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8. OUTRAS CLASSIFICAÇÕES: UM DEBATE ALARGADO

8.1 Trilhos urbanos

Quer durante o processo de candidatura, quer depois da classificação de Património da Humanidade, o cidadão comum- morador, comerciante ou utilizador do centro histórico ou mesmo qualquer outro vimaranense- não teve, por qualquer meio, acesso aos critérios impostos pela Convenção. Só os técnicos dominavam a legislação entretanto fornecida, de forma a cumprir cabalmente todos os requisitos exigidos e enviar a candidatura à Convenção, que avaliaria todo o processo num espaço de um ano.

Quando em 2001 a perspectiva de classificação de Património da Humanidade surgiu fora do âmbito restrito dos técnicos e instituições e foi alargada aos cidadãos, abordava-se de forma abstracta e com emoção toda essa problemática. Desconhecendo os critérios de classificação, ninguém poderia avançar uma razão solidamente fundamentada que justificasse essa distinção. Mesmo assim, quase todos responderiam, em Guimarães, que era merecida. A monumentalidade e antiguidade do centro histórico associada, mesmo que de forma difusa, à ideia da fundação da nacionalidade seriam apresentadas pela maioria como argumento determinante para a classificação. A sua conservação decorrente de uma recuperação prolongada e sistemática, intervenção vivida e participada um pouco por todos na cidade, tinha paulatinamente criado a expectativa pública desse reconhecimento.

No início do meu trabalho de pesquisa, importou-me ouvir moradores e comerciantes sobre a importância que para eles teve a requalificação do centro histórico e saber a que razões atribuíam a decisão de o classificar de Património da Humanidade. Conhecendo os critérios de classificação, por força do trabalho de investigação que então começara, interessava-me perceber se os próprios utilizadores/moradores/ comerciantes reconheciam o valor da cidade histórica e se o faziam pelos mesmos motivos da UNESCO. A unanimidade em relação aos benefícios da requalificação dos espaços públicos, da recuperação de imóveis e da classificação, pensava eu que fosse total. Vi que estava enganada, pois desconhecia o tecido humano implicado, com diferentes maneiras de morar e trabalhar no centro histórico, percursos de vida e modos de sentir tão diversos como no adágio popular que dita cada cabeça, sua sentença.

No seguimento do trabalho de pesquisa pedi a todos os entrevistados para relatarem pormenorizadamente factos da vida privada/familiar/profissional que me permitissem compreender a sua relação com o centro histórico, isto é, histórias de vida que tivessem esse espaço como centro aglutinador de vivências e memórias, relações de vizinhança, locais de trabalho, residência e lazer, possibilidades de conhecimento dos outros e reconhecimento de si próprios. Mais especificamente, necessitava ouvir de todos os entrevistados o que pensavam de uma tão prolongada requalificação urbana que durante tantos anos tinha interferido nos quotidianos de todos- aspectos positivos e negativos- e como tinham reagido à classificação de Património da Humanidade. Procurei igualmente informar-me sobre os espaços privados, públicos, monumentos e património que mais valorizavam, antes e depois da classificação. A todos estes utilizadores, moradores e comerciantes pedi uma reflexão sobre as consequências da requalificação urbana e classificação de Património da Humanidade, espécie de balanço cujo saldo dependeu tanto das emoções e da afectividade como do reconhecimento da riqueza patrimonial do espaço onde trabalham e moram. Procurei definições de património: devolveram-me uma cidade enquanto espaço de memória, identidade e cidadania.

