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O conceito de supervisão pedagógica tem estado em permanente construção e evolução. A literatura, neste domínio, tem sido marcada por uma profícua criação de conceitos e orientações, o que, em certa medida, pode estar na origem de alguma da incerteza ou ambiguidade na sua interpretação.

Etimologicamente, a palavra “supervisão” tem origem nas palavras latinas “super”, que significa “por cima/sobre” e “visio, onis” que corresponde a “ação de ver, visão” (Green e Smyser 2001, p. 114) o que, no seu conjunto significa “ver mais” ou “visão sobre”.

Assim, de acordo com Seabra et al. (2012, p. 30), “o primeiro significado resulta da interpretação linear olhar de ou por cima, admitindo a perspetiva da visão global e assumiu-se, vulgarmente, com a integração de funções relacionadas com inspecionar, fiscalizar, controlar, avaliar e impor. A estas funções, associou-se, entretanto, as de regular, orientar (reforçando, por vezes, o sentido de acompanhar) e liderar”.

Segundo Smyth (1991, apud Moreira, 2005, p. 35), “historicamente o conceito de supervisão pode localizar-se na Idade Média, equivalendo ao processo de procurar erros ou desvios de texto original”. Muito posteriormente, no século XIX, surge no contexto educativo norte- americano, ligado ao papel do superintendente escolar. No século XX, sensivelmente a partir da década de 30, a supervisão passou a estar ligada à formação inicial de professores, estando associada a funções de inspeção e de controlo.

O conceito de supervisão registou um franco desenvolvimento em meados do século XX, com o surgimento do modelo de supervisão clínica que, segundo Alarcão e Canha (2013, p. 29) foi desenvolvido no final dos anos 50, por M. Cogan, R. Goldhammer e R. Anderson, da Universidade de Harvard, nos EUA, com o objetivo de melhorar a qualidade do ensino na sala de aula, metaforicamente apelidada de “clínica”. O modelo assentava em processos de observação, análise, reflexão e reconstrução das práticas em ambientes de colaboração colegial entre supervisores e professores. De acordo com Vieira e Moreira (2011, p. 11), “ao centrar a supervisão na sala de aula (a “clínica”), este movimento direciona a atenção dos professores e dos supervisores/formadores para as questões da pedagogia”, advindo o termo

supervisão – a pedagogia – e a sua natureza educacional, que pode ser traduzida nas ideias de ensinar a ensinar e aprender a ensinar” (ibidem).

Nos anos 60, “uma perspetiva de supervisão enquanto liderança colegial e democrática começa a configurar-se, sendo alargada, nos dias atuais, para uma supervisão de cariz transformador, emancipatório e articulada com a inovação pedagógica” (Moreira, 2005, apud Barros, 2012, p. 106).

De acordo com Seabra et al. (2012, p. 30), “(…) as abordagens mais recentes ao conceito de supervisão substituíram a unilateralidade tradicional, que a identificava com a inspeção, pela multilateralidade integradora de diferentes ações complementares permitindo encará-la na transversalidade funcional. A supervisão tende a explicitar-se numa associação entre controlo (instrumento de regulação), educação/formação, conseguida através duma relação entre agentes diversos (intervenientes em processos de observação, avaliação e orientação) e decisão (com implicações na liderança)”.

Assim, segundo estes autores, uma visão restrita de supervisão, tem vindo a dar lugar a outras que incluem a partilha de experiências e de reflexão sobre a prática pedagógica pelos professores, com vista ao desenvolvimento profissional, ou perspetivando dinâmicas que podem abranger toda a organização, apontando para uma escola reflexiva e uma instituição aprendente, segundo uma orientação mais colaborativa e menos hierarquizada.

Vejamos, de forma breve, como esta evolução teve lugar no contexto educativo português. Em Portugal, de acordo com Alarcão (1994), o conceito de supervisão é de tradição recente, sendo esta autora uma das precursoras da sua introdução no nosso país, na década de 80 do século XX, tendo, com os seus estudos e publicações, contribuído de forma assinalável para a sua divulgação e desenvolvimento no nosso contexto educativo. Segundo Alarcão e Canha (2013), a data de 1982 pode considerar-se um marco importante no desenvolvimento da supervisão em Portugal, com a introdução do termo “supervisão clínica” num artigo de Alarcão, no qual a autora explicita este conceito.

Esta autora, juntamente com José Tavares, publica, em 1987, a primeira edição do seu livro - Supervisão da Prática Pedagógica. Uma perspetiva de desenvolvimento e aprendizagem - no qual é dada nova dimensão ao termo supervisão, ao colocar-se o professor, o seu ensino e o seu desenvolvimento profissional no centro da atividade supervisiva. Nesta obra, os autores apresentam a supervisão como “processo de orientação da prática pedagógica incidindo sobre o processo de ensino-aprendizagem”, salientando a “importância de um ambiente relacional positivo, interativo, suscetível de criar uma dinâmica espiralada de aprendizagem e de

desenvolvimento”, tendo em atenção o “grau de desenvolvimento dos professores e a sua diferenciação” (Alarcão & Canha, 2013, p. 29), nomeadamente quando concebem a supervisão como

“(…) o processo em que um professor, em princípio mais experiente e mais informado, orienta um outro professor ou candidato a professor no seu desenvolvimento humano e profissional.”

