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– PósGraduação em Letras Neolatinas

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COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

VERDADE E MEMÓRIA: ESTRATÉGIAS E SIGNIFICADOS DE LA PREGUNTA DE SUS OJOS, DE EDUARDO SACHERI

por

ELEN FERNANDES DOS SANTOS

Curso de Mestrado em Letras Neolatinas

(Estudos Literários: Literaturas Hispânicas)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS

COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

VERDADE E MEMÓRIA: ESTRATÉGIAS E SIGNIFICADOS DE LA PREGUNTA DE SUS OJOS, DE EDUARDO SACHERI

ELEN FERNANDES DOS SANTOS

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Literários: Literaturas Hispânicas).

Orientador: Profº. Doutor Miguel Ángel Zamorano Heras.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS

COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

Verdade e memória: estratégias e significados de La pregunta de sus ojos, de Eduardo Sacheri

Elen Fernandes dos Santos

Orientador: Professor Doutor Miguel Ángel Zamorano Heras.

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Literários: Literaturas Hispânicas).

Aprovada em: __/__/___

___________________________________________________________________ Presidente, Prof. Dr. Miguel Ángel Zamorano Heras

Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas – UFRJ

___________________________________________________________________ Prof. Dr. Ary Pimentel

Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas – UFRJ

___________________________________________________________________ Profª. Drª. Martha Alkimin de Araújo Vieira

Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura – UFRJ

___________________________________________________________________ Profª. Dr. Victor Manuel Ramos Lemus

Membro suplente – Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas – UFRJ

___________________________________________________________________ Profª. Drª. Ana Cristina dos Santos

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S237 Santos, Elen Fernandes dos

Verdade e memória: estratégias e significados de La pregunta de sus ojos, de Eduardo Sacheri / Elen Fernandes dos Santos. – Rio de Janeiro, 2014.

146 f. Il. Col.

Orientador: Prof. Dr. Miguel Ángel Zamorano Heras

Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós Graduação em Literatura Hispânica , Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro / Rio de Janeiro, 2014.

1. Sacheri, Eduardo – La pregunta de sus ojos – História e Crítica 2. Estratégias narrativas I. Título. II. Zamorano Heras, Miguel Ángel.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, Quem me inspira e acalma, mesmo quando as palavras fogem ou a ansiedade cerca. Glorifico o Seu Nome também aqui, porque sei que Sua luz foi a responsável pela coragem de seguir em frente.

A Diogo Gonzaga, meu conselheiro e abrigo, pelo otimismo depositado neste estudo; agradeço todas as palavras, sempre tão certeiras, de incentivo; por ter se doado inteiramente a nós por todos estes anos. Para sempre o meu sim.

A meus pais, Elizeu e Elizete, por serem alicerce da minha vida, vozes que aconselham, mãos que afagam, colos que confortam.

À minha mãe Elizete Fernandes, em especial, agradeço imensamente a dádiva de ser chamada, até hoje, de sua “flor”; por ter ofertado sua juventude à nossa criação; por ter insistido em minha formação de todas as formas que estavam a seu alcance, desde quando ainda me levava, com sete ou dezessete, na garupa da bicicleta à escola. Sou mais eu porque sou você!

A meu pai Elizeu Queiroz, quem traz em si cada membro da família “sentado no coração”, por todas as recomendações e demonstrações de afeto que são únicas; por sentir falta de sua Elita como se a semana tivesse passado como um mês. Agradeço a doação plena de vida, cada beijo afável e os passeios na “corcunda do pai”. Já te disse hoje?

À minha irmã Evelin Fernandes, minha companheira pelas veredas da vida, a nossa “mana” e mamãe do nosso Gui, por ter estado ao meu lado desde sempre, igual a “papel e bala”. Agradeço a torcida por minha felicidade e as palavras que, encorajando ou demonstrando saudade, me tiram sempre um sorriso.

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Diante de todo o crescimento que esta parceria me proporcionou, sou grata por ter aguçado e estimulado em mim uma sensibilidade que eu não sabia existir. Agradeço por nunca ter se contentado com a primeira proposta, com o primeiro sumário ou com a primeira escritura; por ter exigido sempre um algo a mais e por acreditar que o melhor ainda estava por vir.

Ao professor Doutor Ary Pimentel, pelas aulas maravilhosas que me fizeram escolher o caminho da Literatura; por toda a indicação bibliográfica; pela leitura atenciosa de partes deste texto; por doar-se tão plenamente à tarefa docente e por acreditar sempre no potencial de seus alunos.

À professora Doutora Silvia Cárcamo, por ter me sugestionado no recorte de leitura realizado neste estudo; por ter lido um dos capítulos e ter me incentivado com comentários valiosos. Agradeço por ter me introduzido, durante a graduação, no universo acadêmico da pesquisa e, com sua sabedoria infinita e extrema doçura, inspirar-me como ideal de docente.

Ao professor Doutor Víctor Lemus, por todo o conhecimento doado pelos muitos períodos em que fui sua aluna; por sua paixão pela Literatura que nos contagia.

À professora Doutora Martha Alkimin, por brindar-me, com brilhantismo e leveza, um primeiro contato com o universo da teoria literária ainda na graduação.

À professora Doutora Sonia Reis, pelos muitos esclarecimentos nos e-mails trocados durante o mestrado e por ter se mostrado tão atenciosa na solução de minhas dúvidas.

Aos professores que integram à banca, por aceitarem tão gentilmente ler e discutir este estudo e por me possibilitarem a oportunidade de crescimento.

Aos representantes da editora Alfaguara (Buenos Aires), por conferirem o contato com o escritor.

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Aos meus alunos – os que já passaram e os que ainda integrarão minha história, por me permitirem uma aprendizagem que é constante.

A todos os colegas de caminhada da Faculdade de Letras da UFRJ, por terem feito parte de minha vida acadêmica e por ainda fazerem, cada qual a sua forma, parte de mim. Em especial à Gisele Reinaldo, amiga e conselheira, por me lembrar continuamente que já tenho o que realmente é importante e por mostrar-se sempre tão disponível, para a dissertação e para a vida.

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SINOPSE

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RESUMO

SANTOS, Elen Fernandes dos. Verdade e memória: estratégias e significados de La pregunta de sus ojos, de Eduardo Sacheri. Rio de Janeiro, 2014. Dissertação de Mestrado em Letras Neolatinas (Estudos Literários: Literaturas Hispânicas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Esta dissertação analisa as estratégias narrativas constituintes do romance La pregunta de sus ojos (2005), do escritor argentino Eduardo Sacheri, com o objetivo de refletir os significados histórico-culturais a partir da apreciação dos elementos estético-formais que integram o romance. Procuramos discutir, neste estudo, questões relacionadas à polifonia enunciativa; ao tipo de trama, denominado de busca; à caracterização das personagens e à importância simbólica dos espaços, como caminho que nos permita estabelecer um diálogo com a realidade sociocultural argentina que ecoa a todo instante no romance de Sacheri. As estratégias que o autor lança mão em seu processo de criação literária são, neste estudo, foco de nosso interesse, no intuito de que estes elementos compositivos do romance nos conduzam a uma apreciação dos significados latentes na obra – a violência e a violação da lei como uma constante em diferentes esferas sociais e a busca pela verdade enquanto valor fundamental para o próprio personagem e, em âmbito mais amplo, para toda a sociedade. Nesta medida, visamos refletir a busca do protagonista como forma de desvelamento da verdade de um crime que está para além da violação da vida de uma jovem. Entendemos que a trama de busca está a serviço da restauração de um valor básico para a vida social, mas que, por contrário, não está realizado na sociedade representada pela ficção. É o trabalho de organização da memória via escritura, realizado por um personagem, que atua como porta de acesso do leitor a uma Argentina de distintas temporalidades, trazida à luz pelas mãos do escritor.