Havia, então, que definir a metodologia relacionada com a observação participante: a grande proximidade física que me ligava ao centro histórico não coincidia de modo algum com o facto de, na prática, desconhecer pessoalmente a maior parte dos seus moradores, comerciantes e outros utilizadores. Começar pelos poucos que conhecia dava-me, por outro lado, a sensação de déja vu que queria evitar pois as suas opiniões já eventualmente conhecia. Assim, criei uma espécie de rede com início numa loja de artesanato onde entrei em primeiro lugar por me sentir, de certo modo, uma turista e por estar convicta de que esse comerciante estaria, por isso, mais aberto a ver-me como tal, sem me confundir com uma jornalista, técnica da Câmara ou simplesmente vendedora de uma qualquer coisa- o que veio a acontecer várias vezes ao longo dos meses que durou o trabalho de campo, dificultando a tarefa de observação participante. Esgotada a primeira rede, mas vencido o embaraço inicial, foi necessário começar de novo. Ao fim de algum tempo tinha já várias redes- incluindo no total 50 pessoas- que coincidiam com determinados espaços da zona classificada, onde, pela proximidade, mais facilmente se percebia relações de parentesco, amizade ou vizinhança: área em frente ao Paço dos Duques, Rua de Sta. Maria, Praça de Santiago, Largo da Oliveira, Rua Egas Moniz, Largo Condessa do Juncal, Largo João Franco. Foi

um instrumento de análise que tive que usar de forma flexível pois, como defendeu Hannerz (1993: 198), numa estrutura tão diferenciada como as estruturas sociais complexas, o indivíduo tem muitos tipos de participações situacionais, isto é, papéis, e as oportunidades de fazer com eles diversas combinações são consideráveis pois a cada papel corresponde uma ou mais relações com outras pessoas61. Daí o autor concluir que o facto de terem ou não interesse analítico depende da medida em que os papéis choquem uns com os outros, de forma que se possam discernir relações entre as relações. A distribuição dos entrevistados por categorias- papéis- de utilizadores, moradores e comerciantes revelou-se, assim, imprecisa- muitos dos comerciantes são igualmente moradores e todos são utilizadores, relacionando-se com o espaço e os outros de acordo com o papel desempenhado nesse momento- mas útil como ponto de partida para a investigação e instrumento de análise.

Conhecia as referências de Hannerz (1993: 347) sobre o facto de os antropólogos poderem ser eles próprios elementos organizadores dessas redes62, levando provavelmente “una especie de doble vida”, bem como a situação experimentada por Cardeira da Silva que se referiu, deste modo, ao seu caso de investigadora em Marrocos: “Vinda de longe, eu tinha aproximado mulheres numa nova rede de qarabâ que, de ali em diante, passou a agir independentemente da sua origem. Tinha partido para Salé com a ideia de observar o funcionamento das redes femininas através da análise de um espaço de frequência particular: o hammam. (...) Mas depressa compreendi que, se as limitações à mobilidade feminina justificariam outrora essa escolha, hoje ela restringiria muito a sociabilidade feminina que se desenvolve em tempos e espaços mais multiplicados” (Cardeira da Silva, 1999: 94).

Todas as vezes que entrei num determinado espaço- sobretudo pequenas lojas de bairro onde a área comercial se confunde, pela proximidade, com o espaço privado de habitação- para entrevistar uma pessoa e acabei rodeada por várias outras que se iam acercando para intervir e acrescentar algo à conversa, tive a noção de dar origem, com a minha presença, a uma rede nova de sociabilidades e relações de vizinhança. À medida que se avolumavam as minhas notas de campo e o consequente conhecimento de

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“Según el funcionalismo estructural de viejo estilo, la sociedad se podía considerar constituida por grupos e instituciones duraderos; las personas que pasan a través de ellos realizan sus papeles según una prescripción, de modo que la descripción de las normas puede ser una explicación adecuada de la conducta social. Ahora estamos un tanto insatisfechos con esta perspectiva.” (Hannerz, 1993: 198).

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“(...)probablemente en otras ocasiones prefiramos dejar las diferentes redes de nuestro alter tal como estén, en gran parte sin conexión entre ellas, de modo que el trabajo de campo implique una segregatividad en la que nos dividamos entre diversos contextos de campo” (Hannerz, 1993: 347).

pessoas e respectivas histórias de vida, rotinas quotidianas, relações sociais e familiares, contextos socioculturais e apreciações sobre o espaço onde trabalham e moram, também eu me sentia elemento estruturante de uma rede em cujo ponto de partida se situava o meu trabalho de investigação.

