conciliar ainda continua sendo egocêntrica.328

Porém, Dupuis defende que a intenção do Concílio Vaticano II, no que tange às outras religiões, é promover novas atitudes de compreensão, estima, diálogo e cooperação entre cristãos e não cristãos, reunindo a maioria mais ampla possível nas decisões, sem, por isso, adentrar em questões teológicas mais intrincadas.329

De fato, o Concílio Vaticano II defende que o desígnio universal de salvação radica na bondade e providência divinas (AG 3). Cristo morreu por todos (Rm 8,32), sendo assim, todos são chamados a participar da mesma vida divina, sendo o Espírito Santo a causa eficiente que possibilita à toda humanidade se associar de maneira misteriosa ao mistério pascal de Cristo (GS 22). Mesmo aqueles que, sem culpa, ignoram o Evangelho de Cristo e a sua Igreja – mas buscam a Deus com sinceridade de coração, praticando o bem –, também podem alcançar a salvação (LG 16). Por conseguinte, tudo o que há de bom no coração e na mente das pessoas, assim como nos ritos e nas culturas dos povos, não pode perecer, mas precisa ser purificado, elevado e aperfeiçoado para a glória de Deus e a felicidade humana (LG 17).

324 Cf. DUPUIS, Jacques. Rumo a uma teologia cristã do pluralismo religioso, p. 391-392. Em notificação à

presente obra de Dupuis, a CDF expõe algumas ambiguidades quanto à universalidade da mediação salvífica de Cristo (NTP I,2), à unicidade e plenitude da revelação de Cristo (NTP II,3-4), à ação salvífica universal do Espírito Santo (NTP III,5) e ao valor e à função salvífica das tradições religiosas (NTP V,8).

325 Cf. GOMES, Tiago de Fraga. Hermenêutica teológica da revelação, p. 169. 326 Cf. KNITTER, Paul. No other name?, p. 124.

327 Cf. RAHNER, Karl. Sul significato salvifico delle religioni non cristiane, p. 425-426. 328 Cf. MAURIER, H. Lecture de la déclaration par un missionnaire d’Afrique, p. 133-134. 329 Cf. DUPUIS, Jacques. Rumo a uma teologia cristã do pluralismo religioso, p. 224-227.

A discussão sobre o pluralismo religioso se intensificou na teologia católica após o Concílio Vaticano II, seguindo basicamente duas vias: a primeira, em continuidade com a teologia da salvação dos infiéis, considera inútil uma teologia das religiões, alegando que antes do concílio já se fala da salvação das pessoas de boa vontade além das mediações visíveis da Igreja – sendo assim, não leva a sério o desafio que as outras tradições religiosas trazem para a reflexão cristã a respeito do plano salvífico de Deus; a segunda, evitando uma linguagem exclusivista, adota uma postura mais inclusiva e relacional, e interpreta o pluralismo religioso como uma expressão da universalidade do mistério de Cristo. Diante disso, percebe-se claramente como a teologia pós-conciliar oscilou oficialmente do exclusivismo para o inclusivismo. Geffré alerta para o fato de que esse movimento despertou reações tanto positivas quanto negativas. Dentre as positivas, nota-se um progresso equilibrado da reflexão e da prática em prol do diálogo entre as religiões. No viés negativo, ao menos duas tendências se destacam: a inclinação do teocentrismo radical para um relativismo igualitarista e planificador, que anula e paralisa as diferenças; e a volta de um exclusivismo absolutista, como atitude de fechamento diante dos excessos do relativismo pluralista.330

Quando se fala em teologia cristã das religiões, segundo Rossano, não se trata apenas da questão dos não cristãos enquanto tais, ou da possibilidade de justificação e salvação destes, mas do valor das religiões não cristãs enquanto meios legítimos e eficazes de relação com Deus331, ou, como afirma Brakemeier, como possíveis caminhos de salvação.332 Para