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ABSTRACT

SANTOS, Elen Fernandes dos. Verdade e memória: estratégias e significados de La pregunta de sus ojos, de Eduardo Sacheri. Rio de Janeiro, 2014. Dissertação de Mestrado em Letras Neolatinas (Estudos Literários: Literaturas Hispânicas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

This paper analyzes the narrative strategies which occur in the novel La pregunta de sus ojos (2005), of the Argentinian writer Eduardo Sacheri, aiming to reflect upon the historic and cultural meanings based on the appreciation of the aesthetic and formal elements that constitutes the novel. We tend to discuss here issues related to the enunciative polyphony, the kind of plot called pursuit, the characters description, and the symbolic relevance of the spaces, as a way that allows us establishing a dialog with the Argentinian sociocultural reality that echoes continuously in Sacheri’s novel. In this study, the focus of our interests is on the strategies that the author employs in his literary creation process, wishing that these compositional elements of the novel can guide us through an appreciation of the latent meanings in the writing – the violence and the violation of the law as a regular fact in different social levels and the pursuit of the truth as an elementary value both to the character himself and to the whole society, in a wider scope. Doing so, our purpose is to reflect upon the pursuit of the protagonist as a way to reveal the truth of a crime that goes beyond the violation of the life of a young woman. We assume that the plot of searching is used for a restoration of a basic value for social life, which, on the other hand, is not taking place in the community represented in the fiction. It is the task of memory organization through writing (made by a character) that allows the reader to reach an Argentina of many temporalities, what comes up by the hands of the writer.

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RESUMEN

SANTOS, Elen Fernandes dos. Verdade e memória: estratégias e significados de La pregunta de sus ojos, de Eduardo Sacheri. Rio de Janeiro, 2014. Dissertação de Mestrado em Letras Neolatinas (Estudos Literários: Literaturas Hispânicas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Esta disertación analiza las estrategias narrativas que constituyen a la novela

La pregunta de sus ojos (2005), del escritor argentino Eduardo Sacheri, con el objetivo de reflexionar los significados histórico-culturales a partir de la apreciación de los elementos estético-formales que integran la novela. Buscamos discutir, en este estudio, temas relacionados a la polifonía enunciativa; al tipo de trama, denominado de búsqueda; a la caracterización de los personajes y a la importancia simbólica de los espacios, como camino que nos permita establecer un diálogo con la realidad sociocultural argentina que resuena a todo instante en la novela de Sacheri. Las estrategias que el autor trae a luz en su proceso de creación literaria son, en este estudio, foco de nuestro interés, con tal de que estos elementos compositivos de la novela nos conduzcan a una apreciación de los significados latentes en la obra – la violencia y la violación de la ley como una constante en diferentes esferas sociales y la búsqueda por la verdad en cuanto valor fundamental para el propio personaje e, en ámbito más amplio, para toda la sociedad. De este modo, nos proponemos reflexionar la búsqueda del protagonista como forma de descubrimiento de la verdad de un crimen que está para más allá de la violación de la vida de una joven. Entendemos que la trama de búsqueda pone en servicio la restauración de un valor básico para la vida social, pero que, por contrario, no se realiza en la sociedad que se representa en la ficción. Es el trabajo de organización de la memoria vía escritura, realizado por un personaje, que actúa como puerta de acceso del lector a una Argentina de distintas temporalidades, que se trae a la luz por las manos del escritor.

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Siempre fuiste mi espejo, quiero decir que para verme tenía que mirarte.

Julio Cortázar

La literatura no es más que un sueño dirigido.

Jorge Luis Borges (1989)

En cuanto a la sangrienta Argentina de los años setenta, que de tanto en tanto se asoma como telón de fondo de estas páginas, ojalá fuese igual de ficticia, igual de inexistente.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 15

I VOZES E ENTORNOS DE EDUARDO SACHERI ... 21

1.1 A arte de contar: mediação crítica sobre o autor ... 21

1.2 Aspectos iniciais de La pregunta de sus ojos: argumento, estrutura formal e divisões ... 28

II ESTRATÉGIAS NARRATIVAS: UMA LEITURA DOS ELEMENTOS CONSTITUINTES DO ROMANCE LA PREGUNTA DE SUS OJOS ... 30

2.1 A importância da focalização como estratégia narrativa: a polifonia enunciativa ... 30

2.1.1 Características do FP (focalizador-personagem) ... 31

2.1.2 Características do FE (focalizador externo) ... 36

2.2 Os personagens de La pregunta de sus ojos ... 46

2.2.1 Os personagens e sua caracterização ... 48

2.2.2 Os personagens e sua dimensão oculta ... 52

2.3 Forma e sentido da trama: a busca da verdade como motivo central das ações ... 60

2.3.1 A trama de busca e os conflitos individuais ... 63

2.3.2 A trama de busca e os conflitos sociais... 68

III DAS ESTRATÉGIAS AOS SIGNIFICADOS DE LA PREGUNTA DE SUS OJOS ... 75

3.1 A violência e a violação da lei em La pregunta de sus ojos ... 75

3.2 Os espaços representados e seus significados no romance: espaços do crime e espaços da justiça ... 85

3.3 O tratamento da memória pela narrativa de Eduardo Sacheri ...101

CONCLUSÃO ...112

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...119

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INTRODUÇÃO

La pregunta de sus ojos (2005)1 figura como um dos romances do escritor argentino Eduardo Sacheri (Buenos Aires, 1967). A escolha desta obra como objeto de estudo parte de um interesse mais amplo, enquanto professora, pesquisadora e leitora, pelo romance hispano-americano em suas muitas facetas estilísticas e contextuais. Na infinidade de possibilidades de pesquisas que este interesse abre a um futuro pesquisador, minha aproximação a Sacheri se deu pela leitura inicial e despretensiosa de seus contos, nas preciosas aulas de literatura ministradas por um professor querido na universidade.

Do contato com a contística do autor, La pregunta de sus ojos me foi apresentada como a primeira empreitada de Sacheri como romancista. Também aqui muitas possibilidades de reflexão da obra se ergueram, em compasso com as discussões que realizávamos no meio acadêmico, as quais integraram um período intenso de autoconhecimento e de descoberta própria do desejo de ir ao encontro do universo da pesquisa em literatura. Foram estes diálogos vespertinos sobre literatura hispano-americana os causadores de meu interesse por investigar, aprofundando no estudo de um romance, a obra de Sacheri no mestrado, aspiração essa, como antes dito, nascida da troca de olhares e perspectivas que lançávamos sobre o texto do escritor.

Estas distintas miradas que a obra admite que lhe sejam direcionadas me possibilitaram o exercício laborioso de aprender a delimitar o que poderia ou não configurar-se como um tema de pesquisa. Em verdade, as muitas e também necessárias tentativas de focar e objetivar o olhar conformaram um período difícil mas crucial para que chegássemos ao tema deste estudo. Decidir por pesquisar um romance contemporâneo argentino como consequência de um encantamento mais amplo pela literatura hispânica era só o início de todo um processo de aprendizagem como pesquisadora que se iniciava com a entrada para o mestrado. E, seguramente, a primeira destas aquisições – a bem dizer, uma aprendizagem metodológica – foi certificar-me de que o texto literário não é o fim, mas antes o início e a fonte de todas

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as nossas conjecturas, razão pela qual toda análise deve atentar-se primeiro àquilo que a obra literária tem a oferecer.

Nesta medida, o tema deste estudo – a análise das estratégias narrativas empregadas por Eduardo Sacheri como caminho de leitura dos significados latentes em La pregunta de sus ojos – proporcionou-me o que considero o maior aprendizado nestes anos dedicados à análise e compreensão deste romance: associar à dimensão estética e artística, que é sempre única em cada obra, uma dimensão sociocultural de leitura, a qual se alcança tão somente concebendo-se a obra como fonte primeira de conhecimento e acesso a um mundo construído artisticamente pelo escritor. Não é aqui nosso intuito refletir estes aspectos artísticos do romance como uma espécie de verificação puramente formal e retórica que se encerra em si mesma, o que, a nosso ver, se afastaria do nobre propósito de buscar compreender e dialogar, ao final de tudo, com os significados inerentes à realidade histórico-social referida a todo instante em La pregunta de sus ojos.

