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O respeito à Minoria e a questão dos limites da obstrução

No documento Processo legislativo estadual (páginas 184-187)

ESTADO N° DE DEP M ABSOLUTA M SIMPLES 3/5 2/

7.8 O respeito à Minoria e a questão dos limites da obstrução

Obstrução parlamentar diz respeito à tática de impedir, delongar, obstruir os trabalhos legislativos mediante utilização de normas procedimentais já expressa ou implicitamente previstas, não se confundindo com conduta vedada a parlamentar, esta sim caracterizadora de violação a disposições de Regimento Interno ou Código de Ética e Decoro Parlamentar, e ensejadora de sanção disciplinar. O escopo principal da obstrução consiste em evitar ou procrastinar deliberações do Poder Legislativo acerca de determinada matéria.

Porque informada pela relatividade do ponto de vista pelo qual pode ser vista, a obstrução pode ser tanto da minoria como da maioria parlamentar, contudo, à evidência, soa mais natural quando efetivada por aquela. Com efeito, a obstrução parlamentar é direito que encontra na democracia condição para prosperar, porque em regimes democráticos não se prescinde de minorias parlamentares, assegurando-se a elas garantias na participação do processo legislativo. No entanto, em cenários autoritários com imposição das normas do processo legislativo, mas que consentem na existência do mandato representativo parlamentar, o expediente obstrucionista, da mesma forma, também alcança ambiente para medrar. Isso decorre da concepção atribuída ao processo legislativo que, como salienta Raul Machado Horta, “não existe autonomamente, como valor em si, pois é técnica a serviço de concepções políticas, realizando fins do poder”.265 Como técnica a serviço de atuação parlamentar para consecução de fins políticos, o processo legislativo pode ser utilizado como instrumento de operacionalização em ordem a atingir os objetivos políticos desejados tanto pela maioria como pela minoria parlamentar, e ambas dele farão uso para se atingir diferentes desideratos.

Acompanhando, ainda, a análise de Raul Machado Horta, o processo legislativo como técnica a serviço de concepções políticas sofre variadas leituras.

“Daí sua mutabilidade no tempo e sua compreensão variada, refletindo a organização social, as formas de Governo e de Estado, a estrutura partidária e o sistema político. As relações entre o Executivo e o Legislativo podem ser substancialmente alteradas pelo número e a disciplina dos partidos políticos, com reflexos inevitáveis na fixação do processo legislativo correspondente. Assim, quando o Executivo e o Legislativo não passam de dois setores entregues à atividade de um só partido, ou de um partido majoritário e dominante, as relações de poder

são relações de partido, e o processo legislativo exibirá alto índice de automatismo. As regras normativas do processo legislativo desempenharão, neste caso, uma função secundária, pois as relações políticas se encarregam de estabelecer adequado ajustamento entre vontade governamental e vontade legislativa. Mas, se as relações entre Executivo e Legislativo se ressentem da ausência de partido majoritário, por força de difusa concorrência partidária, as relações entre Executivo e Legislativo serão movediças e muitas vezes críticas, e o processo legislativo se tornará polêmico e contraditório, reclamando desenvolvidas normas de composição de conflitos.”266

Embora tenha se acentuado a tendência de constitucionalização de normas regimentais do processo legislativo, é ainda nos Regimentos Internos que se concentra a autonormatividade das Casas Legislativas para disciplina dos procedimentos legislativos; então, nos Regimentos Internos, designadamente, é que se hão de buscar as formas mais eficazes de atuação parlamentar obstrucionista. Enquanto alguns Regimentos Internos de Assembléias Legislativas são pródigos em oferecer opções para obstrução parlamentar, outros dificultam-na. Tome-se a mais usual das práticas obstrucionistas: prolongar ao máximo a discussão para se evitar votação de determinada matéria. O Regimento da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, em sua XII Consolidação, que vigorou até novembro de 2007, por exemplo, garantia a cada parlamentar inscrito (93 Deputados, exceto o presidente) para discutir uma propositura, em regime ordinário de tramitação, o tempo de sessenta minutos. O encerramento da discussão dar-se-ia pela ausência de oradores inscritos ou, após vinte e quatro horas de discussão, mediante requerimento de encerramento, formulado por um terço dos parlamentares, e devidamente aprovado pelo Plenário. Caso o Plenário rejeitasse o encerramento da discussão, ela prolongar-se-ia até que não mais houvesse oradores inscritos. Nas proposições em regime de urgência, o tempo garantido a cada parlamentar inscrito era de trinta minutos, com possibilidade de encerramento, mediante requerimento, após doze horas de discussão. Como o tempo destinado à Ordem do Dia das sessões era de cento e vinte minutos, prorrogáveis, e como qualquer parlamentar podia requerer verificação de presença, caso não houvesse no Plenário, no mínimo, um quarto dos membros da Assembléia (24 Deputados), interrompendo-se a contagem do tempo, a demora na deliberação, caso houvesse obstrução, era garantida. A partir de 13 de novembro de 2007, com a entrada em vigor da XIII Consolidação do Regimento Interno, os prazos foram diminuídos pela metade. Pode-se dizer que houve,