Geffré, a teologia atual não pode se furtar a refletir sobre a articulação entre a função mediadora das religiões com a única mediação de Cristo (1Tm 2,5), tendo como horizonte a vontade salvífica de Deus para toda a humanidade (1Tm 2,4). Alguns passos já foram dados com o Concílio Vaticano II, tais como a distinção entre Igreja e Reino de Deus (LG 5) e o reconhecimento do desígnio divino de salvação presente e atuante nas outras religiões (NA 1). No entanto, permanece em aberto a questão das religiões não cristãs como vias de salvação – o que é diferente de vias paralelas de salvação – enquanto participações na universalidade do mistério ontológico de Cristo presente e atuante na história. Geffré pretende ultrapassar a perspectiva do inclusivismo tradicional – que encaminha necessariamente ao cristianismo histórico – em vista de um inclusivismo pluralista que capta as virtualidades do mistério de Cristo se manifestando de maneira nova nas culturas e religiões.333

330 Cf. GEFFRÉ, Claude. De Babel a Pentecostes, p. 29-30.

331 Cf. ROSSANO, Pietro. Le religioni non cristiane nella storia della salvezza, p. 131. 332 Cf. BRAKEMEIER, Gottfried. Fé crista e pluralidade religiosa, p. 27.

333 Cf. GEFFRÉ, Claude. De Babel a Pentecostes, p. 31. A respeito disso, ver: GOMES, Tiago de Fraga.

Dupuis afirma que é preciso conjugar a unicidade singular de Cristo e a universalidade do mistério salvífico, a fim de propor uma teologia das religiões aberta. Sendo assim, a unicidade e a universalidade de Cristo são constitutivas – significado salvífico para toda a humanidade – e relacionais – em relação aos vários itinerários de salvação dentro de um único plano abrangente de Deus ou de uma única economia salvífica para toda a humanidade.334

Segundo Geffré, para que se possa afirmar tanto a universalidade do mistério de Cristo, como único mediador entre Deus e os homens, quanto o valor salutar das outras tradições religiosas, é preciso renunciar a uma teologia metafísica que enfraquece o vínculo entre o Logos eterno e o Jesus da história, a fim de voltar ao próprio centro da mensagem cristã – Deus que se manifesta na particularidade histórica de Jesus de Nazaré –, desde o qual é possível compreender a questão da unicidade de Cristo em sua singularidade relacional. A plenitude da revelação em Cristo não suprime o que há de verdade nas outras religiões. Geffré defende um

universalismo crístico que difere da pretensão à universalização institucional totalizante da

teologia cristã do cumprimento, pois, o Reino de Deus, instaurado por Cristo, é maior que o cristianismo e transcende todas as religiões, sendo assim, a vocação histórica do cristianismo, não consiste simplesmente na extensão quantitativa dos cristãos, mas, em diálogo com as pessoas de boa vontade – inclusive as que pertencem a outras culturas e religiões –, refere-se ao testemunho do Reino de Deus que vem, pois a salvação é oferecida a todos, não cabendo a ninguém erigir-se como alfandegário da graça divina.335

Dupuis enfatiza que cada experiência religiosa tem suas ênfases e especificidades. Por exemplo, as religiões místicas, através da meditação, cultivam a ínstase, como a busca do Absoluto desconhecido no interior, enfatizando a apófase ou negação de si, enquanto que as religiões proféticas, pela oração, cultivam o êxtase, enfatizando a catáfase ou proposição de um projeto de vida, como o encontro com o Deus totalmente outro que impulsiona a sair de si, indo ao encontro do outro. Cristo está presente e atuante em cada experiência religiosa genuína, tanto na negação de si, quanto no encontro com o outro, pois ambos são aspectos radicalmente cristológicos.336 Além disso, Geffré percebe que cada figura religiosa guarda

algo de irredutível, suscitado pelo Espírito de Deus.337 Por isso, o encontro fecundo e criativo

do cristianismo com os valores próprios das outras culturas e tradições religiosas pode gerar novas configurações no próprio cristianismo.338

334 Cf. DUPUIS, Jacques. Rumo a uma teologia cristã do pluralismo religioso, p. 419-421. 335 Cf. GEFFRÉ, Claude. De Babel a Pentecostes, p. 32-37.

336 Cf. DUPUIS, Jacques. Rumo a uma teologia cristã do pluralismo religioso, p. 335. 337 Cf. GEFFRÉ, Claude. De Babel a Pentecostes, p. 38.