Considerar de forma mais detida cada estratégia narrativa possibilitou-nos por em prática os distintos modos como podemos discorrer sobre uma obra, comentar suas diversas partes e depreender sentidos a partir de como essas partes se relacionam. Entendemos que uma possível orientação de leitura de uma obra literária é pensar na análise da forma do texto literário tão somente a serviço de um tema2, o qual delimitamos após um processo contínuo de leitura e releitura da obra de Eduardo Sacheri. E é justamente este o caminho que tecemos neste estudo: partimos das estratégias narrativas empregadas pelo autor – selecionadas de forma que pudéssemos contemplar ao máximo a organização da obra literária como um todo artístico – e justificamos a escolha de cada uma destas estratégias a favor dos temas que intuímos conformar a obra, e que aqui chamamos de significados do romance. Assim, metodologicamente partimos de duas dimensões de análise – uma que se quer mais formalista-esteticista, voltada para os mecanismos internos de composição da narrativa; e outra que tomamos como uma dimensão mais sociológica-cultural de leitura, alcançada a partir do diálogo que a obra estabelece com a realidade sócio-histórica argentina.

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Em uma pequena reflexão sobre a consciência do trabalho de pesquisa que aqui se realiza, permito-me dizer que o exercício de análise aprofundado da obra de Sacheri a partir destas duas vertentes metodológicas, conectadas e vinculadas entre si, atuou no incremento de minhas habilidades críticas, que, mesmo longe de estarem concluídas, devem muito a este estudo e a toda a aprendizagem possibilitada por esta incursão literária. O desenvolvimento de minhas competências enquanto leitora e pesquisadora e, mais que isso, a ampliação de minha sensibilidade pela oportunidade do contato mais denso com o literário representam um ganho imensurável que devo a esta nossa busca contínua por conectar, ao longo de todo o processo de análise e apreciação da obra, estas duas dimensões de leitura.

Tendo realizado estes esclarecimentos metodológicos, fundamentais para a concepção deste estudo e, em um pincelar introspectivo, ter apresentado a nosso leitor os sendeiros que nos conduziram a pesquisar a obra de Sacheri, ressalvamos aqui que este estudo visa atuar como caminho de iluminação de um segmento literário que também merece destaque dentro da obra do autor, haja vista o relevo dado a seus contos dentro de sua produção literária. Deste modo, pesquisar o primeiro romance de Sacheri, como aqui já sinalizamos, mostra-se uma tarefa desafiadora, em função da proposta mesma de buscar entrever a seleção e uso de recursos empregados pelo autor com o objetivo de indagar sobre a relação entre o uso destas estratégias e os significados político-sociais que ecoam na obra do escritor.

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caminho que será trilhado nos capítulos que se seguem, a partir de uma concisa exposição da trama, da estrutura formal do romance e de suas divisões internas. Julgamos pertinente este aporte inicial em nossa pesquisa, tendo em vista que desde o princípio mesmo deste estudo nos lançamos à análise de estratégias artísticas que acionarão a todo instante a trama da obra.

Após esta introdutória contextualização biográfica e literária, seguimos caminho para o segundo capítulo deste estudo, no qual lançamo-nos especificamente à leitura dos elementos constituintes de La pregunta de sus ojos. Sinalizamos aqui que nossa escritura buscou estruturar-se a partir de uma análise gradativa das estratégias literárias que Sacheri lança mão na conformação de seu romance. Nesta medida, nossa intenção foi a de traçar um fio condutor único neste segundo capítulo, de uma leitura sequencial dos elementos constituintes de La pregunta de sus ojos que aqui são explorados. Desta concepção de unidade resulta nosso sumário composto de tópicos sequenciais destas estratégias, reservadas umas das outros, ao passo que imbricadas e interdependentes. Acreditamos que estes elementos conformadores do romance, ainda que necessitem de capítulos específicos para uma análise mais detida e pormenorizada de cada um deles, atuam como peças que se atrelam e se inserem em um todo coeso e uno. É a convergência destas múltiplas partes que nos permitirão desaguar no que chamaremos aqui de significados do romance, os quais, a bem dizer, encerram em si tudo o que depreendemos do texto literário enquanto fonte única de nossas constatações e apreciações estéticas.

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para o efeito de edificação de duas obras que parecem ser escritas em compasso uma com a outra, mas a partir de sujeitos focalizadores e objetos de focalização distintos.

Primeiramente, na seção intitulada “Características do FP (focalizador-personagem)”, nos deteremos em um destes sujeitos da focalização presentes no romance, que aqui chamaremos de focalizador interno ou focalizador-personagem (FP), representado na figura de Benjamín Miguel Chaparro, personagem-autor que se investe do papel de escritor e assume também ele a função de focalizador quando se propõe a narrar a história do viúvo Ricardo Morales. Na sequência, na segunda parte deste capítulo sobre a focalização como estratégia literária, nos fixamos na instância narrativa que não atua no romance enquanto um personagem, assim como Benjamín Chaparro, mas acompanha o mesmo em seu momento presente e em seu ofício de escritor. Em última instância, entendemos que a análise inicial desta polifonia enunciativa que norteia toda a construção do romance será de extrema importância para que se compreenda o tratamento da memória pela narrativa de Sacheri, valor semântico que buscaremos atribuir a este jogo narrativo dentro da obra.

O segundo subcapítulo integrante desta segunda etapa está reservado à análise contrastante de personagens que despontam como peças chave em nosso estudo, a saber, o protagonista-escritor Benjamín Chaparro e o viúvo Ricardo Morales, que tem sua história contada pelo primeiro. De início nos deteremos em rastrear tudo o que conforma a imagem destes personagens e dizem respeito às caracterizações feitas por Sacheri. Logo, a luz de Robert McKee (2004) e de suas reflexões sobre a escritura criativa, nos lançaremos a aquilo que está por detrás das caracterizações feitas e que chamaremos aqui de dimensão oculta destes personagens, observável quando da aparição de situações de pressão que forçam os personagens a se posicionarem dentro do desenrolar da trama, ao mesmo tempo em que se desnudam através de suas ações. É por via da análise contrastiva de ambas as personagens que nos lançaremos à subsequente leitura das diferentes posturas tomadas por elas diante da memória do crime.

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enquanto valor deteriorado na sociedade que se alça na narrativa de Sacheri. Neste apartado, então, procuraremos refletir as características específicas deste tipo de trama, amparados pelas reflexões teóricas de Ronald B. Tobias (1999). Entendemos que é a trama de busca a responsável por apresentar os conflitos – individuais e sociais, que impulsionam os personagens a abandonar a sua condição estática de modo a equilibrar suas necessidades éticas e emocionais. É a movimentação destes personagens na trama de Sacheri o que possibilita que o leitor se acerque a uma dimensão da própria qualidade humana destes personagens, os quais, enquanto seres ficcionais, se desvelam a partir das decisões que tomam no desenrolar da trama. E é também, neste sentido, que a busca pela verdade empreendida no romance traz a luz os temas da violência e da violação da lei como motivos substanciais na obra de Eduardo Sacheri.

