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Os Estados-membros na repartição de competências da federação brasileira

No documento Processo legislativo estadual (páginas 69-72)

CAP 3 SISTEMA DE REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS ADOTADO NO MODELO FEDERATIVO BRASILEIRO

3.1 Os Estados-membros na repartição de competências da federação brasileira

O sistema de repartição de competências adotado pelo modelo federativo brasileiro da Constituição de 1988 é tema que já mereceu aprofundados estudos da doutrina brasileira, sobressaindo-se especialmente o da Dra. Fernanda Dias Menezes de Almeida, com obra clássica,98 e referência para juristas e estudiosos do assunto e também para esse nosso estudo, não se olvidando a consideração de outros.99

Acerca do sistema de repartição de competências adotado pela Constituição de 1988, “combinação de praticamente tudo o que já se experimentou na prática federativa”, no registro de Fernanda Dias Menezes de Almeida, “convivem

competências privativas, repartidas horizontalmente, com competências concorrentes, repartidas verticalmente, abrindo-se espaço também para a

participação das ordens parciais na esfera de competência próprias da ordem central,

96 Princípios condicionantes do poder constituinte estadual em face da Constituição Federal. In: RDP,

n. 92, p. 41.

97 Temas de direito constitucional estadual e questões sobre o pacto federativo. São Paulo:

Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, 2004, p.128.

98 Competências na Constituição de 1988. 4. ed., São Paulo: Atlas, 2007. 99

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990, v. 1. Aspectos do direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 157-185. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 3. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2002. BORGES NETTO, André Luiz. Competências Legislativas dos Estados-Membros. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. LOBO, Paulo Luiz Neto. Competência legislativa concorrente dos Estados-membros na Constituição de 1988. Brasília: Senado Federal. In: Revista de Informação Legislativa, n. 101, jan./mar. 1989, p. 87-104; MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 17. ed., São Paulo: Atlas, 2005. MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 5. ed., São Paulo: Atlas, 2005. SPROESSER, Andyara Klopstock. Processo Legislativo. 2. ed., São Paulo: Alesp/SGP, 2004, p. 52-60. FARIAS, Paulo José Leite. Competência federativa e proteção ambiental. Porto Alegre: Fabris, 1999. ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. República e Federação no Brasil: traços constitucionais da organização política brasileira. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 236-257.

mediante delegação”.100 Sob a perspectiva das competências dos Estados-membros, como cada ente federativo recebeu competências próprias, importa, então, acentuar, ainda com a autora:

“Os Estados ficaram, também privativamente, com as competências residuais não enumeradas, nos termos do artigo 25, § 1º, sendo que em mais dois parágrafos do mesmo artigo e no § 4º do artigo 18 destacaram-se outras competências estaduais privativas: a de explorar os serviços locais de gás canalizado (art. 25, § 2º); a de instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões (art. 25, § 3º) e a de criar Municípios (art. 18, § 4º).”101

Mas, não são muitas as matérias atribuídas à competência estadual, por isso mesmo, impõe-se, desde já, o registro do acentuado esvaziamento das competências, tanto as materiais como as legislativas, dos Estados-membros. É o que vem constatado nas fundadas conclusões do exame feito por Fernanda Dias Menezes de Almeida acerca da distribuição de competências na Federação brasileira:

“A análise das competências de cada esfera de poder revela uma clara preponderância do poder federal, um certo fortalecimento do poder municipal e a permanência da situação desconfortável do poder estadual, cujos poderes remanescentes continuaram esvaziados de conteúdo e de significado prático. Com efeito, não se diminuiu, antes se ampliou o extenso rol de competências materiais e legislativas exclusivas da União, muito embora algumas delas, com vantagem, pudessem ser transferidas para o âmbito das competências concorrentes.”102

O sistema de repartição de competências interfere no delineamento dos limites da autonomia dos Estados-membros; é uma autonomia condicionada pelos parâmetros da sistemática de distribuição de competências que, no modelo federativo brasileiro desprestigia estes entes subnacionais, com poderes remanescentes limitados, eis que extenso o campo de poderes enumerados da União. Na competência tributária, contudo, a sistemática se altera e os poderes residuais aí remanescem para a União.

No campo das competências concorrentes, indicado como repartição vertical e que não favorece a independência recíproca dos entes federativos, há atritos que são dirimidos pelo intérprete final e guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal,

100 Ob. cit., p. 58.

101

Id. ibid.

que, como salienta Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “tem uma inclinação para entender que a competência, na dúvida, é federal”.103 Com efeito, robora André Ramos Tavares, constata-se na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal “uma tendência pela opção de centralização das competências na União, em vez de um atendimento ao que estabelece o próprio art. 25 que deveria ser a diretriz para a interpretação nos casos de dúvida acerca da competência a quem cabe determinada competência legislativa”.104

Com foco no princípio da segurança jurídica, Monica Herman Salem Caggiano, adverte que à harmonia federativa “não basta a perspectiva constitucional, ainda que preconizando um adequado equilíbrio entre o Poder Central e os Poderes dos Estados-membros. Impõe-se um balanceamento claro e preciso dos pólos decisionais (Poder Central e Poderes Periféricos), exatamente com o escopo de evitar o conflito ou o exorbitante e excessivo clima de rivalidade” entre os entes federativos.105

Referentemente às competências concorrentes repartidas verticalmente, em notório detrimento dos Estados-membros, Monica Caggiano, fundadamente, preconiza os receios de um retorno ao federalismo de integração:

“A engenhosa técnica da partilha concorrente, contudo, foi insuficiente para acalmar as perspectivas das unidades periféricas (dos Estados-membros), como também, a tradicional tendência centralizadora da autoridade federal, ensejando um repertório de dúvidas e debates a alcançar relevantes pontos da esfera das competências que foram partilhadas na verticalidade, abrindo uma significativa brecha à insegurança jurídica.

(...)

E mais, denota, entre nós, a persistente presença de ‘trauma antigo’, já identificado pela historiadora Aspásia Camargo, reflexo direto da formação do federalismo doméstico ‘de cima para baixo’. Isto, explica a ilustre pesquisadora, implica a continuidade e manutenção de um modelo defeituoso, que ela denomina de ‘pacto patrimonial, ...baseado na cumplicidade promíscua entre o poder público centralizado, e o poder privado de origem local’, o que impede a real concentração de autonomia das unidades federadas, por mais sofisticada que venha a se afigurar a técnica utilizada para a repartição das competências.

De qualquer forma, o próprio caráter difuso, peculiar à verticalização empregada na partilha de competências pela Carta de

103

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Temas de Direito Constitucional Estadual e questões sobre o Pacto Federativo. São Paulo: Assembléia Legislativa de São Paulo, 2004. p. 160.

104 TAVARES, André Ramos. Temas de Direito Constitucional Estadual e questões sobre o Pacto Federativo. São Paulo: Assembléia Legislativa de São Paulo, 2004. p. 166.

105

Federalismo incompleto, descentralização e indefinição de competências. Revista Direito Mackenzie. São Paulo: Editora Mackenzie, 2000, p. 38.

1988, enseja a abertura de relevantes brechas a ingerências e, notadamente, à interferência do Poder Central, inserindo sérios riscos no tocante ao standard da segurança jurídica, introduzindo um clima de incerteza. Ademais, autoriza, a nosso ver, uma flagrante burla ao princípio federativo, preordenando uma ação centralizadora a reconduzir ao modelo federalista de integração, que dominou o espectro federal brasileiro por quase três décadas.”106

No documento Processo legislativo estadual (páginas 69-72)