Segundo estes autores, esta conceção de supervisão coloca em evidência a dimensão da pessoa na realização das atividades docentes, colocando assim no centro do processo supervisivo a “interligação pessoa/atividade e enfatizando o desenvolvimento humano e profissional como objeto da supervisão pedagógica” (ibidem).

Refira-se que a ideia da supervisão pedagógica parece ter sido pensada a partir da necessidade de proporcionar um melhor acompanhamento aos candidatos a professores, ou professores em estágio. No entanto, a conceção supracitada, amplamente explorada na literatura, deixa, por outro lado, antever dois momentos possíveis em que a supervisão pode ter lugar: um aquando da formação inicial do candidato a professor e o outro no decurso da carreira do professor, na sua formação contínua. Trata-se, pois, de estender a supervisão à formação contínua dos professores numa perspetiva de melhoria dos seus desempenhos e de desenvolvimento profissional, tendo lugar num “tempo continuado”.

Naturalmente, em Portugal, outros autores deram, também contributos relevantes para a evolução do conceito de supervisão, nomeadamente no que a relaciona à dimensão pedagógica e à sua orientação colaborativa, transformadora e emancipatória, promotoras de desenvolvimento pessoal e profissional.

Neste contexto, refira-se Flávia Vieira (1993, p. 33), para quem fazer supervisão implica interagir, “informar, questionar, sugerir, encorajar, avaliar”. Vieira concebe a supervisão como área científica definida como “teoria e prática de regulação de processos de ensino e de aprendizagem em contexto educativo formal”, definindo-a como

“(…) atuação de monitorização sistemática da prática pedagógica, sobretudo através de reflexão e de experimentação” (p. 28)

Destaque-se, nesta conceção, o sentido regulador vinculado ao processo supervisivo e, simultaneamente, o reconhecimento da importância de uma prática reflexiva, como aspeto essencial dentro da atividade supervisiva. Esta formulação, assim como o conceito de profissional reflexivo, introduzido por Alarcão em 1992, têm inspiração na obra de Donald Schön (1988), para quem, em termos genéricos, a prática pedagógica se alicerça nos conceitos de conhecimento na ação e de reflexão na ação (reflexão sobre a ação, reflexão na ação e

reflexão sobre a reflexão na ação). Para Schön (1988, apud Moreira, 2001, p. 38),a supervisão é a “atividade/função que apoia, orienta ou encoraja os professores no seu ensino reflexivo, tendo por meta o seu desenvolvimento pessoal e profissional”.

Vários autores destacaram esta dimensão reflexiva da supervisão, nomeadamente Sá-Chaves (1994, p. 150), que enfatiza também a sua dimensão colaborativa, ao referir-se à mesma como

“(…) prática acompanhada, interativa, colaborativa e reflexiva que tem como objetivo contribuir para desenvolver no candidato a professor, o quadro de valores, de atitudes, de conhecimento, bem como as capacidades e as competências que lhe permitem enfrentar com progressivo sucesso as condições únicas de cada ato educativo”.

A dimensão reflexiva associada a um contexto de trabalho colaborativo na supervisão ganha, assim, relevo, essencialmente, no contexto de formação contínua dos professores.

Neste âmbito, Formosinho (2002, p. 12) enfatiza a importância da atualização constante do conceito de supervisão, da sua funcionalidade e dimensão colegial e colaborativa que lhe deverá estar associada, ao afirmar que a mesma

“(…) desenvolve-se e reconstrói-se, coloca-se num papel de apoio e não de inspeção, de escuta e não de definição prévia, de colaboração ativa em metas acordadas através de contratualização, de envolvimento na ação educativa quotidiana (…), de experimentação refletida através da ação que procura responder ao problema identificado”.

Alarcão e Tavares (2013) reconhecem, também, que a atmosfera afetivo-relacional e sociocultural que envolve o processo supervisivo pode influenciar esse mesmo processo. Segundo estes autores,

“(…) para que o processo da supervisão se desenrole nas melhores condições é necessário criar um clima favorável, uma atmosfera afetivo-relacional e cultural positiva, de entreajuda, recíproca, aberta, espontânea, autêntica, cordial, empática, colaborativa e solidária entre o supervisor e o professor. Estes têm que colocar-se numa atitude semelhante à de colegas, numa atmosfera que lhes permita porem à disposição um do outro o máximo de recursos e potencialidades, de imaginação, de conhecimentos, de afetividades, de técnicas, de estratégias de que cada um é capaz a fim de que os problemas que surjam no processo de ensino/aprendizagem dos alunos e nas próprias atividades de supervisão sejam devidamente identificados, analisados e resolvidos.” (p. 61) Assim, o trabalho colaborativo, a partilha de práticas e de conhecimentos, são reconhecidos como parte integrante da supervisão pedagógica, perspetivando o “desenvolvimento humano e profissional como fator importante de competência para poder intervir de um modo mais eficiente na educação dos alunos”. (ibidem, p. 62)