O caminho traçado até aqui conduziu-nos a esta terceira parte da pesquisa, a qual titulamos “Das estratégias aos significados de La pregunta de sus ojos”, ponto de afluência de toda a análise realizada até então. Dividida nos subcapítulos “A violência e a violação da lei em La pregunta de sus ojos”, “Os espaços representados e seus significados no romance: espaços do crime e espaços da justiça” e “O tratamento da memória pela narrativa de Eduardo Sacheri”, esta etapa tem a importância de atar os elementos analisados durante este estudo no intuito de conferir-lhes uma significação que dialogue com a esfera sócio-histórica manejada na obra. Como ressalvamos ao início, toda a compreensão a que chegamos neste estudo se dá por intermédio da obra de Sacheri enquanto criação artística que mantém um intercâmbio contínuo com elementos muito específicos do cenário social e histórico da Argentina. Assim, corroboramos mais uma vez que a análise da obra em toda sua conformação interna é, de fato, o caminho que trilhamos para chegar a este diálogo entre universos ficcional e extra-ficcional.

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I VOZES E ENTORNOS DE EDUARDO SACHERI

1.1 A ARTE DE CONTAR: MEDIAÇÃO CRÍTICA SOBRE O AUTOR

La pregunta de sus ojos (2005) configura-se como o primeiro romance do escritor argentino Eduardo Sacheri. Nascido em Buenos Aires, em 1967, Sacheri começou sua caminhada literária como contista em meados da década de 90 e seu reconhecimento inicial se deve a seus contos de futebol, difundidos na Argentina a partir de sua leitura em rádios esportivas3. As entrevistas feitas a Sacheri denotam o destaque dado a estes relatos futebolísticos4 em sua obra, quando questões como as paixões humanas, a relação desejo-fracasso inerente às decisões tomadas e a lealdade aos vínculos de amizade, são refletidas através das tramas engendradas pelo escritor. É o próprio autor quem afirma5 que o reconhecimento proporcionado por seus livros de contos lhe impulsionou a enveredar-se pelos caminhos da escritura de romances, gênero que, se comparado aos contos, ainda é pouco refletido dentro de sua obra e, por isso, apresenta pouca fortuna crítica desenvolvida.

Seu segundo romance – Aráoz y la verdad (2008), adaptado ao teatro6, dá continuidade a temas já apresentados por Sacheri em La pregunta de sus ojos. Na esteira de sua criação literária, a obra Papeles en el viento (2011) figura como terceiro romance do autor. Na sequência destes três romances e de seus muitos livros de contos, seu mais recente romance – Ser feliz era esto (2014) – encerra este panorama das obras do escritor argentino.

Como antes dito, os olhares lançados sobre a obra de Eduardo Sacheri evidenciam seus contos, quase sempre inseridos dentro da temática mais ampla “Contos de futebol”, quando o nome de Sacheri aparece ao lado de outros escritores

3 Os primeiros contos de Sacheri foram lidos no programa “Todo por afecto”, na Radio Continental,

pelo jornalista argentino conhecido como Alejandro Apo. Muitas destas leituras, que contribuíram para a difusão e o bom recebimento de sua obra pelo público, encontram-se em vídeos disponibilizados no

youtube e em inúmeros blogs na Internet.

4 A obra contística de Sacheri é conformada, cronologicamente, pelos seguintes livros: Esperándolo a Tito y otros cuentos de fútbol (2000) / Te conozco Mendizábal y otros cuentos (2001) / Lo raro empezó después: cuentos de fútbol y otros relatos (2004) / Un viejo que se pone de pie y otros cuentos (2007) / Los dueños del mundo (2012)e La vida que pensamos (2013).

5 Cf. entrevista de Eduardo Sacheri ao jornal LA NACIÓN, em 08/09/2009. Acesso em 10/03/2014 às

13:30h. In: <http://www.lanacion.com.ar/1171919-sacheri-el-autor-detras-del-exito-de-campanella>.

6 Aráoz y la verdad (2010). Adaptação ao teatro sob a direção de Gabriela Izcovich. Elenco: Diego

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argentinos que também cultivaram o gênero, tais como Roberto Fontanarrosa (1944), Osvaldo Soriano (1943) e José Pablo Feinmann (1943). Nesta medida, este trabalho de pesquisa busca adentrar em uma seara pouco iluminada da criação artística do escritor – o romance, uma possibilidade mais de conhecimento estilístico e temático de sua obra. Muitas questões tratadas em seus contos são desenvolvidas em seus romances, entre as quais se destacam a busca incessante por algo que seja primordial para um personagem e a reconstrução dos caminhos da memória, temas que também se integram a discussão de La pregunta de sus ojos que aqui se realiza.

Em entrevista que recém realizamos com Eduardo Sacheri em Buenos Aires7, o escritor, quando perguntado sobre sua produção contística explica os motivos que o levaram a priorizar, ao longo de sua formação como escritor, os contos em comparação aos romances. Sacheri atribui esta prioridade às fronteiras mais balizadas do conto, as quais lhe permitem dar conta de encerrar um projeto de criação em um lapso temporal mais limitado que o necessário para a escritura de um romance.8 Para suprir aquilo que chama de espasmo de necessidade de iniciar e finalizar um processo de criação artística, o conto, em sua possibilidade de conformação a partir de dimensões mais cerceadas, mostrou-se como caminho para um contato inaugural de Sacheri com o universo de produção literária.

[…] en una novela vos estás obligado a la insatisfacción de no terminar, de avanzar y seguir avanzando, y seguir internándote en algo a ciegas, sin punto de referencia, porque las dimensiones son mucho mayores. Yo, por eso, después de tres libros de cuentos, recién me sentí mínimamente habilitado para intentar una novela. Y, sin embargo, fijate como a mi protagonista lo puse a escribir una novela, como un modo de exorcizar mis propios temores y de poner sobre sus espaldas dudas que eran mías. Aun después de tres libros.9 (Ver apêndice B, pergunta 3)

7 Eduardo Sacheri, muito gentilmente, nos cedeu uma entrevista para esta dissertação, a qual se

realizou no dia 16 de junho de 2014, na cidade de Buenos Aires. Optamos por mantê-la na íntegra (em espanhol e em tradução nossa ao português) ao final deste estudo e nos reportaremos, sempre que julgarmos necessário, às informações concedidas pelo autor ao longo de nosso texto. Para tanto, numeramos as perguntas e nos referiremos a elas de acordo com sua ordenação, de forma a facilitar a localização das mesmas por nosso leitor. Esclarecemos que a entrevista (apêndices B e C) encontra-se na sequência de um suplemento (apêndice A) que consta da linha do tempo com os episódios históricos referidos no romance.

8 Parece-nos interessante aportar o dado de que La pregunta de sus ojos foi precedido pela escritura

de um conto (El Hombre) composto de elementos que posteriormente foram expandidos no romance. Em linhas gerais, dito conto busca retratar um dia na vida de Ricardo Morales, a partir de sua rotina de convivência com o passado pelo aprisionamento do assassino de sua mulher. Ver: SACHERI, Eduardo. Te conozco Mendizábal y otros cuentos. Buenos Aires: Galerna, 2001. p.37-48.

9 Em português: “[...] em um romance você está obrigado à insatisfação de não terminar, de avançar

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Como antes dito, La pregunta de sus ojos, foco de nossa análise, integra o conjunto artístico de Eduardo Sacheri como primeiro romance do escritor. O autor revelou, ainda, que, se não se aventurou de início a percorrer os caminhos de escritura de um romance, o deve a certo incômodo antigo, a um receio de quem confessa não sentir-se habilitado por não possuir uma formação acadêmica específica na área de Literatura. Sacheri explica que custou muito alcançar um estágio de aceitação própria como escritor, independente da necessidade de títulos que o habilitem a sê-lo (ver apêndice B, pergunta 11). É interessante observar que suas dúvidas e receios enquanto escritor são trasladados a seu protagonista, como buscaremos aprofundar mais adiante neste estudo.

Dando sequência a este pequeno panorama biográfico, destacamos que, além de escritor, Sacheri é licenciado em História10 e atuou como professor de escolas para jovens e como docente universitário11 em Buenos Aires. Na entrevista

dimensões são muito maiores. Eu, por isso, depois de três livros de contos, recém me senti minimamente habilitado em tentar um romance. E, no entanto, repare como coloquei o meu protagonista para escrever um romance, como um modo de exorcizar meus próprios temores e de colocar sobre suas costas dúvidas que eram minhas. Inclusive depois de três livros.” (N. do T.)