Com excepção dos poucos casos de gentrificação identificados, os depoimentos que exponho- extraídos do caderno de campo e transcritos em itálico- pertencem, na maioria, a utilizadores, moradores e comerciantes do centro histórico63 desde longa data, por se relacionarem de forma privilegiada com a vida de bairro que se mantém na maior parte das ruas, mas com a noção de estar a “inventar” categorias de utilizadores e um território de sociabilidades- o centro histórico- por oposição a outros territórios- as periferias-, sabendo, no entanto, quão complexos e diversificados são um e os outros e inúteis e enviesadas quaisquer fronteiras. Os espaços urbanos não condicionam em absoluto as vivências sociais e, por isso, a maior parte das pessoas- no centro histórico, como nas periferias- tem relações mistas, ambíguas e contraditórias: entre todos os entrevistados, ninguém “vive” confinado ao centro histórico e este é cruzado, continuamente, por habitantes de outras áreas da cidade que utilizam o centro pelas mais diversas razões. Sendo isto verdade, é, no entanto, comum ver opor centro e periferia, surgindo esta dicotomia em muitos discursos actuais sobre “o problema das cidades”, num discurso maniqueísta em que o centro histórico é para preservar, dinamizar e reabilitar e as periferias surgem como símbolos de descaracterização dos espaços urbanos:

“..., a visão maniqueísta generalizada faz concluir, por redução ao absurdo, que existe um conjunto de bons cidadãos que habitam e trabalham no centro, deslocam-se a pé ou de transporte público, se abastecem no comércio tradicional e são agentes activos na dinamização da vida cultural da cidade (como espectadores, pelo menos), por oposição a um outro grupo que, tristemente, habita na periferia, se desloca em transporte individual e passa a generalidade dos seus tempos livres nas grandes superfícies comerciais, onde se abastece” (Fernandes, 2003: 9).

“Na verdade o mundo não é apenas constituído por homens e mulheres, por brancos e negros, ricos e pobres, nem tão-pouco por antropólogos e investigados: é

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Registei depoimentos de:

- representantes de associações localizadas no centro histórico: Associação Cultural e Recreativa “Os Vinte Arautos”; Marcha Gualteriana (o dirigente mora no centro histórico); Grupo Desportivo Oliveira do Castelo; Cine-Clube de Guimarães; Convívio; Muralha. Organizadoras do Desfile do 1º de Dezembro, Procissão do Corpo de Deus e Festa do Senhor dos Desamparados; colaboradora na organização da Procissão de N. S. da Oliveira (10);

- comerciantes de artesanato (14);

simultaneamente constituído por homens e mulheres, brancos e negros, ricos e pobres,

antropólogos e investigados entre mil e um outros que devem ser interpretados como categorias e não como grupos formais”, afirmou Cardeira da Silva (1999: 63) a propósito das mulheres marroquinas e do seu mundo.

8.2 “De ombro na ombreira”

As lojas do centro histórico são o que resiste de um comércio local, envelhecido e desactualizado que persiste em continuar, completamente à margem das modas e do consumo de massas, para alegria dos turistas, dos fotógrafos e dos curiosos das coisas do património. Mas são, acima de tudo, locais de convívio, pontos de encontro fundamentais para que não se perca definitivamente os laços de redes já bastante enfraquecidas, erodidas pelo envelhecimento, pela pressão do turismo e pela indústria do lazer. As nossas conversas eram sempre interrompidas por quem entrava nas lojas ou quem passava na rua, o que me permitia observar inúmeras coisas ao mesmo tempo, enriquecendo as notas de campo com comentários úteis para o meu trabalho.

Para T., morador na Rua Gravador Molarinho desde sempre, e aí comerciante64 há 50 anos, os trabalhos de requalificação nunca o entusiasmaram: “Ficou bonito. Mas

sempre foi bonito. Já estava tudo construído. As casas são as mesmas”. Por isso a

notícia da classificação tão-pouco o deixou emocionado. Não se emociona “por tão

pouco”. Sempre morou por cima do estabelecimento- um belo edifício do século XVIII

em alvenaria de granito com brasão- e voltaria atrás se pudesse, pois antigamente vivia- se melhor na rua. “Toda a gente se conhecia. Eram amigos. Davam-se bem. O convívio

era interessante. Agora não. Já não mora aqui praticamente ninguém. Foram desaparecendo e os filhos foram talvez para apartamentos. Os tempos modernos são assim”.

