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6. LUGARES DE PODER E DE MEMÓRIA: LEMBRAR PARA MANDAR

7.1 Representar, testemunhar, fornecer, oferecer, constituir, estar

A UNESCO, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, fundada em 1946 como entidade dependente da ONU definiu, entre outros, o objectivo de defender e preservar o Património Cultural, contando actualmente com Comités Nacionais em quase todos os países do mundo50.

A política de protecção do Património Cultural Mundial levada a cabo pela UNESCO teve, nos anos 60, um marco decisivo para o seu avanço: a construção da barragem de Assuão, que implicava que os importantes templos egípcios de Núbia desaparecessem debaixo das águas, alertou toda a comunidade internacional para a necessidade de encontrar os meios técnicos, humanos, económicos e institucionais que permitissem salvar esse património. E este marco reforçou muitos outros: “In doing so, UNESCO showed the world that it assumed responsability, in the name of the international community, for protecting the common heritage of humanity and ensuring it was handed down to future generations. The campaign to save one of the principal Buddhist monuments of the world, at Borobudur, reinforced awareness of the absolute necessity of protecting the monuments of humankind and the riches of nature, which are as inseparable from the history of humanity as they are essential to its future” (Barré,

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Convenção para a Protecção do Património Mundial Cultural e Natural (aprovada pelo Decreto 49/79, de 6 de Junho) “III – Comité intergovernamental para a protecção do património mundial, cultural e natural. ARTIGO 8.º 1- É criado junto da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura um comité intergovernamental para a protecção do património cultural e natural de valor universal excepcional denominado Comité do Património Mundial. Será composto por quinze Estados parte na Convenção, eleitos pelos Estados parte na Convenção reunidos em assembleia geral no decurso de sessões ordinárias da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. O número dos Estados membros do Comité será elevado até vinte e um, a contar da sessão ordinária da conferência geral que se siga à entrada em vigor da presente Conferência para, pelo menos, quarenta Estados. 2- A eleição dos membros do Comité deverá assegurar uma representação equitativa das diferentes regiões e culturas do Mundo. 3- Assistirão às sessões do comité com voto consultivo um representante do Centro Internacional de estudos para a Conservação e Restauro dos Bens Culturais (Centro de Roma), um representante do Conselho Internacional dos Monumentos e Locais de Interesse (ICOMOS) e um representante da União Internacional para a Conservação da Natureza e Seus Recursos (UICN), aos quais poderão ser acrescentados, a pedido dos Estados parte reunidos em assembleia geral no decurso das sessões ordinárias da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, representantes de outras organizações intergovernamentais ou não governamentais com objectivos idênticos” (Ferreira, 1998: 246-247).

1996: 6). Salvou-se monumentos e conseguiu-se que, mundialmente, as sociedades tomassem consciência de que determinados bens culturais não são património de um país concreto mas de toda a humanidade e por isso responsabilidade de todos. “The Convention on the protection of world heritage (cultural and natural) adopted by UNESCO in 1972 was the fruit of this process of growing awareness” (Barré, 1996: 6).

Em 1972, a comunidade mundial reconhece a sua responsabilidade sobre este tema e adopta- por meio da Conferência Geral da UNESCO- a Convenção

Internacional para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural,

assinada até há data por 140 países. Quatrocentos e quarenta bens culturais e naturais de 102 países passaram, nos últimos 20 anos, a fazer parte da Lista do Património Mundial da UNESCO, prova irrefutável dos esforços de cooperação internacional para a sua salvaguarda. A lista é ampliada cada ano, em conformidade com os critérios estabelecidos conjuntamente com a aliança Mundial para a Natureza (UICN), o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS) e o Centro Internacional de Estudos de Conservação e Restauração dos Bens Culturais (ICCROM).

Aprovada em Paris, a “Convenção Internacional para Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural”, que entrou em vigor em 1975, define no seu Art. 1º “Património Cultural”, considerando como tal: - Os monumentos: obras arquitectónicas, de escultura ou de pintura monumentais, elementos ou estruturas de carácter arqueológico, inscrições, grutas e grupos de elementos com valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência; - Os conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidos que, em virtude da sua arquitectura, unidade ou integração na paisagem, têm valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência; - Os locais de interesse: obras do homem, ou obras conjugadas do homem e da natureza, e as zonas, incluindo os locais de interesse arqueológico, com um valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico (Ferreira, 1998).

Segundo o Artigo 3º “Competirá a cada Estado parte da presente Convenção identificar e delimitar os diferentes bens situados no seu território e referidos nos artigos 1º e 2º acima” (Ferreira, 1998: 244). Para aceder à classificação de Património da Humanidade, qualquer um destes bens- monumentos, conjuntos ou locais de interesse- deve gozar de protecção jurídica e dos mecanismos de gestão que assegurem a sua conservação. A existência de legislação de protecção a nível nacional é indispensável e tem também que reunir os requisitos de autenticidade- mais bem conservado

comparando com outros do mesmo período- e ser de valor universal excepcional segundo os seguintes critérios: 1.-Representar uma obra-prima do génio criador humano; 2.-Testemunhar uma troca de influências considerável durante um dado período ou numa área cultural determinada, sobre o desenvolvimento da arquitectura, ou da tecnologia das artes monumentais, da planificação das cidades ou da criação de paisagens. 3.-Fornecer um testemunho único ou excepcional sobre uma tradição cultural ou uma civilização viva ou desaparecida. 4.-Oferecer um exemplo eminente de um tipo de construção ou de conjunto arquitectónico ou tecnológico ou de paisagem ilustrando um ou vários períodos significativos da história humana. 5.-Constituir um exemplo eminente de fixação humana ou de ocupação do território tradicionais representativos de uma cultura (ou de várias culturas), sobretudo quando o mesmo se torna vulnerável sob o efeito de mutações irreversíveis. 6.- Estar directa ou materialmente associado a acontecimentos ou tradições vivas, a ideias, a crenças ou a obras artísticas e literárias com um significado universal excepcional.