in casu, na expressão de Mirkine-Guetzévitch,267 certa racionalização dos trabalhos legislativos.

No entanto, é de se registrar, igualmente, que o processo obstrucionista pode aprofundar as necessárias condições democráticas de que deve se revestir a elaboração legislativa. Jean Rivero salienta que “o fenômeno majoritário modificou profundamente a fisionomia do teatro político, aproximando o Legislativo do Executivo. Eis por que o valor liberal da lei já não repousa tanto, hoje, sobre o seu órgão de elaboração quanto sobre seu processo de elaboração. É ele, com efeito, que fornece aos cidadãos a garantia de que suas liberdades não serão arbitrariamente sacrificadas”.268 Por isso mesmo, a lei deve ser “votada ao cabo de um debate público e contraditório, que

permita a todas as tendências, até às mais minoritárias, se expressem, e de um processo

lento”. Acentua, ainda, o autor que “a lei não pode, durante sua gestação, escapar ao controle da opinião pública”.269 Enfatiza, enfim, e isso pode ser decorrência de postura obstrucionista da minoria parlamentar, que a lei “se não elaborada, pelo menos [deve ser] discutida em praça pública, ela não pode perpetrar um atentado contra uma liberdade ‘de surpresa’”. E arremata: “a morosidade que caracteriza sua adoção protege a liberdade: previne as medidas brutais adotadas sob o efeito da emoção nascida de uma crise, impondo ao legislador certo recuo com relação ao acontecimento”.270

Há Regimentos Internos que restringem, sobremaneira, essa tática parlamentar de obstrução, vez que reduzidíssimo o tempo destinado à discussão, possibilitando somente a alguns parlamentares o direito de usar da palavra para debater a matéria, desprestigiando assim o que assinalou Jeremy Bentham como “a máxima da igualdade: assegurar a todos os membros a faculdade de serem ouvidos”.271 Sobre os prazos de discussão fixados nos Regimentos Internos das Assembléias Legislativas, confira-se o item 7.6.1 supra.

Por outro lado, há norma constitucional com a finalidade de assegurar ao próprio Legislativo a garantia de tramitação de um projeto de lei por um prazo mínimo razoável. É o que informa o artigo 65 da Constituição rio-grandense-do-sul: “A

267 As novas tendências do direito constitucional. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1933, p. 55-65. 268

RIVERO, Jean; MOUTOUH, Hugues. Liberdades públicas. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 149.

269 Idem, p. 149. 270 Id., ib. 271

BENTHAM, Jeremy. Tácticas Parlamentarias. Ciudad de México: Cámara de Diputados, 2002, p. 183.

Assembléia Legislativa, mediante requerimento subscrito pela maioria de seus membros, pode retirar da ordem do dia, em caso de convocação extraordinária, projeto de lei que não tenha tramitado no Poder Legislativo por, no mínimo, trinta dias”.

O Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo considera “obstrução parlamentar legítima” a ausência às votações, desde que aprovada pelas Bancadas ou suas Lideranças e comunicada à Mesa na respectiva sessão (arts. 90, § 1º, item 1; 117, § 4º; 90; e 199, § 3º). À evidência, o parlamentar que não registrou, até então, presença na sessão não fica abrigado pelo manto da presunção regimental de ser considerado presente em votação, caso sua Bancada venha a se declarar ‘em obstrução’.

No documento Processo legislativo estadual (páginas 184-187)