Também Moreira (2001, p. 38), reforça esta ideia ao afirmar que “atualmente, a conceptualização da supervisão assume cariz reflexivo-colaborativo”, observando-se, em

Portugal, “(…) um uso do conceito que aproxima a supervisão a uma função de ajuda ao outro”, com a finalidade de proporcionar ao professor a possibilidade de “construir o seu conhecimento profissional através do desenvolvimento de atitudes e capacidades reflexivas, que lhe permitam tornar-se um profissional progressivamente mais competente e mais autónomo”. Segundo esta autora, o processo de supervisão deve ser

“(…) interativo, democrático, centrado no sujeito em formação, orientado para a reflexão e investigação e estimulador do estilo pessoal, estando globalmente orientado para o estabelecimento de uma relação de ajuda que se reflete em atitudes de compreensão empática, implicação direta e aceitação por parte do supervisor”. (ibidem, p. 39)

Neste domínio, o papel do supervisor é, também, redefinido. Sá-Chaves (1999, p. 13) refere que este “não é considerado apenas, e como seria previsível, como aquele que supervisiona (ou seja, dirige, orienta e/ou inspeciona a partir de uma posição superior), mas também como aquele que aconselha”.

Mais recentemente, de acordo com Moreira (2001), o conceito de supervisão surge alargado à dimensão escola, “entendida numa perspetiva orgânica, enquanto organização reflexiva que continuamente se pensa a si própria, se desenvolve e aprende” (p. 40).

Tal perspetiva é, também, partilhada por Alarcão (2002, p. 218), ao referir que

“Mantendo como objeto essencial da atividade supervisiva a qualidade da formação e do ensino que praticam, a supervisão deve ser vista, não simplesmente no contexto da sala de aula, mas num contexto mais abrangente da escola, como um lugar e um tempo de aprendizagem para todos, crianças e jovens, educadores e professores, auxiliares e funcionários e para si própria, como organização qualificante, que, também ela, aprende e se desenvolve.”

Alarcão (2002, p. 231) alude, neste contexto, à finalidade da supervisão numa escola reflexiva, a qual deverá passar pela “dinamização e o acompanhamento do desenvolvimento qualitativo da organização escola e dos que nela realizam o seu trabalho de estudar, ensinar ou apoiar a função educativa através de aprendizagens individuais e coletivas, incluindo a de novos agentes”.

De acordo com Alarcão (2001), a supervisão na escola reflexiva

deverá realizar-se num espírito de pesquisa em que os atores individuais se integram no coletivo, empenhados na melhoria da qualidade, numa atitude de investigação-ação de que resulta, por inerência, a formação por aprendizagem experiencial e o desenvolvimento em situação de trabalho (p.19).

Neste contexto, a supervisão deverá, ser desenvolvida no âmbito da gestão do currículo, no apoio à elaboração de projetos, na resolução colaborativa de problemas, na aprendizagem e

reflexão formativa em grupo, no pensamento sistémico sobre os contextos de formação e sobre o que é a escola. (ibidem)

Dimensiona-se, deste modo a supervisão como processo que deixa de estar circunscrito à sala de aula e ao professor isoladamente, estendendo-se ao desenvolvimento de comunidades de aprendizagem, em que o supervisor se assume como líder dentro dessas comunidades aprendentes, desenvolvendo a sua ação num clima harmonioso de interação e de partilha. Em suma, pode dizer-se que, atualmente, no ramo educacional, a tendência é a de associar à supervisão um processo que perspetiva mudança, melhoria e desenvolvimento, prestados numa base de acompanhamento e observação atenta e isenta das pessoas e do ambiente em que desenvolvem a sua ação, que deverá resultar de uma atitude reflexiva e de análise da prática pedagógica, segundo uma lógica não hierarquizada, associada à colaboração entre professores e ao acompanhamento do desenvolvimento qualitativo da organização escola. De acordo com Abreu (2007), a evolução do conceito de supervisão é reveladora de que o processo não corresponde mais a uma simples ação de inspecionar ou de coordenar, mas sim a um meio promotor de desenvolvimento e crescimento dos profissionais, através de uma perspetiva facilitadora de orientação, de reflexão e de aconselhamento, que prospera quando imerso num ambiente colaborativo.

Registe-se que no âmbito desta dissertação, o conceito de supervisão está marcadamente associado ao desenvolvimento profissional contínuo dos professores, num contexto de trabalho colaborativo na sua atividade docente, sendo o foco da sua realização a sala de aula, não se reportando, portanto, à sua conceção institucional que a associa à noção de “escola reflexiva” (Alarcão, 2001).

Importa, pois, clarificar a conceção e o modelo de supervisão pedagógica que subjazem ao contexto deste projeto.

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