10 Em entrevista ao jornal argentino Página 12, o autor explica os caminhos que o levaram a buscar a

carreira de História: “–Cuando salí del secundario, como muchos pibes no sabía qué hacer. Seguí como carrera la única materia que me había gustado. Por el camino tuve otros trabajos. Uno de ellos en un juzgado. […] Terminé Historia y no me entusiasmaba para nada dar clase en el secundario (recordaba la bola que yo les había dado a mis profesores y pensaba: ¡Ir a predicar en el desierto!). Al final de la época de Menem el tema trabajo se había puesto muy difícil para un montón de gente, incluyéndome. Estaba trabajando en un supermercadito, en un barrio complicado, con niveles de violencia y de delincuencia. Y ahí te decís: “¿Cómo llegué hasta acá? ¿Qué decisiones me han traído hasta esta Pascua?”.

Cf. entrevista de Eduardo Sacheri ao jornal argentino PÁGINA 12, em data indisponível. Acesso em 10/03/2013 às 12:05h. In: <http://www.pagina12.com.ar/diario/dialogos/21-140771-2010-02-22.html> Em português: “–Quando saí da escola secundária, como muitos meninos, não sabia o que fazer. Segui como carreira a única matéria que eu tinha gostado. No meio do caminho tive outros trabalhos. Um deles em um juizado. [...] Terminei História e não me animei muito em dar aula em escolas (me lembrava do trabalho que eu tinha dado a meus professores e pensava: vou pregar no deserto!). No final da época de Menem a questão do trabalho tinha se tornado muito difícil para muita gente, inclusive para mim. Estava trabalhando em um mercadinho, em um bairro complicado, com altos níveis de violência e delinquência. Foi quando eu me disse: ‘Como eu cheguei até aqui? Que decisões minhas me conduziram a essa situação?’” (N. do T.)

11 Ainda em entrevista ao jornal argentino Página 12, o autor explica sobre a relação de sua prática

docente com sua tarefa de escritor: “–Las dos prácticas son bien complementarias. La del escritor y la del docente. Escribir es un ejercicio muy cerrado, muy vuelto hacia adentro. La docencia es todo lo contrario. Me permite equilibrar esa cosa de caverna introspectiva a la cual me conduce no sólo mi profesión de escritor sino mi propia idiosincrasia. La docencia además me afirmó algo que creo importantísimo: estoy convencido de que la mirada que se echa sobre nosotros también nos construye: es clave cómo mirás a cada alumno, es absolutamente central. Una mirada adusta, rígida, solemne, exigente, condiciona en un sinnúmero de sentidos. A la inversa, una mirada benevolente, pródiga, optimista te impulsa y te abre camino.”

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que realizamos com o escritor, Sacheri traz a luz os proveitos possibilitados por esta formação acadêmica em sua produção artística. No que diz respeito especificamente à La pregunta de sus ojos, por exemplo, os conhecimentos acadêmicos mostram-se fundamentais para a exploração de aspectos históricos nacionais que conformam o romance, situado na Argentina dos anos sessenta e setenta. As nuances próprias de cada época são alvo da mirada detalhista de quem trafega por um território já familiar, ou seja, de quem já se interessava pelo passado antes mesmo de propor-se a dialogar com este passado através da ficção.

O autor destaca que as relações sociais de um momento histórico específico lhe servem de base para a construção de seus personagens. Como sinalizado em nossa entrevista e como veremos ao longo deste estudo, os conhecimentos sobre História permitiram a Sacheri, a título de exemplo, posicionar o amor de seu personagem Benjamín Chaparro em um determinado momento histórico que justifica a existência deste tipo de amor. Para o autor, a omissão de sentimentos por tantos anos não se explica no momento presente, mas se enquadra na alçada temporal do romance (ver apêndice B, pergunta 2). Nesta medida, como colocado pelo próprio Sacheri, o conhecimento que provém de sua formação como licenciado em História12 lhe possibilita explorar estas modulações sociais na conformação interna de seu romance.

Na esteira deste esclarecimento biográfico, importa mencionar que Eduardo Sacheri trabalhou durante cinco anos (1987-1991) no Juizado Criminal de Buenos Aires, quando ainda não vislumbrava seguir pelo caminho da escritura literária, mas antes atuar como professor universitário ou ainda obter um emprego na área Em português: “–As duas práticas são bem complementárias. A de escritor e a de docente. Escrever é um exercício muito fechado, muito voltado para dentro. Ao contrário da docência. Permite-me equilibrar isso de caverna introspectiva a qual sou conduzido não só por minha profissão de escritor mas por minha própria personalidade. A docência, além disso, afirmou em mim algo que acredito ser importantíssimo: estou convencido de que o olhar lançado sobre nós também nos constrói. É chave quando você olha a cada aluno, é absolutamente central. Um olhar severo, rígido, solene, exigente, condiciona uma infinidade de sentidos. Por outro lado, um olhar benevolente, pródigo, otimista te impulsiona e te abre caminho.” (N. do T.)

12 Ainda sobre esta relação entre seu ofício de professor e o de escritor, afirma o escritor o seguinte:

“En el caso mío, que soy profe de historia, hay un relato, una narración, un argumento en lo que vas explicando. Hay una construcción narrativa en enseñar y en escribir naturalmente que también la hay, así que es un parentesco más que profundo”.

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judiciária. Eduardo Sacheri explica a importância que têm para ele estes anos em que exerceu uma função no Juizado, cujo trabalho lhe parecia prático e estimulante. Não seguiu a carreira judicial pois no momento de escolha sobre os caminhos acadêmicos que tomaria, pesaram-lhe mais a dinamicidade e criticidade próprias da área da História, em oposição a um aspecto mais memorístico e reiterativo característico dos estudos de Direito (ver apêndice B, pergunta 4). Além disso, entendemos que este período no Juizado possui total relação com o processo de escritura de La pregunta de sus ojos, principalmente no que diz respeito à criação de uma atmosfera muito particular presente no romance, à conformação de tipos humanos que transitam por este espaço e à representação de rituais específicos da rotina judicial.

O próprio escritor explica, em uma nota que encerra o romance, que sua fase de atuação no Juizado teve influência direta em seu desejo de escrever La pregunta de sus ojos, pois a trama lhe surgiu por ocasião de um fato contado por companheiros de trabalho. Tal relato lhe interpelava há alguns anos, até o instante em que Sacheri, depois de três livros de contos, sente a necessidade de finalmente organizar esta história que há muito tempo ecoava de seu passado. Escrever o romance foi, para o escritor, uma forma de render homenagens a antigos companheiros e a este período que marcou de alguma forma sua história de vida.

Sobre este último aspecto motivador para a escritura do romance, na entrevista que nos foi concedida, Sacheri explica que escrever a obra foi uma forma de retornar a este mundo para despedir-se bem dele. Se não voltou a escrever sobre este universo, é justamente porque este acerto de contas com esta parte de sua história teve lugar único em La pregunta de sus ojos. Para o autor, “escribir es un modo de dialogar con tu propia vida y a veces saldar ciertas deudas.”13 (ver apêndice B, pergunta 4). Retomaremos esta “Nota del autor” ao final deste estudo, no capítulo referente ao tratamento da memória pela narrativa de Eduardo Sacheri.

Para encerrar a apresentação destes aspectos biográficos do escritor, Eduardo Sacheri viveu sua primeira experiência com o cinema quando participou da escritura do roteiro14 de El secreto de sus ojos (2009), filme dirigido por Juan José

13 Em português: “escrever é um modo de dialogar com a sua própria vida e às vezes saldar certas

dívidas.” (N. do T.)

