• Nenhum resultado encontrado

Reapreaciação pelo Poder Legislativo da matéria vetada

No documento Processo legislativo estadual (páginas 193-197)

CAP 8 SANÇÃO, VETO, PROMULGAÇÃO E PUBLICAÇÃO NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS LEIS

8.3 Reapreaciação pelo Poder Legislativo da matéria vetada

Se, contudo, o Governador do Estado considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, oporá veto, total ou parcial, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará os motivos do veto ao Presidente da Assembléia Legislativa dentro de quarenta e oito horas. Alexandre de Moraes observa, como característico do veto, que deve ser sempre

expresso, motivado e supressivo, pode ser total ou parcial e superável pelo

Legislativo, por isso mesmo relativo.280 Como já anotado no capítulo 2, mesmo quando a Constituição Federal de 1891 não admitia veto parcial (art. 37), o que só viria a ocorrer com a reforma de 1926, as Constituições Estaduais da Bahia (art. 41), Ceará (art. 33), Maranhão (art. 27, § 2º) e Pará (art. 29) adotavam-no para proposições orçamentárias; e a Constituição mineira (art. 38, § 2º) ampliava-o para outras matérias, além da orçamentária.

8.3.1 Obrigatoriedade do escrutínio secreto?

279

O processo legislativo – sanção e vício de iniciativa. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 136.

Da mesma forma, em 1989, sem se afeiçoar ao processo legislativo federal, os constituintes gaúchos (art. 66, § 4º) e paulistas (art. 28, § 5º) adotaram, como regra para votação de matéria vetada, o escrutínio aberto, a deliberação ostensiva, e não o escrutínio secreto como previsto na Constituição Federal (art. 66, § 4º); ao depois foram acompanhados pelos constituintes dos Estados do Acre (art. 58, § 4º - EC n. 10/95), do Rio de Janeiro (art. 115, § 4º - EC n. 18/2001) e do Maranhão (art. 47, § 3º - EC n. 35/2002). Aliás, o legislador regimental rio-grandense-do-sul acentuou que a deliberação dar-se-á em votação nominal, não admitindo sequer a votação simbólica nessa hipótese (art. 216).

Como reserva de Plenário, a reapreciação de projeto vetado pelo Executivo não pode ser delegada a Comissão ou Comissões. A matéria vetada ou, de outro modo, o veto oposto pelo Governador só pode ser reapreciado se submetido aos votos dos membros da Assembléia Legislativa, e não prevalecerá se maioria absoluta dos parlamentares assim decidir.

Diz-se que um escrutínio secreto garantiria a independência dos congressistas, presumivelmente os da base de sustentação do governo com seus passos acompanhados pelos tentáculos vigilantes do Leviatã-Executivo. Mas, a regra gaúcha e paulista de votação aberta mostra-se mais consentânea com os princípios democrático e republicano. 281 De fato, na esfera pública as decisões devem, tout court, ser públicas, por todos acompanhadas. Fernanda Dias Menezes de Almeida, em análise sobre a aplicação ao Poder Legislativo do princípio da publicidade na Constituição de 1988, acentua o interesse dos cidadãos em acompanhar como seus representados votam, e salienta:

“O fato é que o exercício do mandato político pressupõe

coragem cívica que leve ao enfrentamento das pressões – afinal, elas

fazem parte do processo político –, cabendo ao eleito enfrentá-las publicamente, e não, a pretexto de livrar-se delas, instalar-se sob o manto confortável do sigilo.

(...) faz parte dos encargos da representação exteriorizar suas posições, em tudo o que respeite ao que é de interesse público, mesmo em situações mais delicadas, em que possa sentir-se pouco à vontade, por poder ferir a suscetibilidade de seus pares (como no julgamento de

281 Acompanhada depois pela Assembléia Legislativa do Paraná, mediante Emenda Constitucional n.

17, de 08-11-2006: “Art. 56 – Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações da Assembléia Legislativa e de suas comissões serão tomadas por maioria de votos, presente a maioria absoluta de seus membros. Parágrafo único – Não será permitido o voto secreto nas deliberações do processo legislativo.”

um deles) ou do governo (quando entender necessário rejeitar o veto). Afinal, são os ossos do ofício. Por isso mesmo é que a coragem deve

constar da bagagem dos representantes.”282 (negritou-se)

8.3.2 Deliberação sobre o veto ou sobre o projeto vetado?

Aliás, a regra paulista manteve também a reapreciação do Legislativo pelo viés da apreciação do projeto283, ao contrário da sistemática da Constituição Federal em vigor em que se reaprecia o veto oposto. 284 Sob a perspectiva da reapreciação do projeto pelo viés do veto, os parlamentares votam a favor ou contra o veto: “Estará, então, mantido o veto, portanto, rejeitado o projeto, se contra ele se manifestar maioria absoluta dos Deputados e Senadores – separadamente – em escrutínio secreto (Constituição, art. 66, § 4º). Assim, o projeto estará definitivamente aprovado se a maioria absoluta dos Deputados e Senadores rejeitar o veto. Não se reunindo contra o veto essa maioria absoluta em ambas as Casas, estará ele mantido e conseqüentemente será arquivado o projeto”, conclui Manoel Gonçalves Ferreira Filho.285

Já sob a perspectiva da reapreciação do projeto, os votos parlamentares são a favor ou contra o projeto. Corrobora-o, também, expressa norma regimental: “A votação não versará sobre o veto, mas sobre o projeto ou a parte vetada, votando Sim os que o aprovarem, rejeitando o veto, e Não os que o recusarem, aceitando o veto” (parágrafo único do artigo 233 da XIII Consolidação do Regimento Interno de SP).