Compreendo pelas palavras deste morador que há coisas que a classificação não teria nunca capacidade de resolver, apesar de prioritárias: uma delas é a saudade do tempo passado, outra o avanço inexorável da idade. A classificação de Património da

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O estabelecimento comercial foi aberto pelo pai como casa de penhores e mais tarde foi loja de tecidos. Em 1951, T. abriu uma mercearia, que continua até hoje. Mantém as mesmas estantes, balcão e decoração desde o início o que faz com que seja um local visitado por turistas, sobretudo estrangeiros. “Gostam de

Humanidade consagra um espaço que para este morador perdeu sentido como espaço social porque foi abandonado, perdeu história e especificidade, tornando-se abstracto. Os tempos modernos são assim: neutros, transparentes, inocentes. A sua cidade, se bem que as casas sejam as mesmas e bonitas, foi reapropriada, tornando-se espaço de lazer e local de encontro de forasteiros. São esses que agora convivem e se conhecem e reconhecem no centro histórico. Talvez mesmo os “filhos que foram para

apartamentos” usem agora praças e ruas do centro histórico por não “se encontrarem”

na cidade nova, entretanto construída para eles. Henry Lefebvre, em La production de

l’espace (2000), chama nostalgia a essa fuga da modernidade, que faz com que cada vez

mais pessoas procurem espaços rústicos ou cidades com centros históricos, apelidados, por exemplo, de medievais. Mas quem sempre morou e trabalhou numa zona histórica espera, como este comerciante, uma continuidade sem quebras nem rupturas e que, pelo menos, os objectos permaneçam para ajudar a memória- o seu património material e imaterial- uma vez que a mobilidade das pessoas- sobretudo dos estratos sociais mais baixos- produz normalmente o mesmo efeito: as amizades, ao contrário das relações de parentesco, não resistem às mudanças de residência (Herbert e Thomas, 1990: 265)..

Contrariamente a este entrevistado, para M. A., também comerciante no centro histórico65 há perto de 50 anos, no Largo Condessa do Juncal, “A atribuição de

património foi uma vaidade”. Não viu um único aspecto negativo na classificação de

Património da Humanidade nem na requalificação da zona histórica. “O trabalho de

restauro do centro histórico só pode ser visto como positivo. É tudo de preservar. Tem tudo valor. O facto de não haver gente que anime o comércio não tem a ver com a requalificação. A vida mudou: acabaram as costureiras, as modistas. Havia em Guimarães 20 ou 30 casas de venda a retalho. Havia mais vida. O restauro não foi o culpado disso. Os tempos é que mudaram”. Conta-me que o Largo Condessa do Juncal

já foi uma zona muito comercial: até há 30 anos era o local da feira semanal de tecidos, roupa e calçado- ainda hoje o largo é conhecido pela “feira do leite” ou “feira do pão”- e nessa altura era uma zona animada. Agora há sobretudo serviços- escritórios, consultórios médicos, cabeleireiros, gabinetes; não há casas desocupadas, mas já não vivem famílias. Continua a abrir a loja todos os dias mas não vende nada.

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Sempre vendeu tecidos, malhas e miudezas. O nome Tabelados vem do tempo em que os tecidos eram tabelados, com preço fixo. “Nessa altura todos os tecidos tinham uma margem, uma ourela verde e vermelha, porque se destinavam a ser vendidos nas ex-colónias”. A loja mantém-se com o mesmo mobiliário original, muito envelhecido e deteriorado, mas, segundo o proprietário, muito apreciado: “Os turistas entram, tiram fotografias. Querem tirar fotografias: é muito típico”.