14 Eduardo Sacheri explica, em diferentes entrevistas, que o trabalho de construção do roteiro levou

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Campanella (Buenos Aires, 1959), cuja parceria proporcionou ao escritor uma difusão incontestável de sua obra. Vale observar que seu contato com o universo audiovisual, no entanto, foi anterior à escritura do roteiro, quando, como antes dito, seus contos eram lidos em rádios esportivas e o contato com seus leitores era ainda enquanto ouvintes. O penúltimo romance de Sacheri – Papeles en el viento, também conta com a previsão de ter uma versão cinematográfica a partir de uma parceria com o diretor argentino Juan Taratuto (Buenos Aires, 1971).

As obras de Eduardo Sacheri também foram indicadas em Planos Nacionais que visavam o estímulo à leitura de crianças e jovens. O escritor também participou de projetos do Ministério de Educação quando seus contos de futebol eram distribuídos em estádios e em escolas nas periferias.

De modo a encerrar esta mediação crítica sobre Eduardo Sacheri, importa sinalizar que o autor, em nossa entrevista, interpreta o seu papel de escritor como uma extensão de seu papel de leitor (ver apêndice B, pergunta 8). Ainda que abrangente e instigante em sua essência, a tarefa de um leitor estará, para Sacheri, sempre vedada às limitações impostas pelo autor. É da necessidade de expandir as fronteiras de seu contato com o literário que nasce seu afã por criar universos já buscados por ele enquanto um aficionado e antigo leitor de literatura.

Há temas que se mostram recorrentes na obra contística e nos romances de Sacheri, com destaque dado pelo próprio autor ao tema da redenção. Quando fala de seu segundo romance15, Aráoz y la verdad (2008), Sacheri explica que a redenção de um tempo outro, que pesa e sufoca, mostra-se como um de seus tópicos de maior interesse. Saldar contas com o passado para que o futuro de fato se concretize é, para o escritor, um tema chave. Não no sentido de estagnar-se à memória de modo a paralisar-se diante de fatos passados, mas indagar e reinterpretar esta mesma memória para que se alcance um futuro redimido de dúvidas, medos, receios. E, de fato, entendemos que são justamente estas duas posturas diante do passado que encontraremos em La pregunta de sus ojos: a estagnação diante de um fato traumático e a reinterpretação deste mesmo fato via escritura.

A cotidianidade também se revela como uma constante na obra do escritor argentino, que afirma interessar-se por seres ordinários que podem atravessar

15 Cf. entrevista de Eduardo Sacheri ao jornal argentino PÁGINA 12, em data indisponível. Acesso em

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situações extraordinárias16. Assim, compreendemos que o leitor de Sacheri é aquele que constrói sentidos a partir de suas próprias experiências e se deleita com esta excentricidade e profundidade veladas no corriqueiro. É da cotidianidade que o autor extrai sua matéria-prima de criação artística. Em nossa entrevista, Sacheri chama a atenção para o objetivo último de seu fazer artístico – a compreensão da realidade na qual se insere (ver apêndice B, pergunta 1). Nesta medida, a cotidianidade, em toda sua constância e previsibilidade, também se vê irrompida por momentos dotados de beleza e complexidade, os quais merecem ser iluminados e capturados pela mirada artística. De fato, neste estudo entendemos que esta complexidade encontrada no rotineiro também é trazida à tona pelo escritor no romance foco de nossa leitura, construído com base em personagens que têm suas histórias marcadas por uma morte, que desestabiliza o que antes parecia seguro, ordinário, comum.

16 Em entrevista o autor afirma: “Todos mis libros reflejan de un modo u otro el mundo en el que yo

vivo: Castelar, Ituzaingó, las cosas que pasan en la provincia de Buenos Aires, de donde soy. Las que escribo son historias de gente común y corriente a la que, de vez en cuando, le toca enfrentar situaciones extraordinarias. Diría que me interesan las historias extraordinarias de personas ordinarias, las aventuras de la gente común. Entiendo que la vida de cualquiera de nosotros, bien mirada o mirada con atención, está plagada de situaciones asombrosas, emotivas, dolorosas, que merecen ser contadas y en las que muchos otros pueden reconocerse.”

Cf. entrevista de Eduardo Sacheri à Revista Digital Cabal, em data indisponível. Acesso em: 15/02/2013. In: <http://www.revistacabal.coop/entrevista-eduardo-sacheri>.

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1.2 ASPECTOS INICIAIS DE LA PREGUNTA DE SUS OJOS: ARGUMENTO, ESTRUTURA FORMAL E DIVISÕES

Tal como apontamos na introdução deste estudo e com vistas a facilitar a compreensão da análise que aqui se realizará das estratégias narrativas empregadas por Sacheri na conformação de seu romance, julgamos pertinente trazermos uma concisa exposição da trama de La pregunta de sus ojos17. Como explicamos ao início, esta apresentação preliminar se justifica pelo tema mesmo proposto neste estudo. De fato, entendemos que a leitura dos significados do romance a partir da reflexão de estratégias internas, realizada desde o princípio mesmo desta dissertação, se valerá de um contínuo diálogo com a trama do romance, a qual oferecemos a nosso leitor.

Benjamín Miguel Chaparro trabalhava como vice-secretário de um Juizado de Instrução de Buenos Aires no início dos anos 70, quando lhe coube averiguar a notificação do homicídio brutal de Liliana Emma Colotto de Morales, uma jovem professora primária recém-casada que vivia há pouco mais de um ano na capital. Quando se vê implicado na investigação do caso, Chaparro conhece o viúvo da jovem, Ricardo Agustín Morales, e se envolve pouco a pouco com a história que há por detrás do crime. Junto a Chaparro, o leitor também tem acesso aos pormenores de investigação de busca pelo suspeito – Isidoro Gómez, o que engloba as relações conflituosas que mantém com os membros de sua Secretaria.

Passados trinta anos do caso, Benjamín Chaparro, já aposentado, decide escrever um romance sobre a história do viúvo Ricardo Morales e da investigação inconclusa do assassinato de sua jovem esposa no ano de 1968. Para tanto, Chaparro volta à Secretaria onde trabalhou durante toda sua vida e recupera sua antiga máquina de escrever, instrumento que lhe possibilita resgatar através da escritura momentos importantes de seu passado, tais como o impacto pela morte da jovem e os desdobramentos do caso que influenciaram diretamente em sua vida. A

17 Todas as referências a La pregunta de sus ojos feitas nesta dissertação se acompanharão de uma

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empreitada de Chaparro como romancista é acompanhada de perto por um narrador outro, que apresenta o personagem em seu momento presente, enquanto escritor que ainda cultua, depois de três décadas, um persistente e secreto amor pela juíza Irene Menéndez Hastings, com quem sempre trabalhou.

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II ESTRATÉGIAS NARRATIVAS: UMA LEITURA DOS ELEMENTOS CONSTITUINTES DE LA PREGUNTA DE SUS OJOS.

2.1 A IMPORTÂNCIA DA FOCALIZAÇÃO COMO ESTRATÉGIA NARRATIVA: A POLIFONIA ENUNCIATIVA

Como antes dito, os capítulos de La pregunta de sus ojos se distribuem com base em duas espécies de ordenações: uma que parte de uma sequência numérica e que se apresenta por uma voz que narra em primeira pessoa, e outra que contém títulos dados pelo sujeito que narra em terceira pessoa. Para uma melhor compreensão do jogo temporal entre passado e presente que estrutura o romance de Sacheri, faz-se necessária a reflexão mais detida destas duas instâncias narrativas que compõem La pregunta de sus ojos.