As primeiras cidades que alcançaram a classificação de Património da Humanidade foram Cracóvia e Quito, em 1978 e nos anos imediatamente posteriores, as declarações tenderam a recair sobre cidades mortas do terceiro mundo, exemplos de culturas desaparecidas e sobre os centros históricos de cidades vivas, maioritariamente Sul-americanas. Esta tendência foi-se modificando- a Europa tem mais cidades classificadas que a África e a Ásia juntas, em parte porque todas as nações europeias assinaram a Convenção e muitos outros países não- e actualmente, na Lista do Património Mundial, as cidades históricas vivas são as mais numerosas, conceito que, segundo as orientações da Convenção pode revestir quatro formas:

1º.-Cidades típicas de uma época ou de uma cultura, conservadas quase integralmente e pouco alteradas por desenvolvimentos posteriores.

2º.-Cidades de carácter evolutivo exemplar que tenham conservado, por vezes num enquadramento natural excepcional, uma organização do espaço e das estruturas urbanas características de fases sucessivas da sua história. Neste caso destacam-se sobre a envolvente contemporânea.

3º.-«Centros históricos» que ocupam o perímetro da cidade antiga, hoje englobada na cidade moderna.

4º.-Sectores, bairros ou ilhas, mesmo que residuais, mostra coerente de cidade histórica.

A inscrição de um bem na lista do Património Mundial51 tem de partir de proposta feita por estado membro da “Convenção”, demonstrando que cumpre os requisitos exigidos: razões pelas quais considera que responde a um ou vários critérios fixados, avaliando o bem em comparação com outros do mesmo tipo; avaliação do bem em comparação com outros similares de outros lugares; indicações relativas à autenticidade do bem.

De facto, são os centros históricos que com mais frequência têm sido classificados como Património Mundial e a razão não é somente por lá se concentrarem os principais monumentos mas pelo protagonismo que alcançaram nos anos 70 os novos ideais urbanísticos: lutar contra o cansaço causado pela cidade igualitária contemporânea, carente de identidade e de exclusividade, pensando a cidade antiga como objecto estético, cultural e espaço idealizado de autenticidade e especificidade.

Na Proposta de Candidatura de Guimarães a Património Mundial apresentada pela Câmara Municipal de Guimarães pode ler-se na alínea d) Critérios segundo os

quais a inscrição é proposta (pag. 17-18): O centro Histórico de Guimarães é como

conjunto, testemunho de um desenvolvimento urbano, agrupando exemplos eminentes de um tipo particular de construção. Pela sua unidade, sistema construtivo- técnicas construtivas tradicionais-, características arquitectónicas- tipologias diferenciadas, constituindo exemplos de evolução da cidade nas suas diferentes épocas- bem como, a sua integração na paisagem, constitui um valor universal excepcional.

A zona proposta a classificação contém um tecido urbano de origem medieval que conforma uma sucessão de praças de grande valor formal e cuja estrutura edificada- na sua maioria seiscentista-, embora tipologicamente diferenciada, se encontra construída com as técnicas construtivas tradicionais, nomeadamente, taipa de rodízio e taipa de fasquio- técnicas de construção em que se utiliza a madeira como elemento primordial. A autenticidade e a integridade da linguagem construtiva das técnicas tradicionais, constituem uma permanência viva da cidade. Este tipo particular de

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“Os seis lugares de Portugal incluídos na Lista do Património têm uma grande relação com as nossas viagens marítimas dos séculos XV e XVI. É o caso da cidade de Angra do Heroísmo na Ilha Terceira, do arquipélago dos Açores, assim como o denominado estilo manuelino influenciado pelos nossos descobrimentos marítimos, (...). Uma das muitas obras-primas deste estilo é o Mosteiro dos Jerónimos, uma merecida homenagem que D. Manuel I decidiu render ao Infante D. Henrique. D. Manuel I também resolveu construir uma fortificação comemorativa da façanha de Vasco da gama, a Torre de Belém, uma das jóias da arquitectura portuguesa. O Centro Histórico de Évora, (...) constitui uma cidade-museu que contém ruínas romanas e restos do período visigodo, muçulmano e medieval mas, sobretudo, testemunhos dos séculos XV e XVI, a idade de ouro portuguesa. Três importantes mosteiros completam estes lugares: o Mosteiro gótico da Batalha, (...), o Mosteiro de Alcobaça, (...) e o Convento de Cristo em Tomar (...)” texto de Apresentação do Tomo IV de Património da Humanidade, 1997, UNESCO/ Grupo Planeta.

construção preenche densamente a malha urbana assumindo uma herança cultural inerente ao património a salvaguardar.

A autenticidade e a força da imagem do centro histórico de Guimarães tem sido consequência da protecção que o centro histórico tem tido por parte da autarquia, sendo criada uma unidade operacional, sediada no Gabinete Técnico Local, para assegurar a protecção e salvaguarda do centro histórico. A política de reabilitação urbana adoptada, assente na promoção da recuperação pela requalificação e valorização do espaço público, na manutenção da população residente, na salvaguarda e manutenção das preexistências erguidas com as técnicas construtivas tradicionais, bem como no rigor de execução, teve como resultado uma acção exemplar que distingue Guimarães das outras cidades do país.

As técnicas tradicionais em Guimarães derivam da prática, da transmissão oral que transporta o passado para o presente, o fazer continuado e a manualidade. É na conjugação destes factores que reside a riqueza própria das técnicas tradicionais, sendo o homem, o agente da prática e da tradição.