Apercebo-me pelo movimento que frequentemente vejo dentro e à porta da loja que está sempre disponível para uma boa conversa: esta é a sua sala-de-estar. Afirma ter vaidade de estar no centro histórico mas ocorre-me que, independentemente de ser Património da Humanidade, não passa, nem ele nem quem o visita, sem este espaço de convívio diário. Não vive no centro histórico, nem nunca viveu mas sente-se uma grande familiaridade com quem lá mora ou passa. O contacto interpessoal que se efectua nos encontros de bairro é aleatório, não calculado previamente; define-se pelo acaso dos deslocamentos exigidos pelas necessidades da vida quotidiana, diz Certeau em A invenção do quotidiano (1998). Não sei se todos os encontros são assim tão aleatórios e não calculados pois encontrar um interlocutor para uma boa conversa facilmente se transforma numa rotina necessária. Mas Certeau (1998: 39) reconhece-o: o bairro aparece, assim, como o lugar onde se manifesta um engajamento social, uma arte de conviver com parceiros- vizinhos ou comerciantes- que estão ligados pelo facto concreto da proximidade e da repetição. É também para que não se perca esta arte e o sentido de coesão que M. A. defende que “Conservar é uma obrigação. Manter o

passado é sagrado. É bom que os melhoramentos se façam, mas não aqui no centro histórico. O Pavilhão Multiusos está muito bem longe do centro”.

Outro comerciante, F. F.- proprietário de uma mercearia da Rua da Tulha há mais de 50 anos- considerou a classificação um pouco imerecida: “Os prédios

interiormente estão todos podres. É tudo muito bonito, mas por dentro está tudo a cair. Amanhã vai ser tudo ruínas. A câmara devia ajudar”. Diz-me que o pedido que fez à

Câmara de renovar o interior da casa- por cima da mercearia- foi recusado. “Precisava

de renovar e a Câmara não deixa. Dentro devia-se poder fazer obras. Mantinha-se a fachada e melhorava-se o interior”. Penso de imediato que este é um dos problemas da

preservação de bens patrimoniais conservados in situ. Para manter intacto o seu valor simbólico e patrimonial não se pode mudar, para que não se perca a relação com o contexto original, retirando-lhe o sentido. Claro que não verbalizo esta ideia diante dos meus interlocutores: não a compreenderiam, provavelmente, porque o que querem é, acima de tudo, uma casa confortável para morar. F. F. diz-me, entretanto, que acabou por comprar uma casa nova fora do centro histórico para onde se vão mudar em breve. Não têm grande pena de sair. Vão fugir ao barulho: “O barulho à 6ª feira e ao Sábado é

insuportável. O povo queixa-se, sobretudo na Praça de Santiago. O mal é as licenças. A Câmara não devia passar tantas licenças”66.

Um comerciante de calçado da Rua da Rainha67, J. M. S., sempre morou no que é hoje considerado o centro histórico mas só recentemente o considera um lugar de eleição. “Antes não ligava. Nem ninguém falava disso. Só agora é que se dá valor”. Afirma que nunca ligou muito à questão de o centro histórico ser classificado ou não mas “Foi bom. Foi merecido. O valor que isto tem é por ser histórico. Agora é

preservar”. Considera, no entanto, que não foi a propaganda que se fez a propósito da

classificação de Património da Humanidade que fez aumentar, e muito, o número de pessoas que agora passam na rua. “Foi desde que começou o arranjo. Foi desde essa

altura. A classificação veio ajudar, mas isto já tinha começado”. Essa altura, e por todo

o lado segundo Lloenç Prats (1997), foi também o momento em que se inventou o património, em que se activou os repertórios patrimoniais- antes inviáveis- que entraram na lógica do espectáculo e se adaptaram a novas exigências expositivas, provocando profundas transformações no tratamento do património. Por isso antes “Ninguém falava

disso” e “Só agora é que se dá valor”.

A. B. mora no centro histórico desde 1980, no Largo Condessa do Juncal e ocupa as manhãs numa loja propriedade de um filho na Rua Egas Moniz. Lembra-se do dia da atribuição da classificação de Património da Humanidade, (“Fiquei encantado”, diz), mas no dia-a-dia tem tendência a esquecer esse facto ou a duvidar mesmo, pois o que vê parece desmentir qualquer classificação: “Tenho dúvidas se o centro histórico é

Património Mundial. Não sei como é que classificaram de Património Mundial casas tão degradadas. Às vezes até vejo turistas tirar fotografias a casas completamente degradadas. No miolo do Ourado ainda há muito problema por resolver”.

Sente também que a Rua Egas Moniz e o Largo Condessa do Juncal são espaços que, para além de degradados são mais abandonados, comparados com outros do centro histórico. “Gostava que todo o centro histórico tivesse o ambiente da Praça de