A conseqüência prática dessa relativização do ponto de vista do objeto da votação (projeto ou veto), é que, não se reunindo em favor do projeto de lei vetado maioria absoluta de votos para sua aprovação, mas se constatando como resultado da votação número de votos tendente à sua aprovação, norma regimental286 indica votação

adiada do projeto, e não a sua rejeição ficta, como se dá na prática parlamentar

congressual, e acima demonstrado no lógico raciocínio exposto por Manoel Gonçalves Ferreira Filho. No entanto, esse raciocínio tem como premissa praxe parlamentar de

282 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. O sigilo no sistema democrático. In: YARSHELL, Flávio

Luiz; MORAES, Mauricio Zanoide. (Org.) Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005, p. 237-238.

283 “Artigo 28 – (...) § 5º - A Assembléia Legislativa deliberará sobre a matéria vetada, em único

turno de discussão e votação, no prazo de trinta dias de seu recebimento, considerando-se aprovada quando obtiver o voto favorável da maioria absoluta dos seus membros.”

284

“Art. 66 – (...) § 4º - O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio secreto.”

285 Do Processo Legislativo, 6ª ed., p. 226-227. 286

“A votação dos projetos, cuja aprovação exija quorum especial, será renovada tantas vezes quantas forem necessárias, no caso de se atingir apenas maioria simples.”

considerar rejeitada proposição que, necessitando de quorum qualificado para sua aprovação, não venha a obtê-lo; em resultado que não reúne maioria de votos Não, onde, portanto, os votos Sim prevalecem sobre aqueles, em resultado tendente à

aprovação.287 Nesse caso, ao invés de se proclamar como resultado, rejeitado o projeto e mantido o veto, dever-se-ia declarar adiada a votação. Isso em homenagem à regra

fundamental das deliberações em colegiados, como são as do Legislativo: decisão pela maioria. Se a maioria não rejeita em resultado expresso da votação, a rejeição assim declarada é presumida, ficta, proveniente sim de interpretação.

8.3.3 Destaques na votação da matéria vetada

Como decorrência de a apreciação do veto ser ostensiva, indaga-se se seria facultado ao legislador, na reapreciação da matéria vetada, o destaque de

expressões, tanto na apreciação de veto total quanto na de veto parcial. Registre-se, por

primeiro, que se admite a rejeição parcial de veto total, mas aí a rejeição incidindo sobre texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea. 288 Admite-se, igualmente, a rejeição parcial de veto parcial, mas aí também incidindo a rejeição sobre texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea. A essas situações Manoel Gonçalves Ferreira Filho já respondia: “Em relação ao veto parcial, ou a vetos parciais, não parece haver problema. A apreciação das disposições vetadas há de ser fragmentária, e nada obsta que o Congresso acolha as objeções contra frações do projeto e recuse outras”.289 Em relação ao veto total: “Havendo a possibilidade de veto parcial, o veto total equivale à recusa de cada disposição do projeto. Ora, nada obsta logicamente que o Congresso reaprecie cada disposição do projeto de per si, ratificando umas, rejeitando outras”.290

A questão que se coloca agora é: pode haver destaque de expressões da matéria vetada, seja ela decorrente de veto total ou parcial?

Parece que sim, responde-se; e com supedâneo nas lições de Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “a ratificação do projeto tem por conseqüência dispensar a anuência do Executivo. Como a sanção, torna-o lei perfeita e acabada. Daí se infere

287 NÓBREGA NETTO, Miguel Jerônimo. O processo de votação no Parlamento Federal brasileiro.

In: L & C - Revista de Administração Pública e Política, n. 106, abr. 2007, p. 23-26.

288 STF – Repr. 1.385, DJU de 20-9-1987, p. 20.411. 289

Do Processo Legislativo, 6ª ed., p. 227.

claramente que a concordância do Executivo é, em nosso Direito, dispensável, embora sua manifestação não o seja, para a transformação de um projeto em lei”.291

Ora, como a manifestação do Executivo não foi dispensada, certifica-a o veto oposto, nada obsta que a Assembléia Legislativa reaprecie cada disposição do projeto de per si, de acordo, agora, com método regimental de votação, que admite, também, o destaque de expressões do projeto.

No documento Processo legislativo estadual (páginas 193-197)