De início, aclaramos que o conceito de “focalización” utilizado pela teórica neerlandesa da literatura Mieke Bal (1995)18 será neste estudo de grande importância na valoração destes distintos estratos do texto narrativo, haja vista que o termo se refere ao ponto de vista escolhido, à maneira específica de representar em uma narrativa. Segundo a autora, a focalização alude “a las relaciones entre los elementos presentados y la concepción a través de la cual se presentan. La focalización será, por lo tanto, la relación entre la visión y lo que se ‘ve’, lo que se percibe.”19 (BAL, 1995, p.108). Com base na definição proposta por Bal, entendemos que La pregunta de sus ojos apresenta mais de um foco de visão, ou seja, mais de um focalizador, ao mesmo tempo em que “lo que se ‘ve’”, ou seja, o objeto narrado, também varia de acordo com o focalizador que se tem em mente. De forma mais detida, inicia-se de antemão esta reflexão a partir da distinção entre as instâncias focalizadoras proposta por Mieke Bal, quando a autora explica que:

Cuando la focalización corresponde a un personaje que participa en la fábula como actor, nos podremos referir a una focalización interna. Podremos indicar, entonces, por medio del término focalización externa que un agente anónimo, situado fuera de la fábula, opera como focalizador. Un

18 BAL, Mieke. Teoría de la narrativa (una introducción a la narratología). Trad. de Javier Franco.

Madrid: Ediciones Cátedra, 1995.

19 Em português: “às relações entre os elementos apresentados e a concepção através da qual se

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focalizador externo no ligado a un personaje se abriría como FE.20 (BAL,

1995, p.111)

A partir da distinção acima feita por Bal e dando início à análise da focalização no romance, entendida esta como a relação do agente que vê com aquilo que se vê, pode-se afirmar que La pregunta de sus ojos possui dois grandes sujeitos da focalização, ou seja, dois focalizadores que organizam seu discurso de acordo com o objeto que se propõem a focalizar: um focalizador interno ou focalizador-personagem (FP) e um focalizador externo (FE). O primeiro está representado na figura de Benjamín Miguel Chaparro, personagem protagonista de

La pregunta de sus ojos que assume a função de focalizador quando se propõe a narrar a história do assassinato da jovem Liliana e todos os pormenores relacionados ao fato. O segundo, por sua vez, diz respeito a uma instância narrativa que não participa do romance enquanto personagem, tal como Benjamín Chaparro, mas que focaliza o mesmo em seu momento presente, enquanto escritor e focalizador de seu passado. Analisaremos a seguir estas duas vozes narrativas de forma a compreender sua importância para a composição estrutural do romance e para uma reflexão mais aprofundada do diálogo edificado entre passado e presente na narrativa de Eduardo Sacheri.

2.1.1 Características do FP (focalizador-personagem):

Antes de iniciarmos uma leitura mais detida do focalizador-personagem ou focalizador interno, doravante FP ou FI, de La pregunta de sus ojos, cabe refletirmos sobre o próprio conceito de focalização interna, sugerido por Mieke Bal. A presença de um focalizador personagem no romance é claramente situada na primeira pessoa do singular (Yo) presente nos capítulos cuja organização se dá via classificação numérica. Tendo em vista a presença deste Yo que narra e insere sua perspectiva, seu ponto de vista na narrativa, importa refletirmos sobre algumas questões referentes à caracterização deste focalizador que integra o romance: já que a escritura é o instrumento que o converte em focalizador, o que motiva o personagem

20 Em português: “Quando a focalização corresponde a um personagem que participa na fábula como

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a escrever? Que dimensão afetiva esta voz introduz no romance? Quais são as nuances dessa voz que narra e ao mesmo tempo participa da história narrada?

O capítulo “1”, o segundo a aparecer na obra de Eduardo Sacheri, já nos coloca de início diante de um personagem que escreve uma história sem maiores certezas das razões que o levam a fazê-lo: “No estoy demasiado seguro de los motivos que me llevan a escribir la historia de Ricardo Morales después de tantos años.”21 (SACHERI, 2010, p.17). De fato, esta incerteza do personagem quanto a suas próprias motivações perpassa grande parte de La pregunta de sus ojos. Há uma clara necessidade do focalizador interno de justificar, perante a um hipotético leitor, o porquê de sua escritura. Leia-se incerto leitor, pois o personagem Chaparro, na incerteza que o define enquanto ser ficcional, não está seguro de que alguém algum dia leia o que ele mesmo escreve. Ao tentar encontrar uma resposta, uma função para sua empreitada como escritor, Chaparro apresenta ao leitor razões múltiplas e distintas para lançar-se ao ato de escrever. A primeira delas, por certo, se relaciona à atração mesma que o caso de Morales exerce sobre o personagem. Chaparro confessa não ter coragem de encarar suas próprias fraquezas e afirma encontrar na vida do outro um caminho mais cômodo de reflexão de seus próprios medos:

Podría decir que lo que le pasó a ese hombre siempre ejerció en mí una oscura fascinación, como si me diera la oportunidad de ver reflejados, en esa vida destrozada por el dolor y la tragedia, los fantasmas de mis propios miedos.22 (SACHERI, 2010, p. 17)

Na medida em que suas justificativas ganham corpo sólido em seu texto, o leitor de Chaparro se dá conta de que o assombro diante dos rumos tomados pelo caso de Liliana não figura como razão única para a escritura do personagem sujeito da focalização interna. No transcorrer de suas divagações literárias, Chaparro acaba por confessar que, se decide escrever a história de Morales, o faz para ocupar um vazio deixado pela saída da Secretaria de Instrução onde trabalhou durante toda sua

21 Em português: “não tenho muito claros os motivos que me levam a escrever a história de Ricardo

Morales depois de tantos anos.” (SACHERI, 2011, p.12).

22 Em português: “Eu poderia dizer que o que aconteceu a esse homem sempre exerceu sobre mim

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vida: “Supongo que la cuento porque tengo tiempo. Mucho, demasiado tiempo” 23. (2010, p.18). No mais, se o personagem decide por fim que a trama de sua obra consistirá na história de Ricardo Morales e do crime de Liliana, também o faz, entre outras razões, em função de uma comodidade assumida por ele mesmo:

Lo primero que pensé es que no tengo la imaginación suficiente como para escribir una novela. La solución que encontré fue escribir sin inventar nada, es decir, narrar una historia verdadera, algo de lo que yo hubiese sido, aunque indirectamente, testigo. Por eso decidí escribir la historia de Ricardo Morales. Por lo que dije al principio y porque es una historia que no necesita que yo le agregue nada, y porque sabiéndola cierta tal vez me atreva a contarla hasta el final, sin amedrentarme con la vergüenza de empezar a mentir para llenar baches, alargar la trama o convencer a quien la lea de que no la tire al cuerno apenas transcurridas quince páginas.24 (SACHERI,

2010, p. 21)

No que tange ao fragmento acima citado, depreendemos que o focalizador personagem chama a atenção para o estatuto de verdade do objeto foco de sua mirada. Mieke Bal (1995) também menciona esta pretensão de objetividade por parte de um personagem que se propõe a focalizar, narrar algo. De acordo com a autora, a tentativa de apresentar só o que se vê (ou, no caso de La pregunta de sus ojos, o que se viu) é acompanhada de um desejo por eliminar qualquer comentário ou interpretação que fuja à objetividade. No entanto, como coloca a autora, a percepção se apresenta como um processo psicológico inerente ao focalizador, razão que leva Bal a afirmar que o esforço por ser objetivo no ato de narrar carece em grande medida de sentido. De fato, embora Benjamín Chaparro, no fragmento anteriormente citado, demonstre buscar contar a história de Morales com total fidelidade aos fatos e “sin inventar nada”, não consegue fazê-lo no decorrer de sua narrativa. As dúvidas do narrador se apresentam como problemas ficcionais que dão espaço a sugestivas reflexões narratológicas que apontam desde a ficcionalidade do narrado até as possibilidades, procedimentos e limites do ato de narrar, o que comprovamos na seguinte passagem de marcado caráter metanarrativo:

23 Em português: “Acho que as escrevo porque tenho tempo. Muito, demasiado tempo.” (SACHERI,

2011, p.12).