Segundo Geffré, o tempo atual, caracterizado por um policentrismo cultural, desafia a teologia cristã a ultrapassar o face a face com Atenas e Jerusalém, a fim de considerar um

tertium quid não ocidental, nem judeu, nem grego. A própria dinâmica do Evangelho rompe

com as barreiras culturais e provoca a repensar um novo jeito de fazer teologia, com o intuito de promover um cristianismo mundial e policêntrico, que supere preconceitos e incompreensões históricas, e protagonize uma fecundação mútua entre os recursos tradicionais cristãos e as riquezas das culturas não ocidentais. Mesmo que não haja simplesmente uma teologia mundial, pois toda teologia se faz em contexto, é fundamental que se encoraje uma intercomunicação entre teologias, a fim de fomentar o advento de uma teologia inter-religiosa em nível global que prescinda tanto de uma pura regionalização, quanto da indiferenciação unidimencional, combinando o pensar global com o agir local.339

Em suma, a questão do pluralismo religioso – designada por Faustino Teixeira como o desafio de acolher a dignidade da diferença340 –, é, para Geffré, um dos grandes temas que

estão no horizonte da teologia atual e umas das maiores motivações para revisitar os principais temas da dogmática cristã. Segundo Geffré, não basta interpretar as tradições religiosas não cristãs segundo a lógica da preparação evangélica ou do cristianismo anônimo, é preciso proceder a uma mudança paradigmática – sem comprometer um cristocentrismo constitutivo – que leve suficientemente a sério a alteridade irredutível das outras tradições religiosas, através de um pluralismo inclusivo. Para Geffré, é indispensável que a teologia cristã reconheça os valores próprios das religiões não cristãs e assuma o risco da questão da pluralidade das vias para Deus. Sendo assim, Geffré enfatiza a necessidade de uma reflexão teológica que vislumbre a economia da revelação cristã numa perspectiva plural.341

339 Cf. GEFFRÉ, Claude. De Babel a Pentecostes, p. 39-42; Id. Como fazer teologia hoje, p. 212; Id. Ibid., p.

307. A respeito disso, ver: HAMMES, Érico João. Um só Deus e muitas religiões, p. 134.

340 Cf. TEIXEIRA, Faustino. O imprescindível desafio da diferença religiosa, p. 185.

341 Cf. GEFFRÉ, Claude. De Babel a Pentecostes, p. 43-49. Segundo Geffré, para a teologia do acabamento, as

religiões não cristãs são apenas preparações evangélicas para o estabelecimento do cristianismo, considerado a única religião verdadeiramente revelada (Cf. GEFFRÉ, Claude. De Babel a Pentecostes, p. 46). Essa teologia está ainda presente na eclesiologia do Concílio Vaticano II, o qual afirma que tudo o que de bom e verdadeiro se encontra nas religiões não cristãs, são, na realidade, preparações evangélicas (LG 16-17) que apontam para uma incorporação ao cristianismo histórico, pois Cristo leva ao seu acabamento os valores positivos das quais as outras religiões podem ser portadoras (Cf. Id. Ibid., p. 326). A teologia do acabamento pode ser enquadrada, nesse sentido, dentro da perspectiva do inclusivismo cristológico. Já o conceito de cristão anônimo, cunhado por Rahner, indica as pessoas de boa vontade, crentes ou não crentes, que vivem na prática, valores atematicamente cristãos (Cf. RAHNER, Karl. Cristianesimo e religioni non cristiane, p. 536-537; Id. Los cristianos anónimos, p. 540; Id. Curso fundamental da fé, p. 360-361). Para Rahner, isso acontece “sob o influxo de uma disposição e de uma aspiração existencial sobrenatural” (Id. O homem e a graça, p. 60) que atua como uma capacidade pré- ordenada à transcendência que torna o ser humano um ser capax Dei, e, portanto, capax Christi. Nessa concepção, as religiões não cristãs poderiam ser consideradas como opções anônimas por Cristo, sendo a missão do cristianismo histórico tornar essa anonimidade implícita em um nominal explícito.

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