24 Em português: “A primeira coisa que eu pensei foi que não tenho imaginação suficiente para

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¿Y qué hago con las partes de la historia que no he sido directamente testigo, esas partes que intuyo pero no conozco a ciencia cierta? ¿Las cuento igual? ¿Las invento de pe a pa? ¿Las ignoro? 25 (SACHERI, 2010, p.

22)

Os problemas ficcionais antes citados têm relação direta com os capítulos em que Benjamín Chaparro abandona sua perspectiva de focalizador personagem e passa, também ele, à perspectiva de Narrador Externo aos fatos. Isso ocorre quando Chaparro decide por criar capítulos a partir de fatos que intui terem acontecido no transcorrer da investigação da morte de Liliana. E como ter a certeza de que os capítulos em questão não são estruturados pelo próprio focalizador externo de La pregunta de sus ojos? O leitor sabe que a voz que narra pertence a Chaparro porque já compactua da estrutura organizacional dos capítulos proposta pelo romance. Dito de outro modo, a partir do pacto de leitura que o leitor firma com a narrativa, sabemos que o capítulo 13, a título de exemplo, é construído por Chaparro por tratar-se de um capítulo numerado. Narrado em terceira pessoa, este capítulo nos descreve o momento em que o pai de Liliana Colotto, a jovem assassinada em 1968, vai até a casa da mãe de Isidoro Gómez, ainda suspeito da morte da jovem, para tentar conseguir informações sobre o paradeiro do possível assassino. Chaparro e o viúvo Morales confabulam juntos esta empreitada em busca de informações realizada pelo sogro de Morales, mas Chaparro não estava presente nesta expedição e o pai de Liliana a realiza sozinho.

Como Chaparro tem acesso às informações pormenorizadas que narra ao leitor se não estava lá no momento em que sucede a ação? Como apontado aqui anteriormente, o próprio personagem nos avisa, de antemão, que irá “mentir” em alguns momentos “para llenar baches” em sua narrativa. Se o faz, assume que é tão só por uma questão de organização dos fatos para o leitor, já que o que lhe importa é contar o que viveu:

[...] será mejor contar lo que sé y también lo que supongo, porque de lo contrario nadie va a entender un carajo. Ni yo mismo. Y otra cosa complicada, el léxico: en el renglón anterior resalta la palabra “carajo” como un cartel de neón en medio de las tinieblas. ¿Uso esas palabras burdas y soeces, o las elimino de mi lenguaje escrito? Cuántas dudas, carajo. Ahí

25 Em português: “E o que faço com as partes da história das quais não fui testemunha direta,

(35)

está, de nuevo, el improperio. Al final tendré que concluir que soy un malhablado.26 (SACHERI, 2010, p.22)

A preocupação com a pessoa gramatical se faz acompanhar de dúvidas quanto ao léxico, ilustradas no fragmento anterior e que ratificam esta estrutura de metaficção observável em La pregunta de sus ojos. São muitos os momentos em que Chaparro tece comentários sobre seu próprio ato de narrar, dando-nos a impressão de que constrói seu romance em consonância com o ato de leitura realizado por seu leitor.

En realidad y muy en el fondo, sospecho que esta página que porfío en llenar de palabras va a terminar también, como las diecinueve que la precedieron, echa un bollo en el rincón opuesto de la pieza.27 (SACHERI,

2010, p.20)28

O personagem que se propõe a ser também autor divaga quanto ao método de escritura que utilizará, bem como com relação ao que será ou não objeto ou foco de sua leitura do passado:

La primera dificultad concreta, una vez decidido el tema: ¿En qué persona gramatical voy a redactar esta cosa? Cuando hable de mí mismo, ¿diré “yo” o diré “Chaparro”? Es tétrico que este escollo baste para detener todo mi brío literario. Tal vez sea mejor, para no verme tentado a volcar impresiones y vivencias demasiado personales. Eso lo tengo claro. No pretendo hacer catarsis con este libro, o con este embrión de libro, hablando más exactamente. Pero la primera persona me queda más cómoda. Por inexperiencia, supongo, pero me queda más cómoda.29 (SACHERI, 2010, p.

22)

26 Em português: “[...] será melhor contar o que sei e também o que suponho, porque do contrário

ninguém vai entender um caralho. Nem eu mesmo. E outra coisa complicada, o vocabulário: na linha anterior, destaca-se a palavra “caralho” como uma placa de neon em meio às trevas. Uso esses termos chulos e vulgares, ou elimino-os de minha linguagem escrita? Quantas dúvidas, caralho. Aí está, de novo, o palavrão. No final, terei de concluir que sou uma língua-suja.” (SACHERI, 2011, p.15)

27 Em português: “Na realidade, e muito no fundo, desconfio de que página que teimo em encher de

palavras vai terminar também, como as 13 que a precederam, embolada no canto oposto do aposento.” (SACHERI, 2011, p.14)

28 Este fragmento ilustra um interessante efeito de ilusão de que a obra escrita por Chaparro é

construída em compasso com a leitura realizada pelo leitor. Dito de outro modo, entendemos que este efeito é alcançado pela própria estrutura física da obra. No fragmento, retirado da página 20 de La pregunta de sus ojos, Chaparro faz referência às dezenove páginas anteriores que já foram escritas por ele. Refletindo este encaixe de obras dentro de uma única obra, como em uma espécie de boneca russa, são detalhes estilísticos como estes que nos levam inclusive a supor se não seria a própria La preguntade sus ojos a obra escrita por Benjamín Chaparro.

29 Em português: “Decidido o tema, a primeira dificuldade concreta: em que pessoa gramatical vou

(36)

No transcorrer de sua escritura e em conformidade com a evolução de sua consciência de escritor, Benjamín Chaparro torna-se mais seguro de seus propósitos artísticos e abandona paulatinamente seus devaneios estilísticos e suas dúvidas quanto ao ato de narrar. A história de Morales, como nomeada pelo próprio personagem-autor, passa a ganhar forma e faz com que Chaparro comece a preocupar-se com o que seja ou não importante para o entendimento da história por parte do leitor. Benjamín Chaparro sabe que só teremos conhecimento dos fatos narrados por ele e, enquanto modalizador da recepção leitora, toma decisões que interferem no acesso que o leitor tem aos fatos. Como antes dito, se decide criar a partir do que imagina ter acontecido, o faz pois assume sua posição de autor diante do que narra e de responsável pela melhor transmissão possível de um passado que ainda lhe parece próximo e que faz nascer no personagem o desejo de sua organização e transmissão via escritura. No mais, esta análise de Chaparro na qualidade de autor, focalizador de uma história já vivida, se complementará com a análise que se fará de Chaparro enquanto personagem, em um capítulo específico que será reservado à leitura desta categoria narrativa no romance.

2.1.2 Características do FE (focalizador externo):

No que diz respeito ao focalizador externo, como vimos, Mieke Bal o define como aquele que está situado fora da fábula. Segundo a autora,

Cuando en un texto el narrador nunca se refiere explícitamente a sí mismo como personaje, podremos, de nuevo, hablar de narrador externo (NE). Ya que no figura en la fábula que él mismo narra, hablaremos de un narrador vinculado a un personaje, un (NP).30 (BAL, 1995, p.128)

Além da oposição aqui já apontada por Bal entre as vozes interna e externa de um romance, os modos de apresentação da consciência são também estudados pela austríaca Dorrit Cohn31, teórica que centrou seu trabalho na análise da estrutura

falando mais exatamente, como este embrião de livro. Mas a primeira pessoa me é mais cômoda. Por inexperiência, imagino, mas me é mais cômoda.” (SACHERI, 2011, p.14).

30 Em português: “Quando em um texto o narrador nunca se refere explicitamente a si mesmo como

personagem, poderemos, de novo, falar de narrador externo (NE). Já que não figura na fábula que ele mesmo narra, falaremos de um narrador vinculado a um personagem, um (NP).” (BAL, 1995, p.128